Acórdão nº 218/04-1 de Tribunal da Relação de Évora, 30 de Junho de 2004

Magistrado ResponsávelF. RIBEIRO CARDOSO
Data da Resolução30 de Junho de 2004
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, precedendo audiência, na Relação de Évora: I 1.

Nos autos de processo comum (colectivo) n.º …, do Tribunal Judicial de …, os arguidos, A e B.

foram submetidos a julgamento sob acusação da prática, em concurso efectivo, de um crime de tráfico de estupefacientes, na forma consumada, e de um crime de associação criminosa, previstos e punidos pelos artigos 21 n.º1, 24, alin. c), 28 n.º1 e 3 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e o arguido A.

ainda de um crime de furto de uso, p. e p. pelo art. 304 do Código Penal, e vieram a ser absolvidos da prática desses crimes, por acórdão proferido a 15 de Julho de 2003, a fls.4934 a 4947.

  1. Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso daquele acórdão, bem como das deliberações tomadas na sessão da audiência de julgamento que teve lugar no dia 12 de Junho de 2003 e que constam de fls.4842 a 4844 - que consideraram aplicáveis às testemunhas C.

    , D., E.

    e F.

    o regime previsto no art. 133 n.º2 do CPP e denegaram a pretensão do Ministério Público, ao não admitirem a leitura das declarações prestadas por essas testemunhas perante o juiz de instrução criminal, então na qualidade de arguidos.

  2. No recurso intercalar o Ministério Publico concluiu a sua motivação que consta de fls.4886 a 4899 nos seguintes termos: I. Tendo havido separação de culpas, um arguido já julgado no processo inicial, tem plena capacidade para ser testemunha no julgamento de outro co-arguido, não lhe sendo aplicável o disposto no art. 133 n.º1 e 2 do CPP e podendo o seu depoimento ser utilizado como meio de prova na formação da convicção do tribunal; II. Uma vez que o art. 356 n.º3 do CPP não restringe a sua aplicabilidade a um interveniente processual concreto, a leitura aí prevista é admissível em relação a qualquer um, desde que as declarações tenham sido prestadas perante o juiz - única exigência legal prevista na norma; III. O tribunal pode proceder à leitura de declarações prestadas na fase de inquérito, desde que o hajam sido perante o juiz e houver entre elas e as prestadas em audiência contradições ou discrepâncias sensíveis que não possam ser esclarecidas de outra forma; IV. As deliberações do tribunal colectivo ora recorridas violaram assim o disposto nos art. 133 n.º2 e 356 n.º3 do CPP, ao interpretar tais normas da forma como o fizeram, quando deveriam ser interpretadas no sentido defendido nas conclusões acima enunciadas.

    V. Cometeu-se assim nulidade ou irregularidade processual que conduz à invalidade do julgamento e dos actos subsequentes, nos termos das disposições conjugadas dos art. 120 n.º2, alin. d), 122 e 123 do CPP.

    Termina pedindo sejam as decisões recorridas revogadas e substituídas por outras que decidam nos termos das conclusões acima enunciadas, declarando-se inválido o julgamento efectuado e todos os actos subsequentes.

  3. No recurso interposto do acórdão absolutório o Ministério Público extraiu da respectiva motivação as seguintes conclusões: a) Mantém interesse o conhecimento do recurso já interposto pelo Ministério Público das decisões proferidas em audiência, o que se declara nos termos do disposto no art. 412 n.º5 do CPP.

    b) Dão-se aqui por reproduzidas todas as conclusões e respectivos fundamentos, constantes da motivação do aludido recurso.

    c) Ao permitir a recusa do depoimento de algumas testemunhas e ao não permitir, quanto às que depuseram, a leitura de declarações anteriores prestadas perante um juiz (inviabilizando também quanto às primeiras a leitura de anteriores declarações também prestadas perante juiz) o tribunal incorreu em omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade, cometendo assim a nulidade prevista no art. 120 n.º2, alin. d) do CPP.

    d) Tal nulidade não se encontra sanada e torna inválido o julgamento e todos os actos que dele dependem, conduzindo assim também à nulidade do acórdão ora recorrido, nos termos das disposições conjugadas dos art. 121, 122 e 410 n.º3 do CPP.

    e) Não realizando as diligências referidas o tribunal incorreu igualmente em erro notório na apreciação da prova, ao ter fundamentado a absolvição na existência de dúvidas conducentes à aplicação do princípio "in dubio pro reo", dúvidas cujo esclarecimento não realizou por omissão de diligências essenciais e legalmente admissíveis.

    f) Mostram-se pois violadas as normas dos art. 120 n.º2, alin. d), 121, 122, 133 n.º1 e 2, 356 n.º3 e 410 n.º2, alin. c) e n.º3 do CPP, as quais deverão ser interpretadas no sentido defendido pelo Ministério Público na presente motivação e na motivação do recurso já interposto.

    g) Mostram-se incorrectamente julgados todos os factos constantes do ponto 2. do acórdão, em que considerou como não provados todos os factos descritos na acusação, dado que a realização das diligências omitidas conduziria a decisão diversa da recorrida.

