Acórdão nº 989/21.6T8CSC-A.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 02-03-2023

Data de Julgamento02 Março 2023
Ano2023
Número Acordão989/21.6T8CSC-A.L1-2
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
ACÓRDÃO[1]

Acordam os juízes da 2ª secção (cível) do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. RELATÓRIO

WHITEKEY PROPERTIES, S.A., intentou procedimento cautelar não especificado contra PL, entretanto falecido e com herdeiros habilitados, CL, AL, BG, PML, BL, FB, MB e, MTB pedindo que:
1. Se abstenham de onerar, alienar ou prometer alienar a terceiros, total ou parcialmente, o quinhão hereditário de que são titulares e que haviam prometido vender à Requerente através do contrato-promessa celebrado em 19.4.2019;
2. Se abstenham de votar favoravelmente, na qualidade de sócios e/ou de gerentes, qualquer deliberação social da sociedade Lobimar - Realizações Turísticas Lda, que tenha por efeito, direto ou indireto a alienação, a título oneroso ou gratuito, divisão, oneração, arrendamento ou qualquer outro negócio jurídico que tenha por efeito a diminuição da disponibilidade dos imóveis identificados no artigo 8.º do presente requerimento inicial;
3. As ordens judiciais referidas nos anteriores números 1 e 2 deverão ser decretadas até trânsito em julgado da decisão que ponha termo ao Processo que, sob o n.º …/…, corre termos pelo Juízo Central Cível de Cascais, J2, deste Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste.

Foi proferida sentença que julgando improcedente o procedimento cautelar, indeferiu as providências requeridas.

Inconformado, veio o requerente apelar da sentença, tendo extraído das alegações[2],[3] que apresentou as seguintes

CONCLUSÕES[4]:

A. O presente recurso vem interposto da douta sentença de fls._, proferida pelo Juiz 2 do Juízo Central Cível de Cascais, no âmbito do processo n.º …/…, que corre por apenso à Acção Principal de Execução Especifica, que tem por objeto a aquisição do quinhão hereditário da herança aberta por óbito de MVL (o referido CPCV).

B. O Recorrente não se conforma com a referida sentença e visa com o presente recurso impugnar a decisão proferida.

C. De acordo com a alínea e) dos Factos Não Provados que constam da sentença recorrida, a “Recorrente não foi notificada por qualquer das formas previstas na Cláusula 6.ª do CPCV para estar presente no dia 29.12.2020, pelas 14:30, ou em qualquer outra data ou hora, no cartório notarial ou em outro local, com vista à outorga da escritura pública de compra e venda do quinhão hereditário”.

D. A declaração de resolução do contrato dirigida pelos Recorridos à Recorrente a 30 de Dezembro de 2020 não deve ter-se por lícita, uma vez que existem elementos nos autos para permitir indiciariamente chegar-se a essa conclusão.

E. Consequentemente essa declaração resolutiva sem fundamento tem uma inegável virtualidade: torna patente a constituição dos Recorridos numa situação de incumprimento definitivo, tornando dispensável ao recorrente o percurso da via crucis da fixação do prazo admonitório, para que estes se constituam naquela situação: quem resolve infundadamente um contrato revela uma vontade séria, definitiva e consciente de não o querer cumprir e de se sujeitar às consequências desse incumprimento.

F. Para efeitos do preenchimento do requisito fumus bonus iuris - aparência do bom Direito - a presente providência cautelar não especificada foi intentada com base no n.º 2 do artigo 362.º do CPC.

G. Como se refere nessa norma, “o interesse do requerente pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em ação constitutiva, já proposta ou a propor.”, tendo a Recorrente intentado a respetiva Acção Principal, cujo desfecho se aguarda.

H. Tendo o contrato-promessa dos autos eficácia meramente obrigacional, a não se impedir a venda a terceiros, poderá o promitente comprador (aqui Recorrente) ver frustrada, de forma definitiva e irremediável, a sua expectativa e o seu direito à outorga do contrato prometido, ainda que por efeito à execução específica.

I. A presente providência tem como fim acautelar o fim útil da ação de que depende, visando impedir que, durante a pendência desta, a situação de facto se altere de modo a que a sentença, sendo favorável, perca a eficácia ou pelo menos, parte dela.

J. Com a presente Providência, pretende-se acautelar e garantir o cumprimento futuro do contrato.

K. O fim útil da providência é “impedir que os promitentes vendedores fiquem impossibilitados de vir a cumprir o contrato", por forma a que "não possam perder a legitimidade
para o contrato prometido".

L. O fim da providência é totalmente distinto do fim da ação de execução específica do contrato-promessa, pelo que, "no caso presente, não se procura alcançar, através da primeira o fim que se tem em vista com a segunda".

Os requeridos, FL, CL e AL contra-alegaram, pugnando pela improcedência da apelação do requerente.

Colhidos os vistos[5], cumpre decidir.

OBJETO DO RECURSO[6],[7]

Emerge das conclusões de recurso apresentadas por WHITEKEY PROPERTIES, S.A., ora apelante, que o seu objeto está circunscrito à seguinte questão:

1.) Saber se estão verificados os pressupostos de que depende o decretamento do procedimento cautelar comum.

