Acórdão nº 983/10.2BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 24-03-2022

Data de Julgamento24 Março 2022
Ano2022
Número Acordão983/10.2BESNT
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
ACÓRDÃO
I- Relatório
B……….. – B ………………… Civil e Obras Públicas, Lda., deduziu impugnação judicial contra a liquidação adicional de IRC com o n.º ………………, e respectivos juros compensatórios, no valor total de €111.348,68, referente ao exercício de ano de 2002 e emitida na sequência de procedimento inspectivo do qual resultaram correcções de natureza meramente aritmética à matéria colectável. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, por sentença proferida em 19 de Outubro de 2018 e, constante a fls.331 e ss. (numeração do processo em formato digital - sitaf), julga a impugnação improcedente e, em consequência, absolve a Fazenda Pública do peticionado. A impugnante interpõe recurso jurisdicional contra a sentença, em cujas alegações de fls. 398 e ss. (numeração do processo em formato digital - sitaf) alegou e formulou as conclusões seguintes:
«A) Com base nos fundamentos de facto e de direito alegados, entende a Recorrente que a douta sentença recorrida encontra-se, de forma irremediável, inquinada dos seguintes vícios:
a) está ferida de nulidade por falta de fundamentação, ao omitir a indicação dos elementos de prova utilizados para formar a convicção do juiz, bem como ao não proceder à análise crítica da prova;
b) está ferida de nulidade por défice instrutório;

