Acórdão nº 03B3843 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Junho de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelLUCAS COELHO
Data da Resolução24 de Junho de 2004
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I"A", viúva, residente na freguesia de S.ta Maria de Geraz do Lima, concelho de Viana do Castelo (1), instaurou no Tribunal Judicial dessa cidade, em 10 de Julho de 2000, contra B e esposa, C, residentes na freguesia de S.ta Leocádia de Geraz do Lima, do mesmo concelho, acção ordinária visando a declaração de nulidade de escritura de justificação notarial outorgada pelos réus no 2.º Cartório Notarial de Viana, a 8 de Setembro de 1999 - com fundamento na falsidade das declarações e depoimentos que lhe serviram de base -, e o cancelamento dos registos respectivos em nome deles, relativamente a um prédio inscrito na matriz predial rústica do concelho sob o n.º 839, omisso no registo predial. Os réus pretenderam através da escritura justificar a propriedade do referido prédio, nomeadamente no tocante a uma parcela de 2/12 avos, de cuja aquisição por compra não têm título, quando a mesma fora ao invés doada verbalmente pelos donos à autora há mais de 30 anos, período de tempo durante o qual a possuiu, cultivando-a e colhendo os frutos, como se fosse a sua proprietária. Excepcionaram os demandados a ilegitimidade da autora, julgada improcedente no saneador, alegando, por seu turno, os elementos constitutivos de aquisição do direito de propriedade sobre todo o prédio, incluindo a fracção aludida, por usucapião, e formularam em reconvenção o pedido de reconhecimento desse direito. Prosseguiu o processo os trâmites legais, vindo a ser proferida sentença final em 6 de Fevereiro de 2003, que julgou a acção totalmente procedente e improcedente a reconvenção. Os réus apelaram, mas a Relação de Guimarães negou provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida. Do acórdão neste sentido proferido, em 11 de Junho de 2003, vem interposta pelos réus a presente revista, cujo objecto, considerando a respectiva alegação e suas conclusões, à luz da fundamentação da decisão em recurso, envolve fundamentalmente a repartição do ónus da prova e certos pressupostos da acção de impugnação da justificação notarial adiante precisados. II1. A Relação considerou assente a matéria de facto já dada como provada na 1.ª instância, que seguidamente se transcreve, titulada pelas alíneas da especificação e a numeração dos quesitos: 1.A) «No dia 8 de Setembro de 1999, no Segundo Cartório Notarial de Viana do Castelo os réus celebraram escritura de justificação junta a fls. 10 a 14 e cujo teor se dá por reproduzido, através da qual os réus B e mulher C afirmam serem donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, de um ‘terreno de lavradio, vinha, oliveiras e árvores de fruto, sito no Lugar Furoca ou Foroca, freguesia de Geraz do Lima, concelho de Viana do Castelo, a confrontar do norte com D e estrada, do sul com casa do mesmo e outro, do nascente com ribeiro e do poente com E, inscrito na matriz sob o artigo 839.º'; 1.B) «Por escritura de declaração de sucessão e partilha outorgada no dia 16 de Outubro de 1943 no Cartório Notarial de Viana do Castelo, foi adjudicado a F e G, 1/12 para cada um do prédio "terreno de lavradio, vinha, oliveiras e árvores de fruto, sito no Lugar Furoca, freguesia de Geraz do Lima, a confrontar do norte com D e estrada, do sul com casa do mesmo e outro, do nascente com ribeiro e do poente com E, inscrito na matriz sob o artigo 839.