Acórdão nº 980/20.0T8CVL.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2023-02-07

Ano2023
Número Acordão980/20.0T8CVL.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO LOCAL CÍVEL DA COVILHÃ)

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:


***

I – Relatório

AA, com os sinais dos autos,

intentou ação declarativa condenatória, com processo comum, contra

A... S. A.”, também com os sinais dos autos,

pedindo que seja a demandada condenada a pagar-lhe a quantia total de € 22.250,00, acrescida de juros legais de mora, desde a citação e até efetivo e integral pagamento.

Para o que alegou:

- ter contratado com a R. um “seguro multirriscos habitação”, relativo à sua residência, uma casa de habitação de três pisos, com a área coberta de 146,30 m2 e descoberta de 318,70 m2, seguro esse com cobertura do risco de tempestades, aluimentos de terras, inundações, demolições e remoção de escombros, tendo sido convencionado o valor de € 154.365,00 para o bem seguro e como limite de indemnização;

- em 21/12/2019, na sequência de depressão atmosférica, o logradouro daquele prédio aluiu, devido às chuvas torrenciais então ocorridas, causando danos no pavimento de acesso à garagem (o qual levantou), no anexo/arrecadação que serve de churrasqueira (que ficou sem suporte de terra e em risco de derrocada), em parte do muro de suporte de vedação do prédio (cedeu numa extensão de cerca de 20 metros por 4,5 metros de altura);

- esta situação provocou a insalubridade do edificado, pavimento e muro, impedindo o normal gozo da habitação;

- a R. declinou a responsabilidade pela indemnização dos danos, por entender que ocorre causa de exclusão de responsabilidade;

- a reparação ascende ao custo de € 22.250,00, como peticionado, devendo a R. ser condenada a pagar.

A R. contestou, impugnando diversa factualidade alegada pelo A. e concluindo pela improcedência da ação, para o que invocou:

- não ter o A. contratado a cobertura «Reconstituição de Muros, Portões, Vedações, e Jardins», pelo que não podem considerar-se como parte integrante do edifício – não sendo, por isso, bens seguros – os muros de contenção de terras ou de delimitação e ou separação da propriedade e respetivos portões, bem como os caminhos e outras superfícies asfaltadas, ladrilhadas ou empedradas, os jardins, os campos de jogos, outras instalações recreativas, respetivas vedações, muros e portões;

- por outro lado, o muro invocado encontrava-se desgastado e degradado, para além de não se encontrar construído de modo a exercer as funções de suporte de terras, designadamente, por falta de zona de armadura no seu interior e sistema eficiente de drenagem de águas do solo;

- a queda do muro resultou apenas da sua construção desajustada à sua função, o que também exclui a responsabilidade da seguradora, sendo que também ficaram contratualmente excluídos os danos em construções não inteiramente fechadas ou cobertas, como era o caso da aludida churrasqueira;

- o clausulado contratual exclui a cobertura do seguro, no caso, quanto a tempestades e inundações, atenta a situação e os danos caraterizados pelo A.;

- a cobertura de demolições e remoção de escombros tem um limite de indemnização de 10% dos prejuízos indemnizáveis, com um máximo de € 10.000,00.

O A. exerceu o contraditório, concluindo pela total improcedência da matéria de exceção deduzida pela R., âmbito em que deixou alegado:

- desconhecer, por não ter sido sequer informado, quer a cobertura de “Reconstrução de Muros, Portões, Vedações e Jardins”, quer as condições gerais e especiais que constituem o doc. n.º 3 junto com a contestação, que não lhe foi disponibilizado, tratando-se de cláusulas contratuais gerais, com violação do dever legal de especial esclarecimento (art.º 3.º);

- na eventualidade de ter sido comunicada ao A. esta exclusão, este teria perdido o interesse contratual no seguro (art.º 4.º);

- o A. solicitou expressamente ao mediador o envio das condições da apólice e recebeu apenas um documento que concretiza a proposta de seguro (art.º 5.º).

Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, com enunciação também do objeto do litígio e dos temas da prova.

Produzida prova pericial, teve lugar a audiência final, após o que foi proferida sentença, condenando a R., na parcial procedência da ação, no pagamento ao A.:

«- Da quantia de 11.894,75€ (onze mil, oitocentos e noventa e quatro euros e setenta e cinco cêntimos) + IVA, pela reconstrução do muro, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data de citação da ré até efetivo e integral pagamento;

- Da quantia de 465,00€ (quatrocentos e sessenta e cinco euros) + IVA, pela reparação do pavimento de acesso à garagem, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data de citação da ré até efetivo e integral pagamento.

Absolv[endo] a ré do demais peticionado pelo autor.».

