Acórdão nº 975/22.9T8VNF-E.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-03-30

Data de Julgamento30 Março 2023
Ano2023
Número Acordão975/22.9T8VNF-E.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Recorrente: AA
Recorrido BB
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ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

1. Relatório

A 09/02/2022 AA intentou acção declarativa com processo especial requerendo a declaração de insolvência de BB, tendo alegado para o efeito que:
- é portadora de uma letra no valor de € 51.905,00, aceite pelo requerido e entregue à requerente a 10/08/2010;
- não foi aposta na letra qualquer data de vencimento, sendo assim pagável á vista;
- após interpelação para proceder ao pagamento, o requerido não o fez,
- intentou acção executiva contra o requerido sob o n.º 4127/10...., requerendo o pagamento do montante supra referido, acrescido de juros á taxa de 6%;
- na acção executiva foram penhorados dois quinhões hereditários e uma participação social, de que o requerido era titular;
- procedeu-se á tentativa de venda dos referidos bens, mas nunca surgiram interessados nos referidos bens;
- na presente data a divida ascende a € 87.740,78 (€ 51.905,00 de capital e € 35.835,78 de juros vencidos desde 10/08/2010).

O requerido não deduziu oposição.

Por sentença de 11/07/2022 foi declarada a insolvência do requerido.

A 17/08/2022 o insolvente veio requerer a exoneração do passivo restante, alegando para tanto que não existe fundamento para o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante, a actual situação de insolvência resulta de factos alheios à vontade do Requerente e a sua actuação em algum momento constituiu razão do agravamento da sua situação, nunca beneficiou da exoneração do passivo restante, a sua situação não integra nenhuma das hipóteses previstas nas alíneas a) a g) do n.º 1 do artigo 238.º do CIRE, está disposto a observar todas as condições previstas no artigo 239º do CIRE durante os três anos posteriores ao encerramento do processo de insolvência, preenche os requisitos previstos nos artigos 235.º e seguintes do CIRE, vive em união de facto, encontra-se a trabalhar, auferindo aproximadamente € 800,00 mensais, único rendimento disponível uma vez que a sua companheira está desempregada há vários anos, não tem filhos, vive em casa de familiares da companheira, tem despesas fixas mensais de cerca de € 400,00.

A 19/08/2022 o Sr. AI juntou aos autos Relatório nos termos do art.º 155º em que, quanto á exoneração do passivo restante, diz: “… tendo em conta que nada há no sentido de ter […] mantido uma conduta contrária ao Direito, emite-se parecer no sentido que deve ser concedido ao insolvente a possibilidade de após o período de três anos previsto no art.º 239º, n.º 2, do CIRE, se exonere dos compromissos que até então não lhe seja possível saldar (…).

A requerente da insolvência opôs-se à exoneração do passivo invocando, em síntese, que posteriormente à data do vencimento do crédito da requerente – 25/02/2011 – o insolvente contraiu um conjunto de novas dividas que agravaram a garantia geral que é constituída pelo respetivo património, dividas essas relativas à prestação de avais pessoais à sociedade que indica e permitiu o avolumar da dívida à Segurança Social, quando o fez já se encontrava em situação de insolvência, verifica-se a circunstância prevista na alínea d) do n.º 1 do art.º 238º do CIRE, pelo que o pedido de exoneração deve ser liminarmente indeferido.

A10/10/2022 foi proferido despacho que deferiu liminarmente o pedido de exoneração passivo restante.

A requerente da insolvência interpôs recurso, tendo terminado as suas alegações com as seguintes CONCLUSÕES:

a) - No relatório do Exmº. Sr. Administrador de Insolvência, é dito que o insolvente nos últimos três anos exerceu funções de agricultor sociedade “G...- Viveiros, Ldª”, aufere rendimentos no valor de 800,00€ mensais e suporta despesas mensais no valor de 400,00 €.
b) - Consta do mesmo relatório que o Insolvente, depois de vencido o crédito da recorrente, contraiu, em decorrência da prestação de avais pessoais à Sociedade “G...- Viveiros, Ldª”, dividas no montante total de 90.164,42€ entre 25 de Outubro de 2018 e 12 de Outubro de 2020.
c) – Permitiu ainda o avolumar da dívida ao Instituto da Segurança Social, I.P., por contribuições devidas enquanto trabalhador independente de Julho de 2007 a Dezembro de 2020, que atingiu o montante de 30.234,55€.
d) – O insolvente, quando contraiu estas dívidas e permitiu o agravamento do seu passivo junto da Segurança Social, já se encontrava em situação de insolvência.
e) – O Insolvente já se encontrava à data impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, estando assim em situação de insolvência, nos termos do artigo 3º, n.º 1do CIRE.
f) – O Insolvente sabia, ou não podia ignorar sem culpa grave, que estava em situação de insolvência e que não existia perspectiva séria de melhoria da sua situação.
g) – Ao não se apresentar atempadamente à insolvência, o Insolvente causou sérios prejuízos aos credores, entre os quais a aqui Recorrente.
h) – Ao abster-se de se apresentar à insolvência, o Insolvente causou um prejuízo aos credores cujos créditos foram constituídos após 25/02/2011 e à recorrente, uma vez que provocou um agravamento ao já avultado passivo e por consequência uma diminuição da sua garantia patrimonial.
i) . mostra-se verificada a circunstância prevista na alínea d) do n.º 1, do artigo 238º do CIRE, pelo que o pedido de exoneração deveria ter sido liminarmente indeferido.

