Acórdão nº 03A950 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Maio de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelAFONSO CORREIA
Data da Resolução27 de Maio de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça "A" e Transportes, Lda, intentou contra "B - Empresa de Trabalho Portuário ETP, Lda", duas acções declarativas com processo comum e forma ordinária, alegando que é uma das sócias da B, conjuntamente com a C - actualmente ... - e a D. Com o voto contra do seu representante, os demais sócios aprovaram deliberação pela qual seriam distribuídos determinados descontos e bónus aos seus clientes. Estes eram maioritariamente os outros sócios, e para ocultar um excesso de facturação e lucros, esses créditos dos clientes-sócios seriam então tomados como suprimentos e poderiam ser utilizados na proporção de até 80%, para pagamento das respectivas facturas. Com base neste tipo de facturação foram aprovadas as contas de 1995 e 1996, deliberações que a A. pretende ver declaradas nulas ou anuladas. Tendo as sócias quotas iguais e sendo todas clientes da Ré, mas em escalas diferentes, os referidos descontos e bónus favorecem, no entender da A., a melhor cliente, servindo, pois, como forma de distribuição de lucros contrária ao facto de todas as quotas serem idênticas. Invoca, ainda, a contrariedade ao POC e ao Regulamento da Ré, aprovado pelo Instituto de Trabalho Portuário. Contestou a R. alegando que protegeu os seus clientes, como compete legalmente às Empresas de Trabalho Portuário. Diz também que a Assembleia Geral foi regularmente constituída e que, anteriormente, quanto ao ano de 1994, não deu a A. o seu desacordo a situação idêntica. Reafirma que só processou tais bónus por razões de mercado e de política de preços e relativamente a clientes com facturação com mais de 20.000.000$00/ano. E, ainda que assim não fosse, nunca os lucros seriam distribuídos, mas incluídos em reservas legais. Determinada a apensação de ambos os processos e realizado julgamento conjunto, foi proferida sentença que - desatendeu a invocada ofensa ao POC, pois as contas estavam elaboradas de acordo com anteriores deliberações sociais, assentavam em elementos existentes e reais e reproduziam as operações comerciais realizadas; - julgou inexistir violação de normas imperativas, pelo que as deliberações não seriam nulas, nos termos do art. 56º, n.º 1, al. d), do CSC; - igualmente desatendeu alegada causa de anulação integrante da hipótese prevista na al. b) do n.º 1 do art. 58º por terem ficado improvados os quesitos 28º e 29º e ser insuficiente a restante matéria provada para se concluir pela violação do comando expresso no art. 22º do CSC; Mas decretou a anulação das referidas deliberações de 29-3-96 e de 31-3-97, que aprovaram as contas da Ré B referentes a 1995 e 1996, pois tais deliberações teriam pretendido legitimar aqueles actos de concessão de bónus e descontos, contrários a lei expressa, designadamente ao art. 9º do Decreto Regulamentar n.º 2/94, de 28 de Janeiro, e Regulamento Interno da Ré que não previa quaisquer bónus ou descontos. As deliberações de aprovação das contas colidiriam, de forma indirecta ou reflexa, com aquele art. 9º, assim caindo na hipótese residual de anulabilidade prevista na al. a) do n.º 1 do art. 58º do CSC. Inconformada, apelou a Ré, corroborando a defesa da sua tese - o Decreto Regulamentar e mais legislação portuária não proibiam os descontos, fixavam preços máximos, não preços mínimos; as deliberações de concessão de bónus e descontos é que poderiam suscitar dificuldades, mas não se mostram impugnadas no prazo legal - com Parecer do Senhor Professor Meneses Cordeiro. A Relação de Évora revogou a sentença e absolveu a Ré dos pedidos. Pede a A. revista, insistindo na declaração de nulidade ou anulação das deliberações que aprovaram as contas de 1995 e 1996. Como se vê da alegação que coroou com as seguintes Conclusões A) - A recorrida violou normas imperativas contempladas, nomeadamente, no Decreto Regulamentar 2/94, de 28 de Janeiro, ao atribuir, nos anos de 1995 e 1996, descontos de quantidade e bónus de pronto pagamento não previstos no seu regulamento interno, objecto de aprovação pelo Instituto do Trabalho Portuário, mediante parecer prévio da autoridade portuária competente e da Direcção-Geral de Concorrência e Preços (cfr. art. 9°, n.