Acórdão nº 982/21.9T8PNF.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-05-17

Data de Julgamento17 Maio 2022
Ano2022
Número Acordão982/21.9T8PNF.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. nº 982/21.9T8PNF.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este
Juízo Central Cível de Penafiel - Juiz 2

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
JUNTA FREGUESIA ..., na arrogada qualidade de administradora do baldio melhor identificado na petição veio propor contra AA e mulher BB a presente acção, sob a forma de processo comum, concluindo a final pedindo, sejam condenados os réus:
a) a reconhecerem que o terreno a logradouro comum-baldio com os limites descritos na petição inicial e na planta topográfica, com ela junta como doc. nº 1, onde se encontravam duas presas em pedra (ou represas), uma fonte, uma mina e um tanque em pedra, é baldio da comunidade formada pelos cidadãos (compartes) residentes na área dos lugares da ..., ..., ..., ..., ..., CC, DD e ... da FREGUESIA ... do Concelho de Paredes;
b) a demolirem e retirarem do dito terreno a logradouro comum tudo aquilo com que o ocuparam, ou seja, vedações, muros, construções, pavimentos e outras obras que ali colocaram, restituindo-o à sua primitiva feição, reconstruindo o tanque, as presas, a mina, a fonte e as condutas de escoamento de água, no prazo de 60 dias a contar do trânsito em julgado da sentença;
c) A restituírem à autora e aos compartes a posse do terreno a logradouro comum incluído o tanque, as presas, a mina, a fonte e as condutas de escoamento de água, no prazo de 60 dias a contar do trânsito em julgado da sentença;
d) A absterem-se de praticar quaisquer actos que impeçam a livre fruição e utilização do terreno a logradouro comum descrito;
e) Em sanção pecuniária compulsória de 100,00€ por cada dia de incumprimento dos pedidos formulados supra.
Para fundamentar a respectiva pretensão aduziu a posse comunal da parcela pelos compartes da freguesia desde tempos imemoriais e o apossamento pelos réus desta, mediante a destruição das infra-estruturas fruídas pela comunidade caracterizada no articulado inicial.

Contestaram os réus, concluindo pela improcedência da acção, começando por excepcionar o caso julgado denegatório da pretensão e a falta de legitimidade a autora para a causa, mais impugnando os factos alegados para caracterizar a natureza de baldio aduzida, justificando outrossim a natureza particular e sua da parcela em apreço.

Em sede de saneamento decidiu-se da improcedência das excepções dilatórias convocadas pelos réus, nos termos e com os fundamentos que do despacho respectivo melhor constam, confirmando-se a regularidade da instância e seleccionando-se os factos assentes e controvertidos com interesse para a decisão da causa.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legal.

Foi proferida sentença a julgar a acção improcedente, por não provada, absolvendo os réus dos pedidos e a julgar improcedente a pretensão de condenação da Autora como litigante de má-fé.

