Acórdão nº 12135/2005-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 09 de Maio de 2006
Magistrado Responsável | ROQUE NOGUEIRA |
Data da Resolução | 09 de Maio de 2006 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: 1 - Relatório.
Na […] Comarca de Lisboa, S.[…]Ld.ª, intentou acção de condenação, com processo ordinário, contra P. […] S.A., pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe o montante global de 57 831 566$00, sendo 19 843 860$00, por denúncia da relação contratual com pré-aviso inferior ao estipulado no «Contrato», e 37 987 706$00, a título de indemnização de clientela, com juros legais a partir de 1/7/98 e até integral pagamento.
Para o efeito, alega, em síntese, conforme se refere na sentença recorrida, que: a) A A. dedica-se à comercialização de veículos automóveis, e a R. é a importadora exclusiva de veículos e peças da marca […] para todo o território nacional.
b) A A. foi desde a sua criação em Abril de 1961 até 31/07/1998 concessionária da marca […], sendo que a área da sua concessão abrangia os concelhos de Leiria, Marinha Grande e Batalha.
c) A relação contratual entre A. e R. regia-se, desde 01/10/1996, por um "Contrato de Concessão Duração Indeterminada", o qual reunia todas as características dos chamados contratos de adesão, sendo certo que o texto do contrato foi imposto pela R., e não diferia de concessionário para concessionário.
d) Em 05/02/1998 a A. recebeu uma carta da R. na qual esta, invocando o alegado incumprimento, por parte da A., de objectivos comerciais estipulados no contrato de concessão supra referido, e o disposto na cláusula terceira, nº 2 de tal contrato, denuncia o mesmo com efeitos a partir de 31/07/1998.
e) Esta rescisão seguiu-se a uma desrazoável e infundada fixação, também ela unilateral, de metas de vendas para o ano de 1997, sendo certo que tais metas se achavam em perfeita desconformidade quer com a evolução do mercado e da produção da marca […], quer com as características sócio-económicas específicas da região de Leiria.
f) A cláusula contratual invocada para a rescisão do contrato de concessão é nula por violar o disposto nos arts. 18º, al. e), e 19º, als. d) e f) do D.L. 220/95, de 31/08.
g) Com efeito, a mencionada cláusula introduz mecanismos contratuais que se traduzem num abuso da parte mais forte (o importador) que é violador dos ditames impostos pela boa-fé e pela tutela da confiança, já que por força da mesma cláusula, a fixação do número de veículos a comercializar pelo concessionário constitui uma prerrogativa do importador que, mediante comunicação ao concessionário, vincula este último.
h) Não obstante a mesma cláusula se reporte a um sistema de arbitragem, o certo é que este sistema viola o regime legal da arbitragem (Lei 31/86, de 29/08), já que o art. 11º, nº 5 deste diploma estabelece que sendo o litígio resolvido por árbitro único deve o mesmo ser nomeado por acordo entre as partes, sendo que a notificação para iniciar o processo deve conter a indicação do árbitro proposto.
i) … e é também nula porque estabelece que a decisão do árbitro deve ter em conta "a política comercial que o importador pretende prosseguir para o ano em consideração" , o que constitui uma manobra fraudulenta que vicia a própria estrutura de convenção de arbitragem.
j) A rescisão do contrato dos autos é extemporânea, por desrespeito do prazo estipulado na Cláusula Décima Terceira nº 2 do contrato, que estabelece um prazo de 12 meses.
k) Face à ilicitude da rescisão do contrato dos autos por parte da R., deve esta indemnizar a A. nos termos previstos no art. 29º, nº 2 do D.L. 178/86, alterado pelo D.L. 118/93, de 13/04 (regime jurídico do contrato de agência, consensualmente aplicável ao contrato de concessão).
l) Assim, considerando que a remuneração média mensal das remunerações auferidas pela A. relativamente ao negócio […] foi, no ano precedente, de Esc. 3.307.310$00, multiplicando esta pelo prazo que faltava na denúncia (6 meses), temos que o montante da indemnização devida à A. é de Esc. 19.843.860$00.
m) Por outro lado, assiste à A. o direito a haver da R. a indemnização de clientela prevista no mencionado regime jurídico do contrato de agência.
n) Assim, considerando que a A. não recebeu, nem irá receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos após a cessação do contrato dos autos, deve a indemnização de clientela ser fixada equitativamente, coincidindo com o máximo estabelecido no art. 34º do D.L. 178/86, alterado pelo D.L. 118/93.
o) Nesta conformidade, considerando que nos anos de 1994 a 1998 as remunerações recebidas pela A. no que se refere ao negócio […] foram de, respectivamente, Esc. 38.839.482$; 39.000.973$00; 38.851.274$00; 39.667.731$00; 33.129.073$00, num total de Esc. 189.488.533$00 temos que a indemnização de clientela a que a A. tem direito é de Esc. 37.987.706$00 (Esc. 189.488.533$00 : 5), indemnização essa que a A. reclamou à R. por carta datada de 23/06/1999.
