Acórdão nº 210/03.9TASEI.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Julho de 2010
Magistrado Responsável | ESTEVES MARQUES |
Data da Resolução | 07 de Julho de 2010 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
32Proc. nº 210/03.9TASEI.C1 RELATÓRIO Em Processo Comum Colectivo do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Seia, por acórdão de 09.06.03, foi, além do mais, decidido:
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Condenar A. pela prática de um crime de abuso sexual de criança, na forma continuada, nos termos do nº 2 do art.º 30º do Código Penal, abrangendo as condutas tipificadas pelos artigos 172º, nºs 1, 2 e 3 al. b) e 177º, nº 1, alínea a), do Código Penal (redacção então vigente), a que actualmente correspondem os artigos 30º, nº 2 e 3, 171º, nºs 1, 2 e 3 al. b) e 177º, nº 1, alínea a), do Código Penal (redacção introduzida pela Lei nº 59/2007 de 4 de Setembro), na pena de cinco anos e seis meses de prisão anos de prisão, e de um crime de coacção grave, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 30º, nº 2, 154º, nº 1, e 155º, nº 1, alínea b), do Código Penal, na pena de um ano e dois meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena de seis anos de prisão.
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Condenar C. pela prática de um crime de abuso sexual de criança na forma continuada, nos termos do nº 2 do artigo 30º, abrangendo as condutas tipificadas pelo art.º 172º, nºs 1 e 3 al. b), do Código Penal, na redacção então vigente, a que actualmente correspondem os artigos 30º, nº 2 e 3, 171º, nºs 1, e 3 al. b) do Código Penal (redacção introduzida pela Lei nº 59/2007 de 4 de Setembro) na pena de dois anos e oito meses de prisão, que, atendendo à ausência de antecedentes e inserção social deste arguido, e intensidade de preenchimento do ilícito, se suspende na sua execução por igual período, art.º 50º do Código Penal, sendo a suspensão acompanhada de regime de prova.
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Absolver C da imputada prática de um crime de abuso sexual de criança na forma continuada, p. e p. pelos artigos 30º, nº 2, e 172º, nº 2, do Código Penal.
Inconformado, veio o arguido A interpor recurso, não apresentando qualquer conclusão, mas percebendo -.se, no entanto, as razões da sua discordância, pelo que atendendo ao lapso de tempo decorrido, se irá conhecer do seu recurso.
Também o arguido C interpõe recurso, concluindo: 1 Impugnam-se especificamente os facto provados de 25 a 37, por inexistirem provas suficientes para a sua ocorrência.
2 O único depoimento directo sobre os concretos factos pelos quais o arguido foi condenado é o da menor L, sendo este dúbio, por contrariar outras provas e as regras da experiência comum, nos termos alegados.
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Assim sendo, não pode este depoimento ser valorado como verdadeiro, por ele criar a incerteza sobre se os factos relatados pela menor ocorreram mesmo ou foram por si inventados.
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Esta incerteza impede que dê como provada a factualidade vertida nos factos provados 25 a 37, porquanto inexiste “uma via racionalizável ao menos à posteriori tenha logrado a afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse Ac. Relação Coimbra 376/040GAALB.C1, Relator Desembargador Esteves Marques in www.dgsi.pt 5.Os demais depoimentos são todos indirectos quanto aos concretos factos que levaram à condenação deste arguido, pelo que não podem ser usados para prova dos factos 25 a 37, no que diz respeito a condutas de cariz sexual que se imputam ao arguido, sob pena de violação do artigo 1º do CPP.
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A testemunha P não pode ser valorada do modo que foi porque: a. Não está demonstrado nos autos que a mesma possua conhecimentos técnicos específicos em matéria de abuso sexual de crianças, pois a mesma não possui qualquer habilitação específica nesta área, e dos seis casos que disse ter sinalizado nenhum foi concluído com a condenação de qualquer abusador.
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O seu depoimento é indirecto quanto aos concretos factos vertidos na sentença, e não foi o mesmo reafirmado especificadamente pela menor, para ser valorado ao abrigo do artigo 129º 1 do CPP.
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Inexiste nos autos prova de que os sintomas que a mesma diz ter verificado na menor, tenham sido causados por condutas do arguido.
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Inexiste nos autos qualquer comprovação científica do que são “flash backs” e de que, caso estes tenham existido, se referissem a memórias relacionadas com o arguido C.
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O relatório de fls 114 demonstra os vários problemas de que padece a menor e a sua conclusão final não fornece, antes peto contrário, qualquer grau de certeza de que os abusos ocorreram, por um lado, e de que ocorreram especificamente os abusos pelos quais o arguido foi condenado, e de que tenham sido praticados por ele, pelo que não pode o mesmo servir como meio de prova contra o arguido.
8 O relatório psiquiátrico coloca, de forma clara, a possibilidade técnica de os sintomas verificados na menor serem oriundos de uma situação de abuso como de uma situação em que a criança tem um “progenitor deprimida (mãe)”, ficando “expostas de forma continuada a este ambiente e sem outro adulto protector que minimize o impacto da doença (depressiva) dos ilhós, também podem apresentar esses sintomas emocionais/comportamentais 9. Resulta dos autos que a mãe da menor padeceu de uma depressão (facto provado n.02), que o Pai estava no estrangeiro (facto provado n.03> e que esta passou 4 anos ao cuidado de uma ama (facto provado n. 04) o que implica a verificação na menor de todos os requisitos para que a sua sintomatologia que nela foi verificada pelos peritos se pudesse reconduzir a essa problemática.
