Acórdão nº 974/21.8T8PFR.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 17-05-2022
Data de Julgamento | 17 Maio 2022 |
Ano | 2022 |
Número Acordão | 974/21.8T8PFR.P1 |
Órgão | Tribunal da Relação do Porto |
PROC. 974/21.8T8PFR.E.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este
Juízo Local Cível de Paços de Ferreira
REL. N.º 675
Relator: Rui Moreira
Adjuntos: João Diogo Rodrigues
Anabela Andrade Miranda
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
1- RELATÓRIO
X ..., com sede na Rua ..., Paços de Ferreira, intentou acção em processo comum contra AA, residente na Avenida ..., Paços de Ferreira, alegando ser proprietária do prédio urbano que a ré ocupa, por este lhe ter sido arrendado pela respectiva usufrutuária, assim constituída por usufruto vitalício. Mais alegou que esse arrendamento se extinguiu, após a morte da usufrutuária, por oposição à renovação que lhe dirigiu. Porém, a ré não lhe devolve o locado.
Formulou, por isso, os seguintes pedidos:
a) Seja decretado o despejo da Ré;
b) Ser a Ré condenada a proceder à imediata entrega do imóvel à Autora;
c) Ser a Ré condenada a pagar à Autor a quantia de €1.000,00 a título do diferencial entre a quantia paga desde a cessação do contrato e o valor correspondente ao dobro da renda mensal pelo período decorrido entre a data da cessação e a presente data;
d) Ser a Ré condenada a pagar à Autora o valor correspondente ao dobro da renda desde a entrada da acção até à efectiva entrega do imóvel;
e) Ser a Ré condenada em custas e encargos processuais por aos mesmos ter dado causa.
A ré, contestou, alegando que, com o falecimento da usufrutuária-locadora, se constituiu uma nova relação locatícia e a conduta da autora configura um abuso do direito. Pediu a improcedência da acção e a condenação da autora como litigante de má fé, por deduzir pretensão cuja falta de fundamente conhece.
O processo foi saneado e, depois de ouvidas as partes, por ter sido considerado inexistirem factos controvertidos, passou o tribunal a decidir do mérito da causa. Assim, proferiu sentença nos termos da qual julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência:
1. Decretou o despejo da ré, ordenando a entrega imediata, à autora, do imóvel correspondente ao prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º …./20..., composto por casa de loja e andar telhada com quintal.
2. Condenou a ré a pagar à autora uma indemnização correspondente ao valor da renda mensal desde a propositura da presente acção até à data da entrega efectiva do imóvel.
3. Condenou a autora e a ré no pagamento das custas processuais na medida dos respectivos decaimentos, fixados, para a autora, em 5%, e, para a ré, em 95%,
4. Julgou inexistir litigância de má fé, por parte da autora.
É desta decisão que vem interposto recurso, pela ré, que o termina formulando as seguintes conclusões:
A. É manifesta a má-fé que subjaz à litigância da X ... de Paços de Ferreira, porquanto:
B. Bolsou, ao longo do seu petitório, argumentos e alegações frontalmente contraditórios e incoerentes – ora no sentido da caducidade do contrato de arrendamento primitivo, ora no sentido da sua renovação – o que, como é óbvio, geraria conclusões divergentes.
C. Isto porque, se aquele contrato se renovou, mantém-se necessariamente o seu primitivo conteúdo – situação que não ocorreria caso a relação arrendatícia houvesse cessado e uma nova relação jurídica se houvesse gerado (o que não se concebe nem aceita).
CONTUDO,
D. Ainda que a X ... advogue que se gerou uma nova relação arrendatícia e que, em 26/09/2019, se opôs regularmente à renovação do contrato – tese verdadeiramente errónea, na perspetiva da Recorrente – a verdade é que, mesmo após o envio da missiva (doc. 3 do petitório), em que pretensamente se opunha à renovação do contrato de arrendamento - a locadora aceitou o valor relativo às rendas de fevereiro de 2020 (data em que supostamente o contrato se renovaria), até ao presente (fevereiro de 2022).
E. Ora, considera a Recorrente que no mês de fevereiro de 2020, pela continuidade de aceitação das rendas, se celebrou um novo contrato de arrendamento, o qual até ao momento se renovou automaticamente, não tendo a locadora nunca exercido a faculdade de oposição à renovação.
F. Porém, deste facto fez o Tribunal a quo absoluta tábua rasa, ignorando sem mais os requisitos legalmente exigidos pelo disposto no artigo 1055.º do C. Civil, decidindo assim pelo despejo da Recorrente.
G. Este facto consubstancia uma clara manutenção do vínculo jurídico-arrendatício que liga as Partes ou, em último caso, a celebração de um novo contrato de arrendamento.
ASSIM,
H. A Apelante considera que a atuação da X ... se reconduz a manifesta situação de “venire contra factum proprium” – uma vez que num primeiro momento decidiu opor-se à renovação do contrato e, posteriormente, aceitou tacitamente a manutenção do mesmo.
I. Desta forma, deverá a oposição à renovação ser considerada sem efeito e a Autora condenada em litigância de má-fé, nos termos do artigo 542.º do C.P. Civil.
J. Decidindo de forma diversa, o Tribunal a quo violou, entre outras, as disposições constantes do artigo 1055º do C.Civil e do artigo 542º do C.P.Civil,
K. Tendo violado ainda o dever de fundamentação da decisão, o que, em todo o caso, constitui causa de nulidade da decisão proferida em primeira instância, atento o disposto nos artigos 154.º e 615.º/1,...