    Termina pedindo seja declarado nulo e de nenhum efeito o acórdão recorrido, em consequência da nulidade da audiência de julgamento, ordenando-se o reenvio do processo para novo julgamento e julgando-se assim procedentes ambos os recursos interpostos.

  4. Tais recursos foram admitidos a fls.4900 e 4985, respectivamente.

  5. Apenas o arguido A.

    veio responder ao recurso interlocutório, nos termos constantes de fls.4970 a 4972, pugnando para que seja negado provimento ao recurso, mantendo-se o acórdão recorrido, tendo concluído a sua motivação nos termos seguintes: Dispõe o art. 25 n.º1 da Constituição que: "A integridade moral e física das pessoas é inviolável"; Dispõe, também, o art. 26 n.º1 da Constituição que: "A todos são reconhecidos os direitos …ao bom nome e reputação…", O crime que havia sido imputado à testemunha C.

    é o mesmo que o imputado ao ora arguido; Ao serem ouvidos sobre factos criminosos de que haviam sido acusados os arguidos do mesmo crime já condenados no processo principal, ora testemunhas, tinham que expressamente consentir em depor, nos termos do art. 133 n.º2 do CPP para falar sobre factos que, sem qualquer dúvida, ofendiam a sua integridade moral e o seu bom nome e reputação; Ora, sobre tais factos, por consubstanciarem direitos pessoais constitucionalmente garantidos, não podiam as mencionadas testemunhas ser ouvidas; Ora, o art. 356 n.º3, alin.b do CPP só se aplica aos casos em que houver discrepâncias sensíveis, que não possam ser esclarecidas doutro modo, entre as declarações prestadas anteriormente no processo e as feitas em audiência; Ora, como bem se diz no acórdão recorrido o disposto no art. 356, maxime no seu n.º3, alin. b), é no pressuposto de que os intervenientes processuais aí em causa são-no de modo homogéneo no mesmo processo, quer dizer, tal preceito só faz sentido quando interpretado no sentido de que as contradições e discrepâncias eventualmente existentes o são quando tiverem sido prestadas quando o interveniente processual está sujeito aos mesmos deveres de conduta; Assim sendo e, uma vez que a requerida leitura de declarações prestadas pela testemunha C.

    perante Juiz de Instrução Criminal o foram, não enquanto testemunha - e, portanto, não estava obrigada aos deveres de conduta exigidos processualmente a todas as testemunhas - mas enquanto arguido, e, portanto, usufruindo de um estatuto processual específico e distinto daquele de que dispunha em audiência de julgamento; Assim, as eventuais discrepâncias estão esclarecidas pela diferença de estatuto em que umas declarações foram prestadas - as prestadas enquanto arguido - e as prestadas em audiência pelo que não havia que determinar a leitura das anteriores; O acórdão em crise, ao decidir como decidiu, interpretou e aplicou correctamente a Lei, designadamente os art. 25 n.º1 e 26 n.º1 da Constituição e o art. 133 n.º1, alin. a) e n.º2 e 356 do CPP; 7.

    Relativamente ao recurso do acórdão absolutório, o recorrido A.

    veio a fls.5003 declarar não pretender fazer uso do direito de resposta, dando por reproduzidas as conclusões apresentadas na resposta à motivação apresentada no recurso dos despachos proferidos em audiência de julgamento.

  6. Subidos os autos a esta Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu o parecer que consta de fls.5050 a 5055, sustentando que o recurso não merece provimento na parte em que a Digna Recorrente que sustenta que a situação prevista no art. 133 do CPP só ocorre quando o depoente ainda não foi julgado no processo conexo ou separado, mas deverá ser provido no que respeita à violação do art. 356 n.º3 do CPP, devendo ser anulado o despacho que indeferiu as leituras e os termos subsequentes, sendo substituído por outro que as determine, sendo as testemunhas instadas sobre as discrepâncias, seguindo-se os termos subsequentes.

  7. Cumprido o disposto no art. 417 n.º2 do CPP, nenhum dos arguidos respondeu.

  8. Colhidos os vistos legais, teve lugar a audiência prevenida no art. 423 do CPP.

  9. O objecto de cada recurso é demarcado pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da respectiva minuta - art. 412 n.º 1 do CPP, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

    Os poderes cognitivos deste Tribunal cingem-se ao reexame da matéria de direito, na dissidência aportada pela ilustre recorrente, bem como aos vícios do art. 410 n.º2 do CPP.

    Nestes termos, e atenta a conformação que a ilustre recorrente atribui ao objecto dos recursos, importa examinar por ordem preclusiva as seguintes questões: a) Se, no caso de separação de processos, ao arguido já julgado no processo inicial, é aplicável ou não o disposto no art. 133 n.º 1 e 2 do CPP, quando chamado a depor no julgamento de outro co-arguido, podendo o seu depoimento ser utilizado como meio de prova na formação da convicção do tribunal; b) Se a leitura prevista no n.º3 do art. 356 do CPP é admissível em relação a qualquer interveniente processual; c) Se as declarações prestadas perante o juiz de instrução na fase de inquérito podem ser lidas em audiência se houver entre elas e as prestadas em audiência contradições ou discrepâncias sensíveis que não possam ser esclarecidas de forma diferente; d) Se a não leitura...

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