Acórdão nº 571/2002.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Outubro de 2010

Magistrado ResponsávelURBANO DIAS
Data da Resolução26 de Outubro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTAS Decisão: NEGADAS Área Temática: DIREITO CIVIL / DIREITO DAS OBRIGAÇÕES- DIREITO PROCESSUAL CIVIL Doutrina: - Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I – 8ª edição –, páginas 395 e seguintes, 399, 401. Obra citada, Vol. II, 6ª edição, páginas 63 e 64. - Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, página 298. - Castanheira Neves, Questão de Facto e Questão de Direito ou o Problema Metodológico da Juridicidade, páginas 323 a 326, 523 e seguintes. - Enzo Roppo, O Contrato, páginas 211 a 226, 526, nota 46. - João Calvão da Silva, Código de Processo Civil anotado, Volume III, páginas 80 e 334. - João Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, página 330. - José João Abrantes, Cadernos de Direito Privado, nº 18, página 56. - José João Abrantes, Excepção de Não Cumprimento do Contrato no Direito Português, páginas 88 e 127. - Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9ª edição, páginas 328 a 330. - Luís Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume II – 3ª edição –, páginas 255 e 256. - Mafalda Miranda Barbosa, Liberdade vs. Responsabilidade – A Precaução como fundamento da imputação delitual?, página 324. - Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil – 5ª edição – página 445. - Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, Em Especial Na Compra E Venda e Na Empreitada, páginas 328 e 329.

Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 334.º, 342.º E SS., 428.º, N.º1, 762.º, N.º1, 804.º, N.º2, 1211.º, N.º2, 1220.º, N.º1, 1225.º, N.º2 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 494.º, 495.º, 712.º Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA : - DE 04 DE FEVEREIRO DE 2010, COLECTÂNEA DE JURISPRUDÊNCIA, ANO XVIII, TOMO 1, PÁGINAS 51 E SEGUINTES.

Sumário : I.

No contrato de empreitada relativo a imóveis de longa duração, tem o dono da obra a obrigação de respeitar dois prazos, com vista a obter a eliminação de defeitos, denunciando-os: um, de cinco anos, durante os quais “pode descobrir defeitos” (prazo de garantia supletiva), outro, de um ano, a partir do conhecimento (descoberta).

Tendo em conta as regras do ónus probatório, cabe ao empreiteiro, enquanto A./Reconvinte, arguir a excepção da caducidade, com vista a obstar ao reconhecimento do direito dos AA., RR./Reconvintes, à eliminação dos defeitos invocados.

Porém, tendo sido respeitados estes dois prazos por parte do dono da obra, irreleva na decisão o incumprimento da sua obrigação de indicação de data precisa da descoberta do vício.

II.

É perfeitamente invocar a exceptio no contrato de empreitada.

A referência legal à inexistência de prazos diferentes não é obstáculo. Com efeito, o que a lei pretende é que o excepcionante não se encontre obrigado cumprir antes da contraparte, o que significa que a diversidade de prazos apenas obsta à invocação da exceptio pelo contraente que primeiro deve efectuar a prestação, mas já não impede o outro de opô-la.

III.

No caso de incumprimento parcial, o alcance da exceptio deve ser proporcional à gravidade da inexecução, sob pena de abuso do direito.

IV.

Procedendo a exceptio, só a partir do cumprimento integral da sua obrigação é permitido ao A./empreiteiro exigir juros dos RR./donos da obra, caso estes não se expliquem atempadamente.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I.

Relatório AA intentou, no Tribunal Judicial da Comarca de Lamego, acção ordinária contra BB e mulher, CC, pedindo a sua condenação no pagamento de 35.331,45 € e juros, à taxa legal, desde 02/10/2002 até efectivo e integral pagamento, correspondente a parte do preço devido pela execução de um contrato de empreitada, outorgado com o R., casado com a R., em regime diverso do de separação de bens.

Os RR. contestaram, impugnando parte da factualidade vertida na petição, reconhecendo, no entanto, deverem ao A. 3.242,19 €. Em reconvenção, com fundamento em incumprimento defeituoso da obra, pediram a condenação do A. no pagamento de 9.842,19 €, com juros desde a data da notificação deste articulado até efectivo pagamento e, ainda, na execução das obras necessárias às alegadas anomalias, reconhecendo as falhas ao projecto do contrato, realizando as obras de acordo com o caderno de encargos, fazendo a redução do preço acordado, relativamente às obras de alteração ao projecto, feitas em proveito daquele e, consequentemente, em seu próprio prejuízo.

Seguiram-se os demais articulados, o saneamento e a selecção dos factos e, após a respectiva instrução, foi proferida sentença a julgar a acção e a reconvenção parcialmente procedentes, com a condenação dos RR. no pagamento ao A. de 5.474,68 € e no que se vier a liquidar, referente ao preço dos trabalhos a mais realizados pelo A., consubstanciados no aumento do pavimento e de azulejos numa das casas de banho, no rebaixamento do chão de garagem, na construção de uma varanda, no fornecimento e colocação de tubos de aquecimento na cave, na construção, na cave, duma lareira em tijolo refractário, na construção de uma chaminé da cave até ao telhado, no fornecimento e colocação de uma tampa de chaminé e no fornecimento e colocação de roupeiros.

