Acórdão nº 03A1471 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Junho de 2003

Magistrado ResponsávelAFONSO CORREIA
Data da Resolução03 de Junho de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "A", com sede na Avenida João XXI, ..., 2°, 1017 Lisboa, propôs acção declarativa, com processo ordinário, contra: B, com sede na Av. 5 de Outubro n.º ..., 8° H, em Lisboa; C, com sede na Rua Tierno Galvan, Torre ..., 16°, em Lisboa; pedindo: a) - a condenação da 1ª Ré a devolver à Autora o veículo automóvel Nissan Vanete Longa com a matrícula ...-AA e o veículo Ford 1.8 D Van, matrícula ...-AA; b) - A condenação das 1ª e 2ª Rés a pagar solidariamente à Autora a quantia de Esc. 1.816.762$00, acrescida de juros mora vencidos e vincendos, à taxa de desconto do Banco de Portugal (no momento 8,25% ao ano) até integral pagamento, computando os vencidos em 26.09.96 no montante de Esc. 292.269$00; Alega para tanto - em síntese - que em 06.03.92 celebrou com a 1ª Ré dois contratos de locação financeira juntos aos autos, cujo objecto foram os veículos supra identificados, deixando a primeira Ré de efectuar os pagamentos a que estava obrigada, não tendo pago as rendas trimestralmente vencidas em 01.06.94 a 01.03.95, no valor global de Esc. 1.816.762$00, sendo a 2ª Ré responsável, na medida em que segurou o risco de incumprimento das obrigações da 1ª Ré para com a Autora, emergentes daqueles contratos através da emissão de duas apólices de seguro. Citada regularmente, veio a Ré C apresentar a sua contestação, alegando, em síntese, que a Ré não garantiu as obrigações assumidas pela B para com a Autora, mas sim e apenas as obrigações assumidas por locatários perante a B, no âmbito dos contratos de aluguer de longa duração. A Autora sabia que os veículos iam ser cedidos a clientes da B, nos moldes habituais, ou seja, através de dois contratos - um de aluguer e outro de promessa de compra e venda - os quais, em conjunto, consubstanciavam, afinal, um autêntico leasing. Mais alega que os referidos contratos de locação financeira celebrados entre a Autora e a B são nulos por ofensa à lei imperativa, uma vez que a primeira bem sabia que a lei lhe vedava celebrar contratos de locação financeira tendo como objecto veículos que não podem considerar-se como bens de equipamento, tendo a Autora conhecimento que os veículos que eram objecto dos contratos que celebrou com a B se destinavam a ser "vendidos" em regime de aluguer de longa duração a terceiros. Os seguros-caução prestados pela Ré por proposta da B não abrangem as obrigações por ela assumidas, mas sim as obrigações dos adquirentes finais dos veículos para com a B, não alegando a Autora o incumprimento de tais locatários, não estando alegada a verificação dos sinistros cobertos pelos seguros caução, sendo que a Ré apenas poderia ser chamada a garantir o pagamento se se verificasse o incumprimento destes. Em reconvenção, alega que a Autora, ao não resolver os contratos de locação financeira perante o incumprimento da B, permitiu que esta continuasse a receber dos locatários a quem cedeu os veículos as rendas estipuladas até ao final da vigência dos contratos de locação financeira, apropriando-se delas e permitindo a utilização e deterioração das viaturas, bem como impediu a ora Ré de exercer o seu direito de regresso. Conclui pedindo que a Autora seja condenada a pagar à Ré/Reconvinte a indemnização que vier a liquidar-se em execução de sentença, equivalente no mínimo, ao montante pelo qual viesse a responder por força das Apólices. Regularmente citada a Ré B também contestou, alegando que a Autora se vinculou perante si a não resolver os contratos celebrados, em caso de incumprimento, optando por accionar a caução existente e prestada em situação de incumprimento; De modo a dar cumprimento ao acertado entre Autora e Ré celebrou contrato de seguro de caução a fim de assegurar o cumprimento da obrigação de pagamento da totalidade das rendas; A Autora ao agir de modo contrário à legitimas expectativas criadas na Ré, age em situação de venire contra factum proprium, o que consubstancia o abuso de direito invocado; Por força de tal contrato a C, vinculou-se a pagar, à primeira interpelação, à beneficiária A, o valor das rendas vencidas e vincendas. Após réplica, saneado e condensado o processo, com reclamação parcialmente atendida, procedeu-se a julgamento com decisão da matéria de facto, sem reclamações, após o que o Ex.mo Juiz proferiu sentença que por - desatender a excepção de nulidade dos contratos de locação financeira celebrados entre a A. e a Ré B; - decidir que o risco coberto pelo seguro-caução respeita às rendas devidas pela B à Autora no âmbito dos contratos de locação financeira relativos aos veículos automóveis com as matrículas ...-AA e ...-AA, não aos contratos de ALD também referentes a estes automóveis mas celebrados entre a B e os seus clientes finais; - julgar ter ocorrido o sinistro com a falta de pagamento das rendas de 1.6.94 a 1.3.95; - ter a A. resolvido legalmente os contratos com a B, por via do reiterado incumprimento desta, não incorrendo em abuso de direito; - entender devida a condenação solidária das RR a pagar as rendas vencidas e não pagas, e da B a restituir-lhe os veículos e - não ter a Reconvinte provado os factos em que fundava a reconvenção, condenou ambas as Rés, solidariamente, a pagar à A. a pedida quantia, com juros à taxa convencionada, e a B a devolver-lhe os veículos; e julgou improcedente o pedido reconvencional. Apelou a C, mas a Relação de Lisboa confirmou inteiramente esta decisão, depois de considerar que os seguros em apreço garantiam as obrigações da B para com a A e não dos clientes da B para com esta. Além de julgar desnecessário ampliar a matéria de facto para conhecer do pedido reconvencional que sempre improcederia. Ainda inconformada, pede a C revista, insistindo que as rendas seguras são as referentes ao aluguer de longa duração e não as da locação financeira; e que a A. incorreu em responsabilidade para com a Reconvinte, pelo que, a proceder o pedido tem de proceder também o pedido reconvencional. Como se vê da alegação que coroou com as seguintes Conclusões a) - A decisão do processo não foi acompanhada da necessária análise crítica dos meios de prova oferecidos pelas Partes, em flagrante violação da lei processual, no caso o artigo 659º do Código de Processo Civil; b) - A determinação da efectiva vontade das partes - C e B - ao contratarem entre si os seguros de caução, constitui requisito prévio essencial para a boa interpretação das apólices dos autos; c) - A natureza formal do contrato de seguro não implica a automática irrelevância de todo e qualquer elemento de interpretação para além do texto da apólice, apenas não sendo admissível que se sobreponha a esse texto estipulações que lhe são exteriores; d) - Dos protocolos firmados entre Seguradora e Ré B resulta de forma cristalina que a intenção das partes, ao contratarem a emissão dos seguros dos autos, consistia na prestação de garantia ao pagamento das rendas por parte dos clientes desta última, locatários nos contratos de aluguer de longa...

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