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. FACTOS PROVADOS NA 1ª INSTÂNCIA

1. Por contrato-promessa celebrado em 11 de abril de 2019, os Requeridos (ou seus
antecessores) prometeram vender à Requerente, pelo preço de 1.085.000,00€ (um milhão e oitenta e cinco mil euros), que lhes prometeu comprar, o quinhão hereditário da herança aberta por óbito de MVL (doravante apenas “CPCV”), junto à ação principal como Doc. 4, que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.

2. Integra o referido quinhão hereditário a quota indivisa de 39.900,00€ no capital social da sociedade Lobimar, que representava 99,75% do capital da referida sociedade comercial.

3. Por seu turno, a Lobimar tinha como ativo o já referido imóvel, entretanto objeto de divisão fundiária levada a cabo pela Requerente, após a celebração do CPCV e a suas expensas, mediante procuração emitida pelos Requeridos, como ato preparatório da venda do quinhão hereditário.

4. Por força da referida operação de parcelamento, a Lobimar é atualmente proprietária de dois imóveis contíguos sitos na Rua … n.º …, Estoril, ambos
descritos na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, União de Freguesias de Cascais e Estoril: o primeiro corresponde a um lote de terreno para construção sob o n.º …, inscrito na matriz sob o art.º …-P, com a área de 652 m², o segundo descrito sob o n.º …, inscrito na matriz sob o art.º …, com a área de 665 m², no qual se encontra edificada uma moradia com a área de 208 m², de acordo com o que resulta das respetivas certidões prediais juntas aos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.

5. Consta do teor da Cláusula 3.ª, do acordo aludido em 1. e entre o mais que:
a) De forma a evitar que qualquer imprevisto pudesse inviabilizar a celebração da escritura definitiva, os ditos Requeridos comprometiam-se a realizar individualmente e de imediato, procurações a favor de pessoa da sua escolha para esse efeito - v. Cláusula 3.ª, n.º 1, i);
b) Extinção do inventário de partilhas com o n.º …/…, no Cartório Notarial de
MP, em Odivelas - v. Cláusula 3.ª, n.º 1, i);
c) Constituição de conta bancária para caucionar o pagamento de indemnização em
que a LOBIMAR – Realizações Turísticas Lda pudesse vir a ser condenada no âmbito da ação declarativa de condenação que lhe foi movida pela WORLDWIDEX, LDA, e corre termos sob o n.º …/… pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Central Cível de Lisboa – Juiz 20, em que o pedido de condenação é de 60.270,00€ acrescido de juros legalmente devidos (v. Cláusula 3.ª, n.º 5);
d) Outorga de procuração conferindo poderes à Autora para permitir o registo prévio da hipoteca exclusivamente para efeitos de garantia do financiamento a obter pela Autora para aquisição celebração do contrato prometido (v. Cláusula 3.ª, n.º 8, alínea c);
e) Assegurar a renúncia à gerência dos então gerentes até à celebração do contrato definitivo de compra e venda, declarando os Requeridos reconhecer que este era um ponto essencial para que a Requerente celebrasse o mesmo contrato (v. Cláusula 3.ª, n.º 10);

6. Do cotejo do disposto nas alíneas b) e e) do n.º 1 da cláusula segunda e da cláusula quarta do CPCV decorre que a escritura pública de compra e venda dos quinhões hereditários deveria ter lugar no prazo de 90 (noventa) dias a contar da data da assinatura do CPCV, incumbindo à Requerente notificar os Requeridos com a antecedência mínima de 10 (dez) dias úteis da data, hora e local agendados para a outorga da escritura, por e-mail ou carta registada, prazo que poderia ser prorrogado por mais 90 (noventa) dias contra o pagamento do reforço de sinal de €210.000,00 (duzentos e dez mil euros).

7. Dispõe a cláusula 6.ª do aludido CPCV, sob a epígrafe "Notificações, contactos e IBAN", para o que releva que, "[a]s partes contratantes notificar-se-ão entre si para os endereços
constantes do preâmbulo do presente contrato e para os endereços de e-mail abaixo indicados,
comprometendo-se a informar prontamente qualquer alteração, sem a qual as notificações enviadas para os endereços conhecidos serão consideradas válidas.".

8. O prazo convencionado para a celebração do contrato prometido terminaria, pois, a
10.07.2019, incumbindo à Requerente notificar os requeridos, até 26.06.2019, da data, hora e local agendados para a outorga da escritura, o que não fez.

9. O prazo aludido em 6 foi ultrapassado sem que tivesse havido, por banda da requerente, reforço de sinal, tal qual previsto na cláusula 2.ª al. f) e g) do referido CPCV.

10. A escritura pública para outorga do contrato prometido esteve marcada e foi sendo
sucessivamente adiada, pelo menos, nos dias 17.11.2020, 26.11.2020 e 22.12.2020.

11. Consta dos autos, como doc. 2 junto com a oposição, mensagem de correio eletrónico
...

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