Inconformada, recorre a R. do assim decidido, apresentando alegação, onde formula as seguintes

Conclusões ([1]):

«A. Vem o presente recurso interposto da, aliás douta, sentença do Juízo Local Cível ... (Juiz ...) na parte em que:

• decide que:

o o valor dos danos referentes à reconstrução do muro do A. que colapsou é de 11.894,75€ + IVA;

o o contrato de seguro celebrado entre o A. e a R. e titulado pela Apólice nº ...94 deve garantir a reparação daquele muro e a reparação do pavimento de acesso à garagem do A.;

• conclui que “O autor não foi informado que os muros, portões, vedações, caminhos e outras superfícies asfaltadas, ladrilhadas ou empedradas só seriam considerados parte integrante do imóvel (objeto seguro) se fosse contratada a cobertura de “reconstituição de muros, portões, vedações e jardins”;

• condena a R. no pagamento ao A.:

o “Da quantia de 11.894,75€ (onze mil, oitocentos e noventa e quatro euros e setenta e cinco cêntimos) + IVA, pela reconstrução do muro, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data de citação da ré até efetivo e integral pagamento”;

o “Da quantia de 465,00€ (quatrocentos e sessenta e cinco euros) + IVA, pela reparação do pavimento de acesso à garagem, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data de citação da ré até efetivo e integral pagamento”

B. O Tribunal recorrido deu como provados factos que deveriam ter sido considerados não provados e não considerou provada matéria que resultou demonstrada, não tendo – salvo melhor opinião – apreciado convenientemente a prova produzida;

C. O Tribunal recorrido não analisou nem interpretou adequadamente as condições contratuais aplicáveis ao caso dos autos, nem aplicou correctamente as respectivas cláusulas aos reais factos ocorridos, sendo certo que, se o tivesse feito, acabaria por absolver a R./recorrente de todos os pedidos do A.;

D. Por razões de simplificação e economia processuais, dão-se por integralmente reproduzidos os factos considerados provados na douta sentença recorrida e enumerados em 5. supra;

E. Afigura-se à recorrente existir erro na apreciação da prova por parte do julgador no que respeita ao ponto 16) e ao ponto 28) da “Matéria de facto provada” (ponto 2.1.1 da sentença);

F. Na perspectiva da recorrente, deverá considerar-se provado que:

• “O valor necessário para a reparação dos danos no muro de suporte referido em 8) é de 9.315,80€ + IVA” (conforme definido na perícia realizada nos autos);

• “O A. não contratou a cobertura “Reconstituição de Muros, Portões, Vedações e Jardins” (cfr. artigo 5. da contestação);

• “Não podem considerar-se “como parte integrante do edifício ou fração, os muros de contenção de terras ou de delimitação e ou separação da propriedade e respetivos portões, bem como os caminhos e outras superfícies asfaltadas, ladrilhadas ou empedradas, os jardins, os campos de jogos, outras instalações recreativas, respetivas vedações, muros e portões” (cfr. artigo 6. da contestação);

• “Não constituem “bens seguros” os bens que o A. diz terem ficado danificados, os quais não são, por isso, susceptíveis de integrar o objecto de qualquer indemnização no âmbito do contrato de seguro identificado em 1) [da “Matéria de facto provada”]” (cfr. artigo 7. da contestação);

G. E deverá dar-se como não provado que:

• “A reconstrução do muro de suporte referido em 8), em alvenaria de granito, com uma face à vista, 22,0 m de comprimento e 4,5 m de altura, incluído os trabalhos de escavação, aterro e compactação no tardoz do muro, colocação de tubagem para dreno envolvida em brita e manta geotêxtil, execução de sapata em betão ciclópico, fornecimento, transporte e colocação e travamento de pedras com dimensão superior a 1,5 m3, orça em 11.894,75€ + IVA, valor determinado pela empresa, contratada pelo autor, responsável pela realização das obras” [ponto 16) da “Matéria de facto provada”];

• “O autor não foi informado que os muros, portões, vedações, caminhos e outras superfícies asfaltadas, ladrilhadas ou empedradas só seriam considerados parte integrante do imóvel (objeto seguro) se fosse contratada a cobertura de “reconstituição de muros, portões, vedações e jardins” [ponto 28) da “Matéria de facto provada”].

H. A recorrente pretende que este Venerando Tribunal da Relação vá à procura da sua própria convicção, assim assegurando o exigível e efectivo duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise e à subsequente aplicação do direito;

I. O A. alegou, na petição inicial e quanto à reparação do muro danificado, que:

• “[…] solicitou, em janeiro de 2020 pelo menos dois orçamentos para a reconstrução do muro de alvenaria em pedra e da churrasqueira, tendo o empreiteiro mais económico apresentado a proposta de €11894,75 para a reconstrução do muro […]” (artigo 13º do referido articulado);

• “Para a reparação dos prejuízos causados, são necessários os seguintes montantes pecuniários:

[…]

c) Trabalhos de escavação, construção de alicerces em betão ciclópico e pedra de dimensão igual ou superior a 1,50 m, aterro e compactação das terras a colocar a tardoz do muro, construção do dreno, brita e geotêxtil, transporte e aplicação das alvenarias com construção do muro de 22 m2 de comprimento por 4,50 de altura -...

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