Acórdão nº 02P1205 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Maio de 2002 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelSIMAS SANTOS
Data da Resolução23 de Maio de 2002
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Supremo Tribunal de JustiçaI 1.1. Os arguidos A...., B...., C...., D....e E...., todos com os sinais nos autos, foram julgados, no 1º Juízo Criminal de Leiria (processo comum colectivo, n.º 686/96.9), com base nos factos descritos na acusação de fls. 1339 e seguintes, como co-autores de um crime de burla qualificada dos art.ºs 217.º e 218.º, n.º 2, al. a), do C. Penal, tendo o demandante F, formulado pedido de indemnização civil

E por acórdão de 14.11.2001, foi a acusação julgada improcedente e os arguidos absolvidos e igualmente julgado improcedente o pedido de indemnização civil e os arguidos absolvidos do pedido

1.2. O Ex.mo Procurador da República recorreu dessa decisão para este Supremo Tribunal de Justiça, concluindo na sua motivação: 1 - Face à factualidade dada como provada, a conduta dos arguidos deveria ter sido considerada como integradora da prática, em co autoria, do crime de burla qualificado e em relação a todos eles; 2 - Porquanto ao enriquecimento, ilegítimo, obtido pelo arguidos corresponde a efectivo prejuízo no legitimo património do lesado F....; 3 - Ao ser proferido acórdão absolutório o Tribunal, "a quo" violou, por erro de apreciação e de valoração da factualidade dada com provada e de interpretação os art.ºs 217.º, n.º 1 e 218.º do Código Penal; 4 - Deve, em consequência, o douto acórdão recorrido ser revogado e em sua substituição ser proferido acórdão condenatória e com aplicação, em função da factualidade apurada e da previsão legal cominada para o crime de burla qualificada, das penas tidas por adequadas ao envolvimento de cada um dos arguidos

1.3. Também o demandante civil recorreu para este Tribunal, pedindo a revogação do acórdão recorrido e a procedência do pedido de indemnização civil formulado. Para tanto concluiu na sua motivação: I - Entrou o Tribunal "a quo" em contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão, nos termos do artigo 410 n.º 2, alínea b) do Código do Processo Penal, daí a razão de ser do presente recurso

II - No nosso ordenamento jurídico vinga e vigora a via de adesão obrigatória da acção civil na acção penal - artigo 71 do Código do Processo Penal, só deste modo podendo os interessados deduzir o pedido de indemnização civil e obter compensação para os prejuízos havidos. E, III - A indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil quantitativamente e nos seus pressupostos; porém, processualmente, é regulada pela lei processual penal - artigo 129 do Código Penal

IV - O artigo 129 do Código Penal significa que havendo condenação penal nos termos do artigo 377 n.º 1 do Código do Processo Penal, nada obsta a que o pedido de indemnização civil seja conhecido e julgado procedente

V - Seguindo a nossa lei a via da adesão obrigatória, como tal consagrada no artigo 71 do Código do Processo Penal, mesmo no caso de absolvição pelo crime de que o arguido é acusado, o Tribunal condena o mesmo arguido em indemnização civil sempre que o pedido respectivo vier a revelar-se fundado

VI - Assim, se a lei já impõe, no caso de absolvição, a condenação do pedido civil, é porque evidentemente impõe, como pressuposto, a sua apreciação, ou seja, não pode, de facto, haver condenação naquele pedido se o mesmo não for apreciado previamente

VII - No caso sub iudice, o Tribunal "a quo" apreciou tal pedido e apreciou de tal modo que deu como provados os factos subjacentes a tal pedido e nele indicados, ou seja os indicados em 1.54, 1.55, 1.59 e 1.72 a 1.76 no douto acórdão e supra referidos nas presentes alegações

VIII - A decisão recorrida violou, por contradição da fundamentação e entre esta e a decisão, o disposto nos artigos 129 do Código Penal, 71 e 377, n.º 1 do Código do Processo Penal, porquanto entendeu que tais disposições apenas eram de aplicar nos casos de responsabilidade civil extra-contratual ou pelo risco, devendo, no entanto, conforme se expôs, tais normas aplicarem-se independentemente do tipo de responsabilidade civil em causa, desde que o pedido tenha sido apreciado e os seus fundamentos fácticos dados como provados, como o foram no caso sub iudice

1.4. Respondeu a ambas as motivações o arguido C...., propugnando a manutenção da decisão recorrida. III Neste Supremo Tribunal de Justiça a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta apôs o seu visto

Colhidos os vistos legais teve lugar a audiência no decurso da qual foram produzidas alegações orais. Nelas o Ministério Público referiu-se às duas posições presentes na doutrina sobre a punibilidade da burla quando o lesado visa com a aquisição um fim criminosos, mas realçou que a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça é no sentido de proteger todo o prejuízo do património legítimo, como é o caso. Uma vez que não só estão presentes todos os elementos do tipo legal da burla, que não foram sequer discutidos, deve ser dado provimento ao recurso

O lesado acompanhou as alegações da Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta e concluiu que se impunha assim a condenação no pedido cível. Que de todo o modo sempre deveria conhecer-se e julgar-se procedente tal pedido