Conclui pela procedência da acção, formulando os pedidos supra enunciados.
A ré contestou, alegando, conforme igualmente se refere na sentença recorrida, que: I - A A. nunca conseguiu cumprir os planos de acção propostos pela R..
II - Desde 1995 que a R. propunha à A. a reestruturação desta, quer a nível de meios humanos, que se achavam subdimensionados, quer a nível de instalações, que não se achavam adaptadas às exigências do mercado; quer a nível de stand e oficina, ou seja, a nível de assistência na venda e no pós-venda, as quais se achavam caducas e ultrapassadas.
III - … não obstante, a A. limitou-se a efectuar pequenos melhoramentos, no sentido de minimizar o mau.
IV - Para além da concessão exclusiva da marca […], a A. detinha também a concessão da marca […], mas os negócios relativos a uma e outra não se achavam separados e autónomos, nomeadamente ao nível da contabilidade.
V - Todos estes factos geravam descontentamento da R., o que esta comunicou à A. em inúmeros encontros, designadamente por ocasião das negociações e assinatura dos Planos de Acções.
VI - O clausulado do contrato de concessão não pode ser qualificado como de adesão (não sendo por isso aplicável o D.L. 446/85, de 25/10, alterado pelo D.L. 220/95, de 31/08), porquanto os concessionários […], através da sua associação representativa, tiveram a possibilidade de o discutir oportunamente, sendo que a A. e outros concessionários só manifestaram reservas quando subscreveram o contrato, sendo certo que o podiam ter feito antes.
VII - A A. nunca reclamou ou discutiu os objectivos anuais de vendas, ou solicitou o recurso ao mecanismo de arbitragem previsto no contrato de concessão.
VIII - A A. não cumpriu os objectivos estipulados para os anos de 1995, 1996, e 1997, sendo de salientar que em 1996 realizou apenas 73,3% do seu objectivo, e em 1997 realizou apenas 56% do seu objectivo para este ano.
IX - Nos termos previstos no contrato firmado entre A. e R. e bem assim no Regulamento CE nº 1475/95, a não realização dos objectivos estabelecidos constitui fundamento de resolução do contrato, pelo que a resolução do contrato dos autos é lícita.
X - A Cláusula terceira do contrato dos autos não viola o disposto no regime jurídico da arbitragem voluntária, porquanto estabelece que a nomeação do árbitro cabe ao Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa; sendo que o objecto de tal arbitragem é a determinação do objectivo de vendas anual, e os critérios para a sua determinação pelo árbitro são, para além da "política comercial do importador", as "vendas realizadas anteriormente pelo concessionário" e as "estimativas previsionais de vendas para a zona".
XI - A A. não tem direito a qualquer indemnização, porquanto a resolução do contrato foi plenamente válida mas, ainda que assim não fosse, não tem a A. direito a qualquer indemnização de clientela porquanto não foi a A. quem angariou clientela para a R., e porque o território atribuído à A. não foi ocupado pela R. mas sim por um novo concessionário, sendo certo que mantendo a A. a concessão […] da outra marca, desde logo cativou os seus clientes para esta marca.
Conclui, assim, pela improcedência da acção.
Seguidamente, foi proferido despacho saneador, tendo-se seleccionado a matéria de facto relevante considerada assente e a que passou a constituir a base instrutória da causa.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi, após decisão da matéria de facto, proferida sentença, julgando a acção totalmente improcedente.
Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação daquela sentença.
Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2 - Fundamentos.
2.1. Na sentença recorrida consideraram-se provados os seguintes factos: 1. A A. encontra-se matriculada na 1ª Conservatória do Registo Comercial de Leiria […] e desenvolve a sua actividade no sector da comercialização e venda de veículos automóveis (A).
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Por seu turno, a R. encontra-se integrada no "Grupo […]", de que este fabricante é accionista de controle e que actua como importadora exclusiva de veículos automóveis e peças sobressalentes da marca "[…]" para todo o território nacional (B).
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A mesma R. encontra-se matriculada na Conservatória de […] tendo por objecto a importação para o território português de veículos novos da marca "[…]" bem como de peças sobressalentes, acessórios e respectivos equipamentos, e sua distribuição no referido território através de uma rede comercial constituída por concessionários independentes e ou por filiais (C).
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A A. deixou de ser concessionária da marca "[…]" desde 31/07/1998 (D).
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A respectiva zona da actividade da A. situava-se na zona de Leiria, abrangendo os concelhos de Leiria, Marinha Grande e Batalha, na qual tinha o exclusivo da marca "[…]" (E).
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Em 1998 e 1999 foi atribuída à A. o estatuto PME excelência comércio, isto "pelo seu assinalável desempenho económico-financeiro e perfil de gestão", isto numa iniciativa conjunta do IAPMEI e da CGD, tal como se documenta a fls. 23 e 24 dos presentes autos (F).
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Em 30/9/96 a A. remeteu à R. a carta documentada a fls. 56/57, que esta ultima veio a receber em 3/10/96, relativa ao "novo contrato de concessão", tudo isto nos moldes aí expressos (G).
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