c) labora em manifesto e grosseiro erro de julgamento, por contradição entre factos dados como provados, não provados e o dispositivo da decisão a decisão, por erro na fixação da matéria de facto, quanto aos factos que dá como provados e como não provados e que impunham diversa solução de Direito, nomeadamente:
• quanto ao valor probatório das declarações da Recorrente
• na distribuição do ónus da prova na comprovação das operações declaradas
• pelo erro ostensivo na apreciação da prova, no que respeita às duas facturas emitidas por F………………………., desconsideradas pela AT.
B) Não se mostra, desde logo, devidamente fundamentada a sentença recorrida, incorrendo em nulidade (artigos 125º nº 1 do CPPT e 607º n.º 4 do CPC), pois revela-se deficiente, ambígua e obscura inviabilizando qualquer juízo inteligível sobre o seu conteúdo, razão pela qual não consegue a Recorrente descortinar que matéria de facto foi dada como provada, bem como o seu cabal exame crítico, adequado a fundamentar a improcedência da impugnação.
C) Sobre a questão da fundamentação da decisão da matéria de facto, vem lapidarmente afirmando a nossa doutrina: “(...) a discriminação rigorosa dos factos provados e não provados e uma motivação clara, adequada e consistente são essenciais para a justa composição do litígio, são essenciais para a realização da justiça fiscal. (…) julgar implica também uma tarefa delicada e complexa que consiste em seleccionar e valorar os factos relevantes para a decisão da causa e enuncia-los como provados ou não provados, motivando a decisão [CRISTINA FLORA, in “A Prova no Processo Tributário”, texto publicado na Revista do Centro de Estudos Judiciários n.º 2016-II], sendo que, “os enunciados de facto devem ser expressos numa linguagem natural e exacta, de modo a retratar com objectividade a realidade a que respeitam, e devem ser estruturados com correcção sintáctica e propriedade terminológica e semântica.” [MANUEL TOMÉ SOARES GOMES, in “O novo processo civil - textos e jurisprudência (Jornadas de Processo Civil –Janeiro 2014 e jurisprudência dos tribunais superiores sobre o novo CPC)”, Centro de Estudos Judiciários, Caderno V,2015, p. 347]
D) No mesmo sentido avança a jurisprudência, remetendo a Recorrente para o decidido no Acórdão do TCAN de 28-01-2016, proferido no Proc. n.º00479/09.5BEPRT, decisão que quer pela pertinência do raciocínio, quer pela clareza e pelo acerto da decisão, não pode deixar de se acompanhar de perto e secundar a sua respectiva fundamentação, pouco mais se podendo acrescentar.
E) Porquanto, esta exigência que concerne à matéria de facto provada “de modo algum se satisfaz com a colagem de diversos elementos que nem sequer internamente se mostram ordenados”, sendo que “com facilidade se encontram exemplos de uma deficiente metodologia na elaboração de decisão judiciais (...) em que é usual a mera transcrição dos factos assentes”. Mais, “o facto provado por documento não corresponde ao próprio documento. Em vez de o juiz se limitar a “dar por reproduzido o teor do documento X”, importa que extracte do mesmo o segmento ou segmentos que sejam concretamente relevantes, assinalando, assim, o específico meio de prova em que se baseou. Imposição que obviamente colide com a pura reprodução de todo o documento (…).” [ABRANTES GERALDES, in Sentença Cível, http://www.stj.pt/ficheiros/estudos/Processo- Civil/asentencacivelabrantesgeraldes.pdf, p. 7]
F) Confrontada a Recorrente com a douta sentença recorrida, de imediato se evidencia que a Juiz a quo na sua elaboração não cumpriu a exigência de indicação da matéria de facto, optando por seguir a prática censurável de verter nos factos provados o conteúdo do RIT, apresentando na alínea w) dos “factos provados” não “factos” mas “documentos” que integram o PAT, nomeadamente a fotocópia integral dos pontos III-3.1, III-3.2, III- 4.1., III-4.1.1, III-4, III--5 e IX do RIT, os quais deu “por inteiramente reproduzido”, sem indicar, sem discriminar, sem especificar os factos que esses documentos comprovam (conforme resulta do teor de fls. 6 a fls. 41 da douta sentença recorrida, ou seja, um total de 27 das 43 páginas da decisão!).
G) Como se sabe, o RIT não está organizado sob a forma de “factos” que permita a sua automática transposição para a sentença, sendo antes uma informação elaborada pelos serviços inspectivos do órgão da execução fiscal, inserida num procedimento administrativo com uma estrutura e uma lógica próprias onde cabem factos, investigações, opiniões, presunções, raciocínios, diligências, conclusões, etc.
H) Pelo que, ficou a Recorrente sem saber, com clareza e objectividade, quais os factos provados e não provados, apenas se vendo confrontada, de novo, desta feita pela douta sentença recorrida, com a amálgama incontrolada e indiscriminada, sem nexo lógico ou temporal, das investigações, opiniões, presunções, meros raciocínios, diligências, conclusões do inspector tributário, Nuno ………………………….. (testemunha do processo e autor do RIT), relativamente a operações que este considerou simuladas, e que disseminou no RIT que elaborou na sequência da inspecção tributária aos exercícios da Recorrente dos anos de 2002, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007 e 2008, em sede de IRC e IVA.
I) Secundando o Acórdão do TCAN de 28-01-2016, acima citado, que aqui, salvo o devido respeito, se impõe reproduzir: A prática de verter nos factos provados o conteúdo do relatório da inspecção é uma prática censurável que não cumpre dever de seleção da matéria de facto que deve constar na sentença.
Processualmente é tão errado dar como reproduzidos documentos que constem do processo, como reproduzi-los integralmente sem indicar – discriminar, especificar –, os factos que esses documentos comprovam.
Se o juiz entender que o relatório contém factos que uma vez provados relevam para a decisão (o que sucede na maioria das vezes), deverá cuidadosamente selecioná-los (e só os factos!) descriminando-os por alíneas ou números, refletindo deste modo o dever que a lei impõe às partes na dedução dos factos por artigos (art.º 147º/2; 552º/d) CPC e 108º/1 do CPPT).”
J) É, indiscutivelmente, nula a sentença recorrida por omissão relevante de factos, pois não só não foram estes especificamente autonomizados na decisão da matéria de facto, como também não se encontram os mesmos referenciados e analisados na discussão jurídica da causa.
K) Quando na análise crítica da prova o Tribunal a quo não demonstrou o empenho exigido na sua explicitação, evidenciando um deficiente grau de convencimento sobre a prova produzida, limitando-se a aderir às conclusões, opiniões, observações ou meros raciocínios da AT e acolhendo na íntegra à “tese” plasmada no RIT (cf. resulta com nitidez de fls. 40 a 43 da sentença recorrida).
L) Ou seja, o que lemos na motivação da douta sentença mais não é do que um relato enfatizado do RIT feito pela Juiz a quo, escudado em fórmulas vazias e transcrições destituídas de qualquer densidade que nada dizem e que nada fundamentam. Pelo que, é forçosa a conclusão que não houve a imprescindível apreciação crítica da prova, sendo nula a sentença recorrida por falta de falta de fundamentação.
M) Dá eco deste entendimento a jurisprudência, podendo citar-se, a título ilustrativo, os Acórdãos do TCAN de 28-01-2016, Proc. n.º 00831/06.8BEPEN, Relatora Paula Moura Teixeira, e de 25-05-2016, Proc. n.º 00724/04.3BEVIS, Relator Mário Rebelo.
N) Por sua vez, no que em concreto diz respeito à prova testemunhal, meio de prova cuja motivação deve ser clara e inequívoca, que pressupõe um maior cuidado, densificação e articulação com os restantes meios de prova realizados” e “não se basta com a indicação da identidade das testemunhas, cujo depoimento assentou a decisão sobre determinada matéria de facto, importa exteriorizar criticamente os aspectos do depoimento prestado que para o juiz se revelaram decisivos para enunciar cada um dos factos que considerou provado ou não provado, sempre sem esquecer a restante prova realizada, que sendo contraditória, por exemplo, deverá ser objecto de menção expressa e tomada de posição.” [CRISTINA FLORA (ob. cit.)]
O) A exigibilidade de menção das razões de ciência consubstancia um princípio processual, constitucionalmente consagrados como a exigência constitucional de um processo justo, (plasmado no artigo 20.º n.º 4 da CRP e concretizado pelo artigo 516.º n.º 1 do CPC), destinando-se a impedir que o sistema de prova livre e livre apreciação da prova, se converta num poder ilimitado e arbitrário do Juiz. Por conseguinte, carece a convicção do juiz de ser enunciada como garante da...

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