Acórdão nº 0210877 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 18 de Dezembro de 2002 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelJORGE ARCANJO
Data da Resolução18 de Dezembro de 2002
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação do PORTO I - RELATÓRIO No Tribunal da Comarca de....., em processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, foi julgado o ARGUIDO: RUI....., filho de José..... e de Glória....., natural de....., nascido a 19/11/1962, divorciado, desempregado, residente na Rua......, e desde 16/04/2002, detido preventivamente, no Estabelecimento Prisional do......

Por acórdão de 23/04/2002, foi condenado pela autoria de um crime de tráfico de estupefacientes, agravado, p.p. pelos artigos 21º nº 1, e 24º al. h), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

O arguido interpôs recurso ordinário da matéria de facto e de direito, concluindo, em síntese, nos seguintes termos: 1) - Questão prévia - o ónus do proceder à transcrição da prova produzida em audiência, de acordo com o art.690 A do Código de Processo Civil (CPC), tendo em conta o prazo de interposição de recuso de 15 dias, coarcta do direito de defesa, constitucionalmente consagrado no art.32 nº1 da Constituição da República Portuguesa (CRP).

2) - Desconhece quais os elementos probatórios concretos que serviram de suporte ao Tribunal da 1ª instância para fundamentar a convicção no sentido de decidir que o arguido, apesar de possuidor do produto estupefaciente, o destinava à venda onerosa a terceiros e que o fazia na Casa da Juventude.

3) - Existem factos dados como incorrectamente provados, sendo determinante para aferir da inexistência de factos concretos que justifiquem a agravação aplicada o depoimento da testemunha José....., vigilante da Casa da Juventude, uma vez que afirmou peremptoriamente só ter visto por uma vez o arguido a entregar "algo" a alguém, sem que se tenha apercebido se este recebeu "algo" em troca.

4) - Não pode aceitar que o Tribunal dê como provado que o arguido era contactado por cerca de "quatro a dez pessoas", se a única testemunha que estava no local refere que nunca mais de um indivíduo e, nem sempre, não se tratando de jovens frequentadores da Casa da Juventude.

5) - Não existe qualquer prova, apreciada segundo as regras da experiência comum, que permitisse ao Tribunal a quo concluir pela condenação do arguido, e porque os depoimentos do segurança e do agente Fernandes se baseiam em meras suspeitas e não numa observação directa, devia o Tribunal usar do princípio in dubio pro reo, pelo que violou o art.32 nº1 da CRP..

6) - Há uma clara contradição, inserta no acórdão, porquanto não houve uma única testemunha que afirmasse ter visto o arguido oferecer, vender, distribuir, adquirir ou sequer entregar produto estupefaciente a terceiro e receber dinheiro em troca, sendo certo que o arguido destinava essa substância (heroína) "ao seu próprio consumo, bem como da sua companheira".

7) - A livre apreciação da prova não se compadece com arbitrariedade ou pura discricionaridade e ao inexistir correspondência lógica entre os factos considerados provados e a prova produzida, o Tribunal a quo violou o art.127 do CPP.

8) - Por seu turno, houve erro notório na apreciação da prova, estando o acórdão ferido do vício previsto no art.410 nº2 alínea a) do CPP.

9) - O arguido detinha nove pacotes de heroína, com o peso líquido de 0,755 gramas, para o seu próprio consumo, visto ser toxicodependente, constituindo tal conduta uma mera contra-ordenação (art.2 nº1 da Lei 30/200 de 29/11).

10) - Quando muito, sem prescindir, o arguido devia ser condenado pela prática do crime de tráfico de menor gravidade, previsto no art.25 do DL 15/93 de 22/1.

11) - O Tribunal da Relação deverá, nos termos do art.431 alínea a) do CPP, modificar a matéria de facto dada como provada no acórdão recorrido e em consequência alterar a qualificação jurídica da conduta do arguido, uma vez que o processo contem todos os elementos de prova que lhe serviram de base, no sentido de constituir um contra-ordenação, ou, quando muito, um crime de tráfico de menor gravidade (art.25 nº1 DL 15/93).

12) - Se assim o não entender, o Tribunal da Relação deverá determinar o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do art.426 do CPP, por o acórdão padecer dos vícios referidos no art.410 nº2 alínea a) do CPP.

Na contra motivação, o Ministério Público sustentou a improcedência do recurso, devendo manter-se a decisão recorrida, referindo, em resumo: a) - O recorrente não indicou os suportes técnicos em que se apoia e que o fazem divergir quanto à matéria de facto assente como provada, pelo que o Tribunal da Relação está impossibilitado de reexaminar a matéria de facto fixada pelo Tribunal Colectivo.

  1. - Daí que o recurso da matéria de facto deva ser rejeitado no que respeita a essa reapreciação, devendo o Tribunal da Relação conhecer apenas do recurso de direito.

  2. - As provas produzidas em audiência de julgamento foram alvo de uma criteriosa análise que, conjugada com as regras da experiência comum, permite concluir que os factos ocorreram tal como vêm descritos na decisão recorrida, e que consubstanciam a autoria de um crime de tráfico agravado.