O recorrido contra-alegou, tendo concluído as suas alegações com as seguintes conclusões:

1) A douta decisão recorrida fez correcta aplicação do direito e perfeita interpretação das normas jurídicas.
2) Como tal, não merece a decisão em sindicância qualquer censura, devendo ser confirmada.

2. Questões a decidir

O objecto do recurso, é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (art.ºs 608º n.º 2, 609º, 635º n.º 4, 637º n.º 2 e 639º n.ºs 1 e 2 do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.

A questão a decidir é se verifica a causa de indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante prevista na alínea d) do n.º 1 do art.º 238º do CIRE.
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3. Fundamentação de facto
3.1. Consta da decisão recorrida que:

“Dos documentos juntos aos autos, bem como do relatório do apresentado pela sra. administradora de insolvência, resultaram provados os seguintes factos com relevo para a decisão do incidente:

 Vive em união de facto, em casa da companheira;
 O devedor exerce as funções de agricultor na sociedade “G...- Viveiros, Lda”, onde aufere cerca de € 798,94 mensais e tem despesas de cerca € 400,00;
 A requerente da insolvência é dona de uma letra no valor de € 51.905,00, aceite pelo insolvente em 10/08/2010;
 Aquele título não foi pago pelo devedor, tendo sido instaurada uma execução que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ... – ... N. Famalicão Juiz ..., com o n.º 4127/10....;
 O insolvente tem ainda dívidas resultantes de avais prestados à sociedade “G...- Viveiros, Lda”, da qual é detentor de uma quota social;
 Não tem antecedentes criminais.
 Foram reclamados os seguintes créditos:

3.2. Além disso verifica-se:
3.2.1. no apenso de Reclamação de créditos:

- A ora recorrente impugnou a lista de créditos apresentada pelo Sr. AI, no que respeita ao crédito do Instituto de Segurança Social, IP no valor de € 30.234,55.
- O ISS, IP veio responder considerando que devem ser reconhecidos os créditos reclamados entre o mês de agosto de 2017 e junho de 2022.
- A 03/01/2023 foi proferida sentença que decidiu:
Assim, julgo parcialmente procedente a impugnação e considero prescritos os créditos reclamados pelo ISS, IP anteriores a Agosto de 2017.
- A aqui recorrente interpôs recurso da referida sentença.

3.2.2. no apenso de Apreensão de bens:

- O Sr. AI juntou Auto de apreensão de bens, onde consta que foram apreendidos os seguintes bens:
- Verba n.º 1 - Quinhão hereditário pertencente ao insolvente BB na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito do seu pai CC, a qual é constituída por 40 prédios rústicos, com o valor patrimonial tributário total de € 2.109,88 e um prédio urbano com o valor patrimonial de € 32.429,25
- Verba n.º 2 - Metade indivisa de um prédio rústico, com o valor patrimonial tributário de € 174,92
- Verba n.º 3 - Quota no valor nominal de € 25.000,00 na sociedade “G...- Viveiros, Lda”, com o capital social de € 50.000,00;
- Verba n.º 4 - 70 ações representativas do capital social do ..., no valor de € 259,00.

4. Direito
- Enquadramento jurídico da exoneração do passivo restante -

Dispõe o art.º 235º do CIRE:
Se o devedor for uma pessoa singular pode ser-lhe concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos três anos posteriores ao encerramento deste, nos termos do presente capítulo.

Na exposição de motivos do DL 53/2004, de 18 de Março e que aprovou o CIRE, refere-se no ponto 45:
“O Código conjuga de forma inovadora o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica. O princípio do fresh start para as pessoas singulares de boa fé incorridas em situação de insolvência, tão difundido nos ..., e recentemente incorporado na legislação alemã da insolvência, é agora também acolhido entre nós, através do regime da exoneração do passivo restante.
O princípio geral nesta matéria é o de poder ser concedida ao devedor pessoa singular a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento...

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