º 2 do citado diploma legal). B) - Ciente da ilegalidade da atribuição de tais descontos e bónus, em 28 de Janeiro de 2000, a recorrida pediu ao Instituto Marítimo Portuário que fosse alterado o seu regulamento interno no sentido de, precisamente, incluir um novo ponto relativo à atribuição de descontos e bónus. C) - Face à referida ilegalidade, e uma vez que as deliberações que aprovaram as contas da recorrida relativas aos anos de 1995 e 1996 reflectem as mencionadas operações comerciais ilegais, a recorrente pediu judicialmente que as mesmas deliberações fossem declaradas nulas ou, subsidiariamente, anuladas, uma vez que o critério distintivo de aplicação dos regimes da nulidade e da anulabilidade previstos, respectivamente, nos arts. 56º e 58° do Código das Sociedades Comerciais, não é perfeitamente claro atendendo à letra da lei, nem tão pouco existe uniformidade jurisprudencial ou entendimento unânime doutrinal. D) - A imperatividade das normas violadas pela recorrida decorre da análise do Decreto Regulamentar 2/94, de 28 de Janeiro, designadamente dos arts. 2°, 3°, 9°, n.º 1, e), 13°, n.º 2, 14°, 15° e ainda do dec. lei n.º 280/93, de 13 de Agosto (i. e. do art. 12°); E) - Com efeito, todas as disposições citadas apontam no sentido de a actividade das ETP'S se nortear pelo interesse público, não obstante ser levada a cabo por particulares, devendo a política de preços posta em prática por aquelas empresas pautar-se pela transparência de preços, pela não discriminação entre utilizadores e, por isso mesmo, pela regra de imperatividade dos preços afixados, os quais apenas poderão ser alterados - para cima ou para baixo - de acordo com o procedimento previsto na lei, a saber, mediante parecer prévio de duas entidades distintas; F) - Tratando-se de normas imperativas que foram violadas, resta apurar se tal violação ocorreu de forma directa ou indirecta, por forma a saber qual o preceito do Cód. Soc. com. aplicável: o art. 56º, n.º 1, d) ou o art. 58°, n.º 1, a). G) - Uma vez que o que está em causa nos autos são operações comerciais ilegais que se viram reflectidas nas contas da sociedade que vieram a ser aprovadas pelas deliberações "sub judice", estaremos perante uma violação indirecta; H) - Temos pois, uma violação indirecta de normas imperativas; I) - Da interpretação literal do art. 56°, n.º 1, d) do Cód. Soc. Com., decorre que só ofensas directas de normas imperativas acarretam a nulidade; assim, todos os outros tipos de violação caíram na alínea residual do art. 58º, n.º 1, a), a saber, as violações indirectas de normas imperativas; J) - Entender que não, como o fez o acórdão recorrido, é admitir a existência de uma lacuna na lei - não haveria sanção para os casos de violação indirecta de normas imperativas - ou que uma deliberação possa sanar uma violação de uma norma imperativa; K) - Ora, resulta do art. 9°, n.º 3 do Cód. Civ. que "na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados", pelo que temos necessariamente que presumir que o legislador não quis excluir as situações de violação indirecta de normas imperativas. L) - Por conseguinte, tratando-se de uma lacuna, de acordo com o disposto nos arts. 10° e 11° do Cód. Civ., teremos que integrá-la recorrendo à analogia ou à interpretação extensiva, no caso de se considerarem excepcionais as normas violadas. M) - Ora, no caso em apreço, se forem consideradas como normas excepcionais as normas violadas, impõe-se a formulação de interpretação extensiva do disposto no art. 58°, n.º 1, a) do Cód. Soc. Com., por forma a que o âmbito de aplicação deste preceito inclua situações de violação indirecta de normas imperativas. N) - Se, por outro lado, tais normas não forem consideradas como normas excepcionais, teremos que chamar à colação a norma aplicável aos casos análogos, a qual só poderá ser a constante do art. 58°, n.º 1, a) ou a do art. 56, n.º 1, d), ambos do Cód. Soc. Com., nos termos previstos no n.º 2 do art. 10° do Cód. Civ., na medida em que "há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei". O) - Em conclusão, seja por se entender que o disposto no art. 58°, n.º 1, a)...

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