Acórdão nº 973/18.7T8MTS.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-10-11

Ano2022
Número Acordão973/18.7T8MTS.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Apelação
Processo n.º 973/18.7 T8MTS.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Cível de Matosinhos – Juiz 2

Recorrentes – AA e BB
Recorrida – CC

Relatora – Anabela Dias da Silva
Adjuntos – Desemb. Ana Lucinda Cabral
Desemb. Rodrigues Pires



Acordam no Tribunal da Relação do Porto (1.ª secção cível)

ICC, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de DD, instaurou no Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Cível de Matosinhos a presente acção declarativa, com processo comum, contra AA e BB, pedindo que seja reconhecida a falecida como única proprietária do montante total depositado na conta bancária da qual os réus, na qualidade de titulares, procederam à transferência de €36.548,00 e, consequentemente, sejam os réus condenados:
a) A restituir à herança de que a autora é beneficiária, a quantia de €28.048,61;
b) A pagar os juros de mora vencidos desde a data em que procederam à transferência e até à data da propositura da acção;
c) Os vincendos até ao efectivo e integral pagamento; à taxa de juros legal em vigor.
Para tanto, alegou em síntese que é herdeira e cabeça de casal da herança de DD, por a mesma ter outorgado testamento a seu favor e a favor dos seus filhos. Mais alegou que a autora do testamento era titular de várias contas no Banco 1... que, face à sua idade e dificuldades de mobilidade, aquela em 2015 aditou a uma dessas contas os réus, em quem confiava por serem seus amigos. Daí em 18.09.2015 os réus transferiram o montante de €36.548,61, que pertencia exclusivamente a DD para uma conta destes, sem autorização daquela. Pelo que quando a referida DD tomou conhecimento desse facto, solicitou que lhe devolvessem o dinheiro, o que eles fizeram em parte, abatendo ao montante €7.655,98, liquidando o IRS da falecida de 2015.
Mais alegou que a referida DD interpelou várias vezes os réus para lhe devolverem o restante dinheiro, o que estes não fizeram.
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Pessoal e regularmente citados, os réus vieram contestar, pedindo a improcedência da acção.
Para tanto, começaram por invocar a ilegitimidade substantiva da autora para a propositura da acção, por o montante peticionado não fazer parte da herança.
Mais alegaram que a conta bancária em causa era solidária e era movimentada a crédito e a débito por cada um dos seus titulares e que nunca careceram do auxílio de DD, que por força de doença da ré, os réus ficaram com mobilidade reduzida, ficando impossibilitados de visitar e manter o frequente relacionamento que tinham com a referida DD e que foi nesse contexto que aquela lhes doou a quantia de €36.548,61, que transferiu em 18.09.2015 dessa conta solidária e, finalmente que a doadora nunca lhes manifestou a intenção de reaver esse dinheiro.
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A autora respondeu pugnando pela sua legitimidade, como cabeça de casal, com vista à cobrança das dívidas activas da herança e mantendo a versão dos factos apresentada na petição inicial, aduzindo ainda que foi pela perda de confiança nos réus, por lhe não terem devolvido o seu dinheiro, que esta revogou o testamento que havia feito a favor dos mesmos, pelo que, caso esta pretendesse doar-lhes esse dinheiro o teria referido no seu testamento.
Finalmente pediu a condenação dos réus como litigantes de má-fé.
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Foi dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador, sem selecção de temas de prova.
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Realizou-se a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença de onde consta: “Face ao exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente por provada e, em consequência:
1 – Condeno os réus:
a) a restituírem à herança de DD, de que a autora é herdeira, a quantia de €28.048,61;
b) a pagarem à referida herança juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, sobre a quantia referida em a), desde 06.12.2015, até efectivo e integral pagamento.
2 – Absolvo os réus do mais que lhes foi peticionado.
Custas por autora e réus na proporção de 2% pela autora e 98% pelos réus por ser esta a proporção dos respectivos decaimentos – art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.Civil (…)”.
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Inconformados com esta decisão, dela vieram os réus recorrer de apelação pedindo a sua revogação e substituição por outra que julgue a acção totalmente improcedente absolva os réus do pedido.
Os apelantes juntaram aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes conclusões:
1. Segundo o art.º 607.º, 4 C.P.Civil “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou pelas regras da experiência.”;
