Acórdão nº 99/12.7 BELRA de Tribunal Central Administrativo Sul, 12-01-2023
Data de Julgamento | 12 Janeiro 2023 |
Ano | 2023 |
Número Acordão | 99/12.7 BELRA |
Órgão | Tribunal Central Administrativo Sul |
Relatório
R… veio intentar contra o Município da Marinha Grande, Companhia de Seguros A…, SA e L…, LDA, ação administrativa comum sob a forma sumária, pedindo a condenação dos réus a pagar ao autor a quantia de € 7 324,76, sendo € 4 024,76, a título de reparação de danos patrimoniais com o veículo sinistrado, e € 3 300,00 a título de danos pela imobilização do veículo, tudo acrescido de juros moratórios à taxa legal, decorrentes de acidente de viação com um veículo automóvel possuído pelo autor, em consequência de defeitos de construção de uma lomba redutora de velocidade na localidade de Vieira de Leiria.
O TAF de Leiria julgou a ação parcialmente procedente e, nessa medida, condenou os réus a pagar ao autor a quantia de € 2 012,38, pelos danos resultantes da reparação do veículo e absolveu os réus do demais peticionado.
A Companhia de Seguros A…, SA arguiu a nulidade da sentença ou subsidiariamente a sua reforma, nos termos dos arts 615º, nº 1, al c) e 616º, nº 2 do CPC.
O autor e o réu Município não se conformando com a sentença proferida, ambos, recorreram da decisão na parte em que decaíram.
O autor alegou e formulou as seguintes conclusões:
1- Com o presente recurso pretende-se a reapreciação de duas questões: 1- a existência de concorrência de culpas entre os Réus e o A. e se da mesma poderia resultar a subdivisão da responsabilidade no pagamento dos danos em causa nos autos. 2- A existência de dano efetivo provocado pela paralisação do veículo do A. durante os 66 dias que levou a reparação e se o mesmo é ressarcível.
2- Quanto à primeira questão, e tendo em conta a matéria de facto dada como provada nos autos, retira-se por um lado que a lomba redutora de velocidade (LRV) construída no local pela Ré L… a mando do Réu Município, tem hoje uma altura (medida ao asfalto) compreendida entre os 12 cm e os 17,5 cm.
3- No entanto, à data do acidente, essa altura medida ao alcatrão seria maior, uma vez que após o acidente o Réu Município procedeu à colocação de uma camada de alcatrão em toda a rua onde a mesma está implantada com uma altura média de 3 cm, o que fez reduzir, nessa medida, a altura da LRV. Para além disso, esse mesmo alcatrão foi colocado por sobre a primeira camada de paralelos que conformam a LRV, cobrindo-o parcialmente, amenizando assim o ângulo de ataque da referida LRV.
4 - Ora, a altura da referida LRV coloca-a muito longe da altura máxima permitida pela Nota Técnica elaborada pela Direção Geral de Trânsito (junta aos autos e citada na douta sentença), a qual dita a forma e medidas que as várias LRV devem ter, constituindo assim a fonte da "legis artis" para a sua construção.
5 - Essa mesma Nota Técnica restringe a altura das LRV a 7,5 cm em relação ao alcatrão da estrada onde é implantada e só em casos justificados, deixa que essa altura suba até aos 10 cm.
6 - Ora, a LRV em causa, à data do acidente, teria uma altura compreendida entre os 15 cm e os 20,5 cm, ou seja, muito acima do que é permitido pelas legis artis.
7- Daí ter a douta sentença concluído existir, fazendo o silogismo legal, uma conduta ilícita e culposa por parte dos Réus (L… e Município), com nexo de causalidade adequada ao dano ocorrido.
8- No entanto, atento o facto de o condutor do veículo do A. conduzir o mesmo no momento do acidente a uma velocidade compreendida entre os 30 km/h e os 50 km/h, sendo a velocidade no local limitada a 30 km/h, a douta sentença concluiu ser também este comportamento ilícito por parte do condutor concorrente em igual proporção com o comportamento dos Réus para a ocorrência dos danos em causa nos autos.
9- Ora, salvo melhor opinião, apenas a altura excessiva da LRV e como tal a conduta culposa dos Réus, concorreu para o despoletar dos danos em causa.
10- De facto, e tal como resulta do facto provado identificado coma letra Y), o veículo do A., ainda antes de iniciar a subida da rampa com as rodas, embateu com a parte de baixo do pára-choques da rampa de acesso à lomba,
11- 0u seja, a lomba em causa, é por tal forma alta que não cabe por debaixo da carroçaria do veículo do A. (um Audi A6 não modificado), iniciando-se o embate ainda antes deste a começar a subir.
12- Pelo que o embate resulta da mera altura da lomba e não da velocidade do veículo; velocidade essa que só seria determinante (caso fosse a causadora do dano) a partir do momento em que o veículo começasse a subir a lomba e a sua suspensão fosse comprimida por tal efeito.
13- Aliás, é impossível adaptar a velocidade a um obstáculo como este; o embate, atenta a altura da LRV em causa, é inevitável.
14- 0s Réus não podem construir obstáculos à circulação que não caibam por debaixo das carroçarias dos veículos que por aí circulam.
