Acórdão nº 988/18.5T8EVR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2022-04-07

Data de Julgamento07 Abril 2022
Ano2022
Número Acordão988/18.5T8EVR.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Acordam no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Recorrentes / Ré: (…) – Clínica de (…), SA
Recorrida / Autora: (…)
Ré: “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”, cuja extinção implicou passassem a intervir na ação os sócios (…) e (…)

Trata-se de uma ação declarativa de condenação no âmbito da qual a Autora peticionou a condenação das Rés (…) – Clínica de (…), SA e “(…) – Diagnósticos (…), Lda.” a pagar-lhe a quantia de € 29.830,00 acrescida de juros de mora a contar da citação até integral pagamento.
Para tanto, invoca o seguinte:
- dirigiu-se às instalações da 1.ª Ré para realizar exames de diagnóstico para realizar mamoplastia de aumento, submetendo-se a mamografia e ecografia mamária e, bem assim, biópsia cuja amostra foi remetida para a 2.ª Ré;
- no dia 4 de maio de 2015, recebeu o resultado enviado pela 2.ª Ré do qual consta que os fragmentos observados correspondem a carcinoma ductal invasivo, grau 1 de malignidade, ocupando 30% da amostra;
- a Autora ficou desesperada e sentiu dor;
- a 5 de maio submeteu-se a consulta no Hospital CUF Descobertas;
- a 7 de maio submeteu-se a cintigrafia óssea de corpo inteiro, a ecotomografia abdominal e a consulta de cirurgia plástica e reconstrutiva;
- nesse dia regressou a Évora e contou às filhas o que se passava, o que as fez chorar compulsivamente;
- a 9 de maio regressa a Lisboa para se submeter a ressonância magnética mamária;
- a 13 de maio fez consulta de anestesiologia e de senologia;
- nesse mesmo dia é feita a recolha de amostras na instalações da 2.ª Ré, em Setúbal;
- nesse mesmo dia submeteu-se a biópsia mamária no CUF Descobertas para exame histológico;
- a Autora sentia-se destroçada, desolada, desalentada e entristecida, perda de apetite, fraqueza física e pressão psicológica;
- a 18 de maio são rececionados no CUF Descobertas os resultados do exame realizado pela 2.ª Ré e pelo CUF Descobertas com menção de fibroadenoma benigno;
- a vida passou a sorrir-lhe e tudo o que passara tinha menos importância mas não pode deixar de se sentir violada na sua integridade física e psíquica por as RR lhe terem diagnosticado um cancro que não existia;
- às Rés foi solicitado a prestação de serviços médicos, incorrendo estas em erro médico na realização da análise e na elaboração do relatório, apontando resultado desconforme com o real estado de saúde da Autora;
- à 1.ª Ré coube a recolha da amostra e à 2.ª Ré coube analisar a amostra;
- as Rés trocaram a amostra recolhida na pessoa da Autora;
- o resultado transmitido apenas se deve a erro na análise;
- a violação do contrato pelas Rés causou danos de natureza não patrimonial cujo ressarcimento implica na verba de € 29.000,00 e acarretou despesas no montante de € 830,00.
A Ré (…) apresentou-se a contestar a ação impugnando a factualidade invocada pela Autora e salientando, designadamente, que a análise laboratorial foi realizada pela 2.ª Ré, que remeteu diretamente os resultados para a Autora e faturou o serviço, não tendo ocorrido qualquer troca de amostras. Sendo alheia aos demais factos alegados, de que não lhe foi dado conhecimento, declarou impugná-los, compreendendo os efeitos que os resultados da análise laboratorial realizados pela 2.ª Ré lhe terão causado. Considera exorbitante o montante reclamado para indemnização dos danos de natureza não patrimonial e que os documentos juntos relativos a despesas não permitem aferir se se reportam à situação em apreço.
Mais invoca que foram praticados 2 atos médicos, a biópsia e a análise laboratorial, sendo que da realização da biópsia por si nenhum dano adveio para a Autora. Inexiste relação contratual entre as Rés, sendo autónomos os serviços prestados por uma e por outra. A Autora estabeleceu 2 relações contratuais autónomas e distintas com cada uma das Rés.

II – O Objeto do Recurso
Decorridos os trâmites processuais legalmente previstos, foi proferida sentença julgando a ação parcialmente procedente, condenando a Ré (…) – Clínica de (…), S.A. a pagar à Autora indemnização no valor global de € 10.830,00 (dez mil oitocentos e trinta euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a sua citação, até integral pagamento, absolvendo os Réus () e (…) dos pedidos formulados pela Autora.