Mais foi decidido que o pagamento daquelas indicadas quantias ficaria suspenso até o A. proceder à reparação ou eliminação dos defeitos referidos, com condenação dos RR. no pagamento de juros vincendos, à taxa legal, sobre a quantia já liquidada, desde o dia seguinte à eliminação dos defeitos até efectivo pagamento, e desde o dia seguinte à eliminação dos defeitos mencionados até efectivo pagamento.

Outrossim foi sentenciada a condenação do A./Reconvindo a, no prazo de dois meses, a partir do trânsito em julgado, proceder à reparação/eliminação dos defeitos seguintes: fissuras nos muros de vedação da moradia, fendas no passeio frontal e lateral ao muro, derivadas do abatimento de terras mal compactadas, cedência do muro lateral que suporta o pavimento da entrada principal e ao rachamento do murete ao lado, por baixo da varanda da entrada principal e falta de aderência da pintura do muro da moradia, na zona do soco.

Inconformado, o A. apelou para o Tribunal da Relação do Porto que, em consonância com a alteração introduzida na matéria de facto, decidiu dar parcial provimento ao recurso, condenando os RR. a pagarem ao A. a quantia de 22.383,99 €, correspondentes ao I.V.A..

Em acórdão aclaratório, provocado pelo Apelante, a Conferência acabou por determinar que “o pagamento correspondente ao IVA, fica submetido ao mesmo regime da quantia ali melhor definida ou seja, o seu pagamento ao Autor só será devido a partir do momento em que se mostrem reparados/eliminados os defeitos verificados na moradia daqueles”.

Ambas as Partes pediram revista do aresto prolatado pelo Tribunal da Relação do Porto, tendo, para tanto, apresentado as respectivas minutas que fecharam do seguinte modo:

  1. Do A.: 1. A existência de defeitos, que eram desconhecidos do dono da obra na sua entrega, torna necessário, para que o empreiteiro os possa eliminar, que os mesmos lhe sejam denunciados.

    1. Consta da matéria assente, que os RR./Reconvintes passaram a habitar a vivenda, na 2a quinzena de Setembro de 2000, aceitando-a integralmente e sem reservas.

    2. Pendendo o ónus da prova sobre o A./Reconvindo de o prazo para o exercício da denúncia já ter decorrido, não afasta o ónus que sobre os RR./Reconvintes existe de alegarem e provarem o descobrimento dos defeitos, porque de outra forma, fazer recair o ónus da prova exclusivamente sobre o A./reconvindo é colocá-lo perante uma probatio diabolis.

    3. Para que as instâncias pudessem dar como provada a existência de defeitos e condenar na sua eliminação, era necessário alegar e provar que entre o descobrimento e a denúncia foram cumpridos os prazos de caducidade do artigo 1225º do Código Civil.

    4. Não existindo prova, nem muito menos alegação nesse sentido, do possível descobrimento dos defeitos, inexiste um requisito essencial para aferir da oportunidade e tempestividade da denúncia operada com a reconvenção.

    5. Ainda que assim não se entenda e se julgue pela existência do ónus da prova pelo Recorrente, nos termos do artigo 342º, nº 2, do Código Civil, sempre se tem de lançar mão do disposto no nº 2 do artigo 1224º do Código Civil que estabelece que, no caso de os defeitos serem desconhecidos pelo dono da obra e esta for por ele aceite, a caducidade conta-se a partir do momento da denúncia, mas aqueles direitos (os conferidos no nº 1 do mesmo preceito) não podem ser exercidos decorridos dois anos sobre a entrega da obra.

    6. Atente-se a este propósito na 1ª parte do nº 1 do artigo 1225º do Código Civil que refere que, “sem prejuízo do disposto nos artigos 1219º e seguintes”, o que nos leva a concluir necessariamente que, naquele caso concreto do artigo 1225ºdo Código Civil, é de aplicar o nº 2 do artigo 1224º do mesmo diploma, que, na sua 2ª parte, prescreve que em caso algum a eliminação pode ser exercida depois de terem decorrido dois anos sobre a entrega da obra, o que é sem margem de dúvida o caso dos presentes autos.

    7. Não procedendo o entendimento sufragado anteriormente, sempre será de aplicar no caso vertente o instituto do abuso do direito, cfr. artigo 334º do Código Civil, para fazer parar a excepção do não cumprimento do contrato, no caso de cumprimento defeituoso, que da forma que é explicitado na sentença, mais parece uma condição suspensiva.

    8. O principio da boa-fé paralisa a aplicação da exceptio, porquanto no caso em concreto, atenta a diminuta relevância dos defeitos a debelar e a (elevada) contraprestação monetária a efectuar, condicionar uma ao efectivo cumprimento da outra é exercer ilegitimamente um direito, por ofensa ao princípio da boa fé, plasmado, entre nós, no artigo 334º do Código Civil., uma vez que não podemos olvidar da insignificância dos defeitos (estranhos à moradia propriamente dita), por referência à moradia edificada.

    9. Para além do mais...

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