Por seu turno, a defesa sustentou o acórdão recorrido

Cumpre, assim, conhecer e decidir

IV E conhecendo

4.1. O Ministério Público coloca no seu recurso a questão da subsunção da conduta apurada entendendo que a mesma integra a prática, em co-autoria, do crime de burla qualificado quanto a todos os arguidos (conclusão 1.ª), pois que o enriquecimento, ilegítimo, obtido por estes corresponde a efectivo prejuízo no legitimo património do lesado (conclusão 2.ª) Por seu lado, o lesado sustenta que o acórdão recorrido padece de contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão [art. 410 n.º 2, al. b) do CPP] (conclusão 1.ª)

Dado o princípio da adesão obrigatória da acção civil na acção penal (art. 71.º do CPP) (conclusão 2.ª), nada obsta a que a indemnização de perdas e danos emergentes de crime (conclusão 3.ª), mesmo em caso de absolvição (conclusão 6.ª)

A decisão recorrida violou, por contradição da fundamentação e entre esta e a decisão, o disposto nos art.ºs 129.º do C. Penal, 71.º e 377.º, n.º 1 do CPP, porquanto entendeu que tais disposições apenas eram de aplicar nos casos de responsabilidade civil extra-contratual ou pelo risco, devendo, no entanto, conforme se expôs, tais normas aplicarem-se independentemente do tipo de responsabilidade civil em causa, desde que o pedido tenha sido apreciado e os seus fundamentos fácticos dados como provados, como o foram no caso sub iudice (conclusão 8.ª)

Desta síntese resulta que embora o lesado invoque a contradição insanável, o que deslocaria a competência para o conhecimento do recurso para a 2.ª Instância, o certo é que o faz fora do quadro no convocado art. 410.º, n.º 2, al. b) do CPP, pretendendo tão só impugnar a interpretação feita das normas jurídicas invocadas e que conduziu ao não conhecimento do pedido de indemnização, questão de direito a conhecer por este Supremo Tribunal de Justiça. 4.2. Isto posto, vejamos quais os factos provados: "1.1 Em princípios de Março de 1996, F.... foi contactado na sua residência, sita em Samuel, Soure, por G...., seu conhecido

1.2 Este propôs-lhe a participação na aquisição de notas falsas

1.3 Para tal referiu conhecer pessoas que tinham em seu poder notas falsas, de óptima qualidade, para vender

1.4 Afirmou o A.... que os indivíduos indicados como donos das notas falsas, estavam vendedores do montante de oitenta milhões de escudos, em notas falsas de 10000 escudos (dez mil escudos), 5000 escudos (cinco mil escudos) e 2000 escudos (dois mil escudos), semelhantes às emitidas pelo Banco de Portugal

1.5 A aquisição deste valor em notas falsas importaria, segundo aquele, em vinte e quatro milhões de escudos

1.6 Quantia elevada para si, mas que admitia partilhar com o F...., ficando, caso este aceitasse, com o encargo de arranjar doze milhões de escudos

1.7 Sendo que posteriormente receberia, em notas falsas, a quantia correspondente a quarenta milhões de escudos

1.8 O A.... passou a visitar o F.... com frequência, com vista a obter a sua adesão ao negócio

1.9 Sempre lhe falando das vantagens patrimoniais que ele obteria, caso aceitasse a proposta, adquirindo as notas falsas em conjunto com o G....

1.10 O F.... acedeu a contactar os vendedores das notas falsas

1.11 Com esse propósito, F.... e A...... encontraram-se com os arguidos B.... e D....., em diferentes ocasiões e com eles se deslocaram a diversos locais, nomeadamente à Curia, Luso, Mealhada e Coimbra

1.12 Os arguidos B...... e D....., para esses encontros, deslocavam-se num veiculo da marca Toyota, modelo Celica, cor vermelha, com a matrícula NQ

1.13 O arguido D....apresentava-se nos encontros como sendo Dr. António. 1.14 Nesses encontros, F.... recebeu das mãos dos mesmos arguidos notas de 10.000$00 (dez mil escudos), 5.000$00 (cinco mil escudos) e 2.000$00 (dois mil escudos), que estes diziam serem falsas

1.15 Apresentavam-se tais notas como novas e, relativamente a cada série, com a respectiva numeração seguida

1.16 Num desses encontros, foram jantar num restaurante sito nas imediações

1.17 No final da refeição, o arguido D.... referiu para F..... que iria pagar a despesa do jantar utilizando notas falsas, retiradas das que antes lhe mostrara

1.18 O empregado do restaurante recebeu as notas entregues pelo arguido, aceitando as mesmas sem qualquer reclamação ou reparo

1.19 Em face disso, F.... começou a convencer-se que as aludidas notas, embora falsas, eram de tal qualidade que, se as tivesse em seu poder, facilmente as passaria

1.20 Desconhecia este que as notas que lhe foram exibidas e as que serviram para pagar a despesa do restaurante não eram falsas, mas sim originais e legitimas

1.21 Entretanto, o arguido D... entregou a F.... notas verdadeiras e originais de 2.000$00 (dois mil escudos), afirmando que as mesmas eram falsas, para que este apreciasse a qualidade da falsificação

1.22 Num dos referidos encontros com os arguidos, o arguido D....afirmou que o F.... e o A...

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