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este
Juízo Local Cível de Paços de Ferreira
REL. N.º 675
Relator: Rui Moreira
Adjuntos: João Diogo Rodrigues
Anabela Andrade Miranda
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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
1- RELATÓRIO
X ..., com sede na Rua ..., Paços de Ferreira, intentou acção em processo comum contra AA, residente na Avenida ..., Paços de Ferreira, alegando ser proprietária do prédio urbano que a ré ocupa, por este lhe ter sido arrendado pela respectiva usufrutuária, assim constituída por usufruto vitalício. Mais alegou que esse arrendamento se extinguiu, após a morte da usufrutuária, por oposição à renovação que lhe dirigiu. Porém, a ré não lhe devolve o locado.
Formulou, por isso, os seguintes pedidos:
a) Seja decretado o despejo da Ré;
b) Ser a Ré condenada a proceder à imediata entrega do imóvel à Autora;
c) Ser a Ré condenada a pagar à Autor a quantia de €1.000,00 a título do diferencial entre a quantia paga desde a cessação do contrato e o valor correspondente ao dobro da renda mensal pelo período decorrido entre a data da cessação e a presente data;
d) Ser a Ré condenada a pagar à Autora o valor correspondente ao dobro da renda desde a entrada da acção até à efectiva entrega do imóvel;
e) Ser a Ré condenada em custas e encargos processuais por aos mesmos ter dado causa.
A ré, contestou, alegando que, com o falecimento da usufrutuária-locadora, se constituiu uma nova relação locatícia e a conduta da autora configura um abuso do direito. Pediu a improcedência da acção e a condenação da autora como litigante de má fé, por deduzir pretensão cuja falta de fundamente conhece.
O processo foi saneado e, depois de ouvidas as partes, por ter sido considerado inexistirem factos controvertidos, passou o tribunal a decidir do mérito da causa. Assim, proferiu sentença nos termos da qual julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência:
1. Decretou o despejo da ré, ordenando a entrega imediata, à autora, do imóvel correspondente ao prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º …./20..., composto por casa de loja e andar telhada com quintal.
2. Condenou a ré a pagar à autora uma indemnização correspondente ao valor da renda mensal desde a propositura da presente acção até à data da entrega efectiva do imóvel.
3. Condenou a autora e a ré no pagamento das custas processuais na medida dos respectivos decaimentos, fixados, para a autora, em 5%, e, para a ré, em 95%,
4. Julgou inexistir litigância de má fé, por parte da autora.
É desta decisão que vem interposto recurso, pela ré, que o termina formulando as seguintes conclusões:
A. É manifesta a má-fé que subjaz à litigância da X ... de Paços de Ferreira, porquanto:
B. Bolsou, ao longo do seu petitório, argumentos e alegações frontalmente contraditórios e incoerentes – ora no sentido da caducidade do contrato de arrendamento primitivo, ora no sentido da sua renovação – o que, como é óbvio, geraria conclusões divergentes.
C. Isto porque, se aquele contrato se renovou, mantém-se necessariamente o seu primitivo conteúdo – situação que não ocorreria caso a relação arrendatícia houvesse cessado e uma nova relação jurídica se houvesse gerado (o que não se concebe nem aceita).
CONTUDO,
D. Ainda que a X ... advogue que se gerou uma nova relação arrendatícia e que, em 26/09/2019, se opôs regularmente à renovação do contrato – tese verdadeiramente errónea, na perspetiva da Recorrente – a verdade é que, mesmo após o envio da missiva (doc. 3 do petitório), em que pretensamente se opunha à renovação do contrato de arrendamento - a locadora aceitou o valor relativo às rendas de fevereiro de 2020 (data em que supostamente o contrato se renovaria), até ao presente (fevereiro de 2022).
E. Ora, considera a Recorrente que no mês de fevereiro de 2020, pela continuidade de aceitação das rendas, se celebrou um novo contrato de arrendamento, o qual até ao momento se renovou automaticamente, não tendo a locadora nunca exercido a faculdade de oposição à renovação.
F. Porém, deste facto fez o Tribunal a quo absoluta tábua rasa, ignorando sem mais os requisitos legalmente exigidos pelo disposto no artigo 1055.º do C. Civil, decidindo assim pelo despejo da Recorrente.
G. Este facto consubstancia uma clara manutenção do vínculo jurídico-arrendatício que liga as Partes ou, em último caso, a celebração de um novo contrato de arrendamento.
ASSIM,
H. A Apelante considera que a atuação da X ... se reconduz a manifesta situação de “venire contra factum proprium” – uma vez que num primeiro momento decidiu opor-se à renovação do contrato e, posteriormente, aceitou tacitamente a manutenção do mesmo.
I. Desta forma, deverá a oposição à renovação ser considerada sem efeito e a Autora condenada em litigância de má-fé, nos termos do artigo 542.º do C.P. Civil.
J. Decidindo de forma diversa, o Tribunal a quo violou, entre outras, as disposições constantes do artigo 1055º do C.Civil e do artigo 542º do C.P.Civil,
K. Tendo violado ainda o dever de fundamentação da decisão, o que, em todo o caso, constitui causa de nulidade da decisão proferida em primeira instância, atento o disposto nos artigos 154.º e 615.º/1,...
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