15- Por outro lado, é seguro dizer que caso esta LRV tivesse os propugnados (em Nota Técnica) 7,5 cm de altura máxima e não os 20,5 cm, nunca o veículo do A. lhe bateria com o pára-choques e base do motor, mesmo que cruzasse a referida lomba entre os 30 e os 50 km/h.
16- E mesmo que tivesse os máximos (para situações excecionais) 10 cm de altura, também não causaria qualquer dano, mesmo que o A. aí circulasse a 50 km/h. Não poderia era ter os 20,5 cm de altura máxima que efetivamente tinha.
17- Razão pela qual, sendo apenas concorrente para a ocorrência do dano em causa a altura da LRV e como tal a atuação dos Réus, deveria caber-lhes em exclusivo a responsabilização por todos os danos os danos advindos para o A. por conta deste acidente.
18- Não deveria atuar assim o disposto no art 570º do C.C. (culpa do lesado) uma vez que o comportamento ilícito e culposo do condutor do veículo do A. (consubstanciado no excesso de velocidade) não concorre, não existe nexo de causalidade, com os danos sofridos no veículo do A..
19- Quanto à segunda questão em análise neste recurso dir-se-á que para que a paralisação de um veículo (dano da privação do uso) constitua um efetivo dano, não é necessário que o lesado faça despesas para o debelar.
20- Existe dano pelo mero facto do A. ficar sem possibilidade de utilizar o seu veículo, quando esta situação é conjugada com o facto de este ser o único veículo do A. e de ter uma utilização diária, causando-lhe sérios incómodos e uma alteração na sua rotina diária, com necessidade de pedir a ajuda para se transportar a familiares ou amigos.
21- 0 valor do dano referente à paralisação deve ser aferido, com base na equidade, partindo do valor de aluguer de um veículo de características iguais ou semelhantes ao veículo imobilizado.
22- Atentas as características do veículo do A., os valores cobrados pelas sociedades de aluguer de veículos, parece adequada a atribuição de um valor ressarcitório diário na ordem dos Euros: 50,00, o que corresponderia a um valor indemnizatório total deste dano de Euros: 3.300,00.
23- A douta sentença viola, pela não interpretação pela forma supra propugnada, os artigos 570º e 483º (na parte que se refere ao nexo de causalidade) do C.C., bem como ainda os arts 562º, 564º e 566º, nº 2 e 3 do também todos do CC.
O Município alegou e concluiu:
1. A presente apelação surge no seguimento da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que, após a realização da audiência de discussão e julgamento, decidiu julgar parcialmente procedente por provada a presente ação, condenando o Recorrente Município e a co-ré A… a liquidarem ao Autor a importância de 2.012,38€ por danos decorrentes na reparação do seu veículo.
2. Da prova produzida decorre claramente que a matéria vertida na parte final do Facto Provado FF) não podia ter sido julgada provada, porquanto é falso que, após a repavimentação da rua onde ocorreu o sinistro, e com a fresagem antes da lomba, tivesse sido colocada uma camada de asfaltamento a cobrir parcialmente a primeira fila dos paralelos na rampa de acesso à mesma lomba.
3. Ponderada e analisada a sentença recorrida, Tribunal Recorrido apreciou incorretamente a prova produzida no que respeita ao Facto FF) dado como provado - designadamente o depoimento da testemunha S… (cfr. sentença recorrida, pág 9) - porquanto da mesma decorre, sem margem para dúvidas, que a situação de repavimentação da via em que foi implantada a lomba redutora de velocidade não afetou por qualquer forma as dimensões e características tanto da própria lomba como da sua rampa de acesso, que se manteve inalterada.
4. De resto, desde a construção da lomba redutora, que esta se encontra devidamente sinalizada na horizontal com uma fila de paralelos brancos por "barra de paragem” que se manteve intacta e é visível após a repavimentação da rua.
5. Mal andou o Tribunal a quo ter concluído que da repavimentação da rua resultou, para além de um acréscimo de 3 cm de camada de desgaste na via - o que se não contesta -, a colocação, com a fresagem antes da lomba, de uma camada de asfalto a cobrir parcialmente a primeira fila dos paralelos na rampa de acesso à mesma lomba, tanto mais que aquando da inspeção teve a oportunidade de constatar in loco que a barra de paragem (que corresponde à primeira fila de paralelos brancos na rampa de acesso) permanece bem visível !!!
6. Tendo em conta os vários elementos probatórios existentes, designadamente o depoimento da testemunha arrolada pelo Município, Eng. S…, e os documentos juntos - de que são exemplo a "Informação' elaborada pelo Sector de Redes Viárias e Trânsito da Divisão de Infraestruturas e Redes Municipais da CMMG, cujo teor consta do Facto Provado GG) -, não podia o Tribunal ter dado como provado o Facto FF), nomeadamente a sua parte final.
7. Foi feita prova suficiente e bastante que a rampa de acesso à lomba redutora de velocidade onde se deu o sinistro com a viatura do Autor não sofreu quaisquer alterações - não tendo a mesma, sequer, sido retificada ou...
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