º' - cfr. doc. de fls. 16 a 43; 1.1. «Há mais de 30 anos, F e G declararam doar à autora que declarou aceitar, 2/10 (2)r do prédio referido em A); 1.2. «O prédio referido em A) encontra-se dividido em duas partes, 1.3. «Correspondendo uma delas a 10/12 e outra a 2/12; 1.4. «Os referidos 2/12 têm a área de 2 000 m2; 1.5. «Confrontam de nascente com ribeiro; 1.6. «Do poente com H e caminho de servidão; 1.7. «Do sul com os réus; 1.8. «Do norte com a estrada; 1.9. «Desde essa altura que a autora cultiva e colhe os frutos da parcela referida em 4.; 1.10. «Até 1979 a autora cultivou o prédio referido em A) na sua totalidade; 1.11. «Após essa data a autora passou a cultivar apenas a parcela referida em 4., 1.12. «Ininterruptamente, 1.13. «À vista de toda a gente, 1.14. «Sem oposição de quem quer que seja, 1.15. «Agindo como dona da referida parcela 1.16. «E na convicção de o ser; 1.17. «A autora foi caseira do prédio referido em A), 1.18. «Tendo deixado de o ser em 1979; 1.19. «Há cerca de 15 anos a autora deixou de poder agricultar qualquer prédio.» Os factos possessórios conducentes a usucapião, por sua vez alegados pelos réus relativamente à globalidade do prédio e vertidos nos quesitos 20.º a 25.º (fls. 134/135), foram considerados não provados (fls. 244). 2. A partir da factualidade assente, considerando o direito tido por aplicável, a sentença considerou procedente a acção e improcedente a reconvenção, declarando nula e de nenhum efeito a escritura de justificação notarial, na parte - assim se interpreta - relativa à mencionada parcela de 2/12 do prédio sub iudicio, ordenando o cancelamento de todas as respectivas inscrições registrais em nome dos réus. 3. A Relação negou provimento à apelação dos réus e confirmou a decisão do Tribunal de Viana do Castelo, aduzindo, todavia, uma diferente fundamentação, que resumiríamos da forma seguinte. A presente acção de impugnação da justificação notarial consubstanciada na escritura de 8 de Setembro de 1999, mediante a qual pretende a autora ver reconhecida a sua ineficácia com «fundamento na inverdade nela declarada, isto é, que os réus não têm o direito» que nela se arrogam, assume a natureza de acção de simples apreciação negativa, consequenciando incumbir aos demandados a prova dos factos constitutivos do seu direito, quer dizer, da aquisição do prédio em apreço por usucapião (3). Contudo, não lograram os réus provar esses factos, antes se fazendo a prova, bem ao invés, de factos conducentes à aquisição da propriedade da discutida parcela de 2/12 do prédio por usucapião a favor da autora. A acção de impugnação da justificação notarial só pode ser apreciada e surtir efeitos dentro dos estritos limites objectivos definidos pelo pedido e pela causa de pedir. Assim, como a autora pediu a declaração de invalidade da escritura de justificação e o cancelamento do registo a que serviu de fundamento, não se lhe impõe, com vista à consecução deste objectivo, alegar e provar que o imóvel, ou a parcela em discussão, lhe pertence, nem formular o atinente pedido de reconhecimento da respectiva propriedade. Neste circunstancialismo, nenhum relevo assume a invocação da presunção de existência do direito que flui do registo consequente à justificação notarial (artigo 7.º do Código do Registo Predial), pois «é precisamente a quebra deste efeito jurídico-positivo» que a demandante pretende efectivar. Tanto mais que o decurso do prazo de 30 dias consignado no n.º 2 do artigo 101.º do Código do Notariado apenas «concede legitimidade ao beneficiário para obter as certidões da escritura de justificação», mas não possui a virtualidade de tornar a justificação «válida e eficaz». 4. Da decisão dissentem os réus mediante a presente revista, equacionando nas 55 conclusões com que rematam a sua extensa alegação as questões que seguidamente se resumem, sempre na perspectiva do direito de propriedade sobre a parcela de 2/12, objecto da impugnação (conclusões 1.ª e 2.ª), conducentes à ilação de que o acórdão recorrido interpretou e aplicou erradamente os factos e o direito (conclusões 53.ª a 55.ª). 4.1. A primeira diz respeito ao ónus da prova (conclusões 11.ª a 28.ª). Aparentemente - se bem se entendem os densos raciocínios e argumentos desenvolvidos na alegação - a repartição do ónus da prova na acção de impugnação difere consoante a mesma seja intentada antes ou depois do decurso do prazo de 30 dias consignado no n.º 2 do...

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