A JUNTA DE FREGUESIA ... veio interpor recurso, concluindo:
1-A sentença recorrida depois de concluir que a parcela de terreno em questão nestes autos não integra o prédio dos RR, termina por decidir que se trata de um bem do domínio público - não de um baldio – e por isso julga improcedente por não provada a presente ação.
2-Compreendendo a A./Recorrente que nem sempre a distinção entre o que é domínio público e o que é baldio (domínio coletivo/comunal) é nítida, o certo é que a matéria dada por provada nos presentes autos é manifestamente suficiente para concluir que a parcela em questão é um baldio.
3-Assim não assiste razão ao Tribunal recorrido quando na sentença refere que “ Sempre o uso ou aproveitamento das utilidades relacionadas com a lavagem da roupa e abeberamento/uso da água da fonte não foi referido a uma comunidade de compartes …apenas e só aos moradores do local, vizinhos e aos pacientes de um médico local”
4-É que, ao contrário do que defende a sentença, os cidadãos que utilizam e aproveitam o local em questão nos autos, são uma comunidade de compartes, no conceito de “comparte” ínsito no art. 7º nº 2 da Lei n.º 75/2017, de 17 de Agosto.
5-Importa desde logo recordar o que ficou provado na alíneas H e L dos factos provados isto é que, durante décadas sempre foram os habitantes mais próximos do lugar da ... e os consortes da água represada nos equipamentos ali existentes, que utilizaram e fruíram em proveito próprio do terreno denominado “...” bem como das infraestruturas ali existentes.
6-Ora,nos termos do art.7 nº2 da Lei 75/2017 de 17 de Agosto “ O universo dos compartes é integrado por cidadãos com residência na área onde se situam os correspondentes imóveis, no respeito pelos usos e costumes reconhecidos pelas comunidades locais…”
7-Pelo que o reconhecimento do baldio aqui em questão não está dependente da maior ou menor dimensão da sempre “fluida” comunidade local que é dele titular, sendo certo que no Lugar ... e na vizinhança continua a existir uma “comunidade de compartes”, qualquer que seja o conteúdo que se ofereça a este conceito, uma vez que, de qualquer maneira, aquela comunidade sempre contempla, pelo menos, os moradores do local e vizinhos (alíneas H e L dos factos provados)
8-Não faz por isso qualquer sentido limitar a figura de comparte por uma “régua administrativa”, ainda por mais regendo-se os baldios, não obstante a força da lei, por usos e costumes.
Melhor dizendo,
9-O artigo 2.º alínea a) da Lei 75/2017 de 17 de Agosto dispõe que são Baldios, “os terrenos com as suas partes e equipamentos integrantes, possuídos e geridos por comunidades locais.”
10-Por seu turno, nos termos da alínea c) da mesma norma, ”Comunidade local “é o” conjunto de compartes organizado nos termos da presente lei que possui e gere os baldios e outros meios de produção comunitários.”
11-Compartes “são os titulares dos baldios.”(art. 7 nº 1 da mesma Lei)
12-Assim, as "comunidades locais" a que se refere a Constituição da República Portuguesa são constituídas pelo "universo dos compartes", sendo estes " Os cidadãos com residência na área onde se situam os correspondentes imóveis, no respeito pelos usos e costumes reconhecidos pelas comunidades locais." ..”(art.7 nº 2 da mesma Lei)
13-Portanto, o "universo dos compartes", leia-se as "comunidades locais", tanto podem ser: os moradores de uma freguesia; os moradores de mais do que uma freguesia; os moradores de uma parte de uma freguesia designadamente de um lugar.
14-Significa isto que, para a Lei 75/2017 de 17 de Agosto as "comunidades locais" não têm como limite mínimo territorial "a menor divisão administrativa territorial", ou seja a freguesia. No âmbito daquela lei a correspondência entre a comunidade local e a freguesia é somente uma das hipóteses mas não é a única, nem esta constitui qualquer limite mínimo quanto à área daquela.
Acresce que,
15-Não tem razão o Tribunal recorrido quando na sentença refere que está “Ausente absolutamente a referencia espontânea pelas testemunhas à natureza da parcela como “baldio” e que “É certo que reconduzindo-se as testemunhas à natureza pública da parcela. Mas nunca a referência a “baldio” ou “comunidade de compartes” e sempre nunca a caracterização de uma fruição compatível ou indiciadora dessa natureza. Sempre a mais do uso privatístico da água de rega, o que resultou foi um uso temporalmente datado(a partir da construção das infraestruturas) pela generalidade dos habitantes do lugar e lugares próximos”
Na verdade
16-Esqueceu a sentença recorrida que quando as testemunhas referem que o terreno é público, tal afirmação tem de entender-se “cum grano salis”, pois ao olhos do cidadão comum a distinção entre domínio coletivo/comunal e domínio público não é nítida.
17-E não é nítida tal distinção dado que o conceito de baldio pelo menos nos últimos 70 anos oscilou entre a dominialidade coletiva/comunal e a dominialidade pública
18-Esqueceu por isso o tribunal recorrido que as testemunhas, todas elas com mais de 60 anos, viveram uma boa parte das suas vidas com os baldios sob o domínio público/autárquico, não admirando por isso que venham agora ao tribunal dizer que o terreno é público.
19-E não pode exigir-se às testemunhas, simples cidadãos comuns, que vão mudando a sua terminologia de acordo com as alterações legislativas que vão ocorrendo ao longo dos tempos relativamente ao conceito de baldio.
20-Tanto mais quando expressão "baldio" é um conceito de direito, não bastando a utilização desta palavra para, só por si, que se considere baldio determinado local.
21-Como não pode bastar que as testemunhas digam que o terreno é público para que o tribunal considere como de dominialidade pública do local
22-A tudo isto acresce que, embora a expressão baldio só tenha sido referida por algumas testemunhas, o certo é que na exposição/abaixo assinado(alínea G dos factos provados) datada de 7 de julho de 2018 ao Município de ... os subscritores autodenominaram-se “compartes do baldio”.
23-Não tem razão o Tribunal recorrido quando na sentença refere que “Foi decisivamente, a falta de prova da existência de uma comunidade local com características ancestrais e organizada (apenas e só organizados os consortes da agua), como titular do aproveitamento da parcela e suas utilidades…..Na verdade, a mais da intervenção e gestão das infraestruturas de aproveitamento de águas para rega pelos consortes, prova ausente de qualquer gestão comum (limpeza, cuidado, definição do gozo) da parcela.”
Vejamos,
24-Reitera-se aqui tudo o que quanto à existência e definição de comunidade local atrás ficou exposto e que comprovadamente tem características ancestrais pois existe desde há mais de 70 anos (alínea H dos factos provados) muito embora a ancestralidade não seja um pressuposto para a aquisição pelas comunidades locais de baldios (art.6 nº 1 Lei 75/2017 de 17 de Agosto).
25-Acresce que a organização da utilização e fruição do terreno denominado “...” pela comunidade local resulta desde lodo da ausência de prova de uma
...

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