Na Relação, o Ex.mo Procurador Geral Adjunto emitiu parecer, suscitando a questão prévia da inadmissibilidade do recurso, por haver sido interposto fora de prazo.

O recorrente, notificado para os efeitos do art.417 nº2 do CPP, sustentou a tempestividade do mesmo, dado o disposto no art.145 nº5 do CPC, aplicável ao processo penal, por força do art.4º do CPP, pois a sua interposição ocorreu dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, havendo pago a respectiva multa.

No exame preliminar, o relator emitiu parecer no sentido de que o recurso está em tempo, ordenando o prosseguimento do processo para audiência.

II - FUNDAMENTAÇÃO 2.1. - QUESTÕES PRÉVIAS: 2.1.1- Questão prévia da intempestividade do recurso: Nos termos do art.411 nº1 do CPP, o prazo para a interposição do recurso é de 15 dias, contando-se a partir do depósito da sentença/acórdão na secretaria.

Conforme está certificado no processo, o depósito do acórdão condenatório foi efectuado no dia 23 de Abril de 2002 (fls.155 v.), data da leitura do mesmo (cf. acta de fls.156).

O arguido interpôs recurso com motivação em 13 de Maio de 2002 (fls.218) e no dia 15 de Maio juntou a guia de pagamento de fls.300.

Por decisão de 17 de Maio de 2002 (fls.301) foi admitido o recurso, havendo-se mencionado, além do mais, ter o arguido pago a taxa de justiça devida.

O decurso do prazo de 15 dias, a contar do depósito do acórdão, terminou efectivamente no dia 8 de Maio de 2002.

No entanto, o nº5 do art.107 do CPP (acrescentado pelo DL 317/95 de 28/11) prescreve que, independentemente do justo impedimento, os actos processuais podem ser praticados "no prazo, nos termos e com as mesmas consequências que em processo civil, com as necessárias adaptações", pretendendo o legislador acolher em processo penal a prorrogação do prazo nos termos do art.145 nº5 e 6 do CPC.

Assim, estava o arguido legitimado a praticar o acto nos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo, mediante o pagamento da respectiva multa.

O arguido ao apresentar o recurso no dia 13 de Maio, fê-lo no terceiro dia útil subsequente (11 e 12, sábado e domingo), validando o acto com o pagamento da multa, pelo que foi interposto tempestivamente.

Pelo exposto, improcede a questão prévia da extemporaneidade do recurso.

2.1.2-A questão prévia da admissibilidade do recurso sobre a matéria de facto: O Ministério Público, na contra-motivação, suscitou a questão prévia da rejeição do recuso da matéria de facto, visto que o arguido/recorrente não deu cumprimento à norma imperativa do art.412 nº4 do CPP, por não haver especificado os pontos que considera incorrectamente julgados, por referência aos suportes técnicos.

Por imposição do art.412 nº3 e 4 do CPP, "quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar, designadamente: a)- Os pontos de factos que considera incorrectamente julgados; b)- As provas que impõem decisão diversa; c)- As provas que devem ser renovadas.

"Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações fazem-se por referência aos suportes técnicos, havendo lugar a gravação".

Ainda que de forma algo incipiente, o recorrente não deixou de dar cumprimento ao disposto no art.412 nº3 alíneas a) e b) do CPP, pelo menos relativamente a determinado segmento dos factos provados (cf. as conclusões enunciadas em 4º, 5º e 6º de fls.333).

É certo que o recorrente não fez referência aos suportes técnicos, mas uma vez junta a transcrição integral, não há impedimento legal ao conhecimento do recurso.

Nesta situação, não é de rejeitar o recurso, como decidiu, em caso similar, o Ac STJ de 20/3/2002 (Lourenço Martins) (www dgsi.pt/jstj), com o argumento de que se tais indicações (aos suportes técnicos) servem para fazer uma correcta localização dos elementos a transcrever, mas se já estão localizados e transcritos não há inconveniente que o recorrente deles se possa servir, de acordo com a economia de meios (No mesmo o sentido, o Ac RP de 10/10/2001 (Manso Raínho) (www, dgsi.pt/jtrp).

No caso concreto, não constitui impedimento ao conhecimento do recurso da matéria de facto a ausência referência aos suportes técnicos.

2.2. - Considerando que o objecto e âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, as questões essenciais que importa decidir, são as seguintes: 1) - Se o ónus do recorrente em proceder à transcrição da prova em audiência, de acordo com o art.690 A do CPC, tendo em conta o prazo de interposição do recurso de 15 dias, viola as garantias de defesa, consagradas no art.32 nº1 da CRP; 2) - Se houve erro na valoração da prova, designadamente, se o facto dado como provado - "o arguido era contactado por cerca de quatro a dez indivíduos" (para lhe adquirirem produto estupefaciente) foi considerado incorrectamente julgado; 3) - Se foi violado o princípio da livre apreciação da prova; 4) - Se na apreciação da prova, foi violado o princípio in dubio pro...

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