2. A sentença apelada foi sustentada em manifesto erro de apreciação da prova produzida nos autos, quer a documental, quer a testemunhal, não tendo a 1.ª instância analisado devidamente, de forma crítica e correcta, a prova ao seu alcance, dessa forma violando a norma processual referida na 1.ª conclusão;
3. Foi a violação referida na 2.ª conclusão que motivou a resposta errada da 1.ª instância à matéria de facto que consta dos pontos 14, 19, 23, 24 e 36 dos factos provados e das alíneas m), n), r), s) e t) dos factos tidos como não provados tendo ocorrido erro de julgamento;
4. Se bem analisada a prova produzida nos autos, deverá ser alterada a resposta dada pela 1.ª instância à matéria de facto anteriormente identificada da seguinte forma:
a) a resposta aos factos dos pontos 14, 23 e 24 considerados provados deve ser alterada para não provados;
b) na resposta ao facto do ponto 19 considerado provado devem ser suprimidos os vocábulos “Por essa razão”, apenas se considerando provado que “Os réus, amigos de longa data e pessoas da inteira confiança da falecida, passaram a ser co-titulares da conta bancária.”;
c) o facto do ponto 36 considerado provado está conexionado com o facto dado como não provado na alínea m) da douta sentença, devendo ser alterada a resposta àquele facto do ponto 36 que deve englobar o facto da alínea m), devendo ser considerado provado que “os réus pagaram o IRS do ano de 2014 da responsabilidade da D. DD no valor de €7.655,98 cuja data limite de pagamento ocorreu em 31 de Agosto de 2015.”;
d) em virtude do referido na alínea anterior, deve ser suprimida a alínea m) dos factos dados como não provados na douta sentença em crise;
e) a resposta não provado ao facto constante da alínea n) deve ser alterada para provado que “Os réus também incrementaram a dita conta com depósitos por eles feitos com o seu dinheiro, embora em pequenos montantes.”;
f) a resposta não provado aos factos constantes das alíneas r), s), t) deve ser alterada para provado.
5. Alterando-se – como se espera e confia - a resposta à matéria de facto dada como não provada pela 1.ª instância à matéria de facto das alíneas r), s), t) e considerando este Venerando Tribunal a mesma provada, resulta que a D. DD doou aos seus amigos AA e BB, réus/recorrentes, em 18.09.2015, a quantia de €36.548,61, por meio de transferência bancária de uma conta solidária que mantinha com aqueles seus amigos no Banco 1..., balcão ..., para uma conta bancária de que os réus/recorrentes eram titulares únicos;
6. De acordo com o disposto no art.º 940.º C.Civil a “doação é o contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito … em benefício de outro contraente.”
7. Nos termos do art.º 954.º do mesmo diploma, os efeitos essenciais da doação são, nomeadamente, a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito;
8. De acordo com o disposto no art.º 947.º, 2. C.Civil “A doação de coisas móveis não depende de formalidade alguma externa, quando acompanhada de tradição da coisa doada; não sendo acompanhada de tradição da coisa, só pode ser feita por escrito.”
9. A doação é, assim, um meio translativo da propriedade da coisa ou do direito doados (art.º 954.º a) C.Civil);
10. No caso, com a doação a D. DD de 18.09.2015 ela pretendeu beneficiar os réus/recorrentes, seus amigos, um ano antes de ter feito o testamento a favor da autora (12.10.2016) e um ano e meio antes da sua morte (08.02.2017);
11. Nada impedia que a referida D. DD dispusesse dos seus bens próprios, tanto mais que a doadora não tinha herdeiros na linha recta (ascendentes ou descendentes), nem na linha colateral, não havendo, por isso, herdeiros legitimários, não se colocando in casu a questão da colação, ou seja, a restituição à massa da herança das liberalidades recebidas por alguns herdeiros em vida do autor da herança (art.º 2104.º C.Civil).
12. Tão pouco o valor doado em vida aos réus/recorrentes tem cabimento no art.º 2069.º d) C.Civil, pois que tal preceito apenas faz incluir no âmbito da herança todos os frutos percebidos desde a data da abertura da herança até à realização da partilha provenientes dos bens da própria herança e que por isso fazem parte da massa hereditária, sendo administrados pelo cabeça-de-casal (art.º 2087.º C.Civil).
13. Por outro lado, não foi objecto da acção a questão de eventual vício de vontade de que a referida doação sofra, não tendo sido invocada a nulidade de tal acto (art.ºs 285.º, 286.º e 292.º C.Civil).
14. O valor doado em 18.09.2015 não faz parte do acervo de bens deixados por óbito de D. DD ocorrido em 08.02.2017, uma vez que a sucessão se abre no momento da morte do seu autor (art.º 2031.º C.Civil), sendo a herança composta pelos bens deixados à data da morte (2162.º, 1. C.Civil), sendo que o herdeiro ou o legatário só à morte do autor adquire um verdadeiro direito sobre os bens
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