Inconformada, a Ré (…) – Clínica de (…), S.A. apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que a absolva do pedido ou, assim não se entendendo, que fixe indemnização em valor inferior ao que resulta da decisão recorrida. Concluiu a alegação de recurso nos seguintes termos:
«A. A Recorrente discorda da factualidade dada como provada no provada nos pontos 9, 15, 16, 21, 22, 23, 25, 27, 30, 31, 32 e 34.
B. Resulta da Douta Sentença recorrida que foi dado como provado que: ’ 9) A Autora pagou diretamente à 1.ª Ré o serviço que foi prestado pela “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”. Porém, a Recorrente entende que o tribunal a quo não considerou de forma correta a factualidade que resultou provada em sede de audiência de julgamento quanto (i) aos procedimentos administrativos que são, e que foram, adotados com a Autora, (ii) ao facto de a Autora nunca mais ter contactado a Recorrente depois de 23 de abril de 2015 e ter contactado diretamente a “(…) – Diagnósticos (…), Lda.” (iii) o facto de a “(…) – Diagnósticos (…), Lda.” ter procedido à emissão da fatura referente ao serviço de anatomia patológica, e (iv) a possibilidade de o utente levar consigo amostra ou indicar outro laboratório de confiança (vide depoimento da testemunha …, minutos 00:05:04 a 00:08:42, declarações de parte da Autora, minutos 00:07:14 a 00:07:26, depoimento da testemunha …, minutos 00:10:02 a 00:10:15 e minutos 00:23:13 a 00:23:29, depoimento da testemunha Dr. …, minutos 00:13:07 e minutos 00:13:32 a 00:13:42 e minuto 13’’45 a 13’’49, depoimento do Dr. …, minutos 00:18:30 a 00:18:46).
C. Pelo que o tribunal deveria ter considerado como provado que:
D. ‘’9) A 1.ª Ré não exerce a atividade de anatomia patológica.
9A) A 1.ª Ré facultava a opção aos clientes de levarem a amostra recolhida consigo para um laboratório da sua escolha.
9B) A Autora conhecia que a 1.ª Ré não procedia à realização de análises laboratoriais de anatomia patológica.
9C) A 1.ª Ré explicou à Autora quais os procedimentos internos que a 1.ª Ré cumpria com o laboratório “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”.
9D) A 1.ª Ré explicou à Autora que, caso a Autora pretendesse, poderiam as amostras recolhidas ficar na sua clínica para posterior recolha pela “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”.
9E) A Autora aceitou que análise das lamelas fosse efetuada pela “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”, tanto que consentiu no envio das amostras e no envio dos seus dados pessoais para a “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”.
9F) A Autora entregou diretamente à 1.ª Ré o valor referente ao serviço que foi prestado pela “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”.
E. Resulta provado do facto 15) que ‘’Quando recebeu a notícia de que padecia de cancro, sentiu-se desesperada, com medo de morrer’’. O Tribunal a quo entendeu que este facto foi corroborado pelos depoimentos das testemunhas (…) e (…).
F. A Recorrente entende que o tribunal a quo andou mal ao decidir este facto como provado, porquanto não resulta provado que a Autora tenha recebido um diagnóstico clínico de cancro. O que resultou provado de forma inequívoca é que a Autora recebeu um relatório de anatomia patológica elaborado pela “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”, não percebeu o seu real significado, tendo sido a sua irmã (…), que, após contacto telefónico com um alegado médico que não analisou o relatório em questão, a informou que teria cancro (vide depoimento da testemunha …, minutos 00:03:16 a 00:03:24, minuto 00:03:48, minuto 00:03:57, minuto 00:05:22, minutos 00:08:46 a 00:08:53, minutos 00:18:12 a 00:18:19 e minutos 00:17:44 a 00:18:02).
G. Deveria assim o Tribunal a quo ter considerado como provado que:
“15) A Autora não compreendeu o significado do relatório da “(…) – Diagnósticos (…), Lda.” quando o recebeu.
15A) A irmã da Autora, sem acesso ao relatório emitido pela “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”, contactou um amigo médico para obter informação sobre o que quereria dizer o relatório.
15B) A irmã da Autora foi informada, pelo amigo médico, que deveria agendar uma consulta com uma especialista da unidade da mama da CUF Descobertas em Lisboa (local onde trabalhava), nomeadamente com a Dra. (…).
15C) A consulta com a Dra. (…) ficou logo agendada, no dia 04 de maio de 2015, para o dia 05 de maio de 2015, a ter lugar na CUF Descobertas em Lisboa.
15D) A irmã da Autora disse à Autora que o relatório queria dizer que tinha cancro.
15E) A Autora começou a chorar quando a irmã lhe disse que tinha cancro.”
H. De referir ainda que, tendo por base o referido pela mesma em sede de declarações de parte, a Autora não teve qualquer receio pela sua vida, teve sim receio de não conseguir concretizar o seu sonho de realizar a mamoplastia de aumento (vide declarações de parte minuto 00:07:50 e minuto 00:11:49). Não fazendo aqui qualquer juízo de valor acerca do real receio da Autora, o mesmo terá que ser relevante para efeitos de determinação do quantum indemnizatório (danos não patrimoniais).
I. Resulta da sentença que foi dado como provado que: ‘’16) ’Nesse dia 19, as filhas da Autora foram dormir à casa da tia para que não vissem a mãe a chorar’’, porém, conforme resulta do depoimento da testemunha … (vide minuto 00:04:48) as filhas da Autora ficaram a dormir na casa da tia, porque esta tinha a consulta no dia seguinte em Lisboa, pelo que deveria ter sido considerado como não provado.
J. Quantos aos factos 21) e 22) determina a sentença que: ’A Autora não conseguia dormir nem parar de chorar, devido à incerteza do seu futuro e da perspetiva das suas filhas sem ela’’ e que “Desde o dia 05/05/2015 até ao dia 07/05/2015 que a Autora ficou a pernoitar em
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