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As provas têm valores diferentes e inexiste nos autos qualquer elemento probatório que suplante o valor da prova pericial, inexistindo assim qualquer prova que tenha desfeito a dúvida colocada no relatório psiquiátrico de fls. 356 a 367 dos autos sobre a causa da sintomatologia.
11 Assim, sendo o depoimento da menor inconsistente e contraditório, não havendo meio de prova directa que o corrobore, havendo prova pericial que legitima a dúvida sobre a origem da sintomatologia da menor, não havendo sido estabelecido qualquer nexo causal entre essa sintomatologia e as condutas pelas quais o arguido foi condenado, não estando por isso demonstrado, quer directa, quer indirectamente, que as mesmas ocorreram, mantém-se a dúvida da realidade dos mesmos como inultrapassável, pelo que os factos dados como provados de 25 a 37 do Acórdão não o poderiam ter sido, por falta de provas.
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Devendo o arguido ser absolvido por falta de provas ou, em ultima instância, com a aplicação do principio “in dúbio pro reo”.
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Não se tendo produzido provas suficientes para determinar a autoria, pelo arguido C, de qualquer das condutas por que veio a ser condenado, não se encontram assim preenchidos os pressupostos objectivos e subjectivos da punibilidade pelo crime de abuso sexual.
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Não havendo prova, não há verificação do tipo de crime, e assim sendo, o único caminho é a absolvição.
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Foram violadas as seguintes normas: 129º, 163º, 368º, 374º nº 2 do CPP e o actual art.0 171º, n0s 1 e 3 al. b). do Código Penal, na redacção então vigente, a que actualmente correspondem os artºs 171º nºs 1 e 3al. b) do C. Penal (redacção introduzida pela Lei59/2007 de 4 de Setembro.”.
O Ministério Público respondeu aos recursos, concluindo que os mesmo devem ser julgados improcedentes.
A Exmª Procuradora-Geral Adjunto nesta Relação, emitiu douto parecer no sentido do improvimento do recurso do arguido C e no provimento parcial do recurso do arguido A Colhidos os vistos, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO Na 1ª instância deu-se como provada a seguinte factualidade: 1. A e C são, respectivamente, avô paterno e tio paterno de L, nascida a 24 de … de 1993, filha de AM e de CD.
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A mãe foi acometida de uma depressão, andando em tratamento, sendo uma pessoa instável emocionalmente.
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O pai da L exerceu a sua actividade profissional no estrangeiro desde que esta tinha cerca de meio ano de idade até Dezembro de 2005.
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Desde os seis até aos dez anos de idade, nos dias úteis a L viveu em casa de uma ama, jantando diariamente com a mãe, com quem, também, geralmente, passava os fins-de-semana. A partir dos onze anos de idade, L foi viver para casa da mãe, com os avós maternos.
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Entre os seis e os onze anos de idade, L e a sua mãe frequentavam a casa dos avós paternos da menor, aí conviviam e tomavam refeições, sobretudo em dias de fim-de-semana e de férias escolares, onde L, por vezes, também pernoitava.
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Em datas não concretamente apuradas, mas que se situam entre o 7º (sétimo) e o 11º (décimo primeiro) ano de vida de L quando a neta se encontrava em sua casa, A costumava chamá-la para locais mais recônditos da casa, designadamente para a área da garagem, composta por várias dependências, entre as quais uma casa de banho, um quarto e arrumos.
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Em data não concretamente apurada, no período temporal referido em 6., o A, desenhou numa folha uma figura masculina com o pénis erecto e outra feminina, com os órgãos genitais expostos e nela escreveu “amor dos dois perpara-te para receberes esta grande piroca Será que Até Vais xorar? Respondes sim o não eu digo (..) tu dises Não?”, folha esta que entregou à neta num dos dias em que a chamou para a área da garagem da sua casa, afastando-a da vigilância de outros familiares.
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Nas mesmas circunstâncias temporais, A. escreveu numa folha pautada, a qual entregou à menor “Eu quero que digas ao Avô o que se passa contigo que não mais ligas-te? Respondes.”.
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Noutras ocasiões, no período temporal referido e no mesmo local, A, entregou a L folhas com frases e desenhos por si elaborados nos quais representava os órgãos sexuais femininos e masculinos, lhe perguntava se gostava dele e se gostava das coisas que ambos faziam, referindo-se a contactos sexuais.
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Por uma vez, no seu quarto conjugal quando a neta, aos sete anos de idade, aí foi deixada para adormecer A acariciou-a nos seios e na vulva.
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Naquele período temporal – entre os sete e os onze anos - e na garagem de sua casa, A diversas vezes beijou L nos lábios.
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Também nestas mesmas circunstâncias espácio-temporais, A acariciou L nos seios e na vulva.
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Nestas ocasiões, mandava que a neta tirasse todas as peças de roupa que trazia e despia as calças expondo perante L...
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