Acórdão nº 9717/20.2T8LSB.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-05-24

Data de Julgamento24 Maio 2022
Ano2022
Número Acordão9717/20.2T8LSB.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
1. A, na qualidade de único e universal herdeiro da herança deixada por óbito de sua mãe, LPR__.., e sua mulher, B intentaram a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra Caixa Geral de Depósitos, SA alegando que a R. não cumpriu o contrato de depósito bancário celebrado com a mãe do Autor, porquanto não observou as formalidades legais no âmbito de levantamento de quantia efectuado por esta, o que lhes causou um dano patrimonial, uma vez que, por via sucessória, ficaram desapossados da dita quantia de € 90.000,00.
Terminam pedindo a condenação da R. a pagar-lhes a quantia de € 90.000,00, acrescida de juros de mora vencidos, à taxa legal, desde a data de levantamento do numerário - 12 de Julho de 2019 -, no valor de € 2.929,32, e vincendos até efectivo e integral pagamento.
2. A R. contestou, alegando a excepção de ilegitimidade e impugnando a factualidade alegada na petição inicial, requerendo que, para o caso de ser declarada a nulidade da operação de levantamento em causa, sejam os AA. condenados por si e na qualidade de herdeiros de LPR__… a proceder à devolução da quantia de € 90.000,00 com data valor de 12/07/2019, acrescida dos juros devidos.
3. Em réplica, os AA. reiteraram os termos da petição inicial.
4. Foi proferido despacho saneador, julgando improcedente a excepção de ilegitimidade e fixando-se o objecto do litígio e os temas de prova.
5. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tendo sido proferida sentença julgando o pedido improcedente.
6. Inconformados, os AA. recorrem desta sentença, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões (consigna-se que se procedeu à alteração da palavra “fato” para “facto” por essa ser a grafia correcta - para mais informações veja-se https://www.infopedia.pt/apoio/artigos/$facto-ou-fato, - mantendo-se no mais a opção dos apelantes na utilização do novo acordo ortográfico):
“1. Os ora recorrentes, inconformados com a douta sentença proferida nos presentes autos, que absolveu a ré, ora recorrida, do pedido, vêm apresentar o presente recurso de apelação, que tem como objeto:
Impugnação da matéria de facto dada como provada e não provada e ampliação da matéria de facto;
Impugnação da Matéria de Direito - Errónea subsunção jurídica dos factos ao direito vigente, por errada aplicação e interpretação de diversas disposições legais.
2. Os recorrentes sufragam do entendimento que andou mal o Tribunal "a quo", ao dar como provado o facto descrito no Ponto 16, da factualidade provada, pelo que está, incorretamente, julgado, impondo-se decisão diversa.
3. Da leitura da sentença recorrida resultam contradições, na decisão sobre a matéria de facto, nomeadamente entre o vertido no ponto 5 e o vertido no ponto 16 dos factos provados (fundamentos de facto).
4. Não se pode considerar provado, sem se incorrer em contradição, que a Senhora LPR__…. “não sabia fazer cálculos matemáticos de somar, subtrair, multiplicar ou dividir porque não conhecia os algarismos, desconhecendo o valor nominal das notas e moedas” (ponto 5) e, simultaneamente, considerar-se também provado que “LRP sempre demonstrou ter capacidade cognitiva e autonomia de decisão relativamente às quantias que levantava e que depositava” (ponto 16).
5. Cremos que a sentença recorrida pretende cindir duas realidades que não podem ser dissociadas uma da outra e, ao fazê-lo, entrou em clara contradição, verificando-se atropelo às regras da lógica e da experiência comum.
6. Por conseguinte, tendo por referência o constante do ponto 5 da factualidade provada, deveria constar do ponto 16, da factualidade provada o seguinte: LPR__… não demonstrava ter capacidade cognitiva e autonomia de decisão relativamente às quantias que levantava e que depositava.
7. Por outro lado, ao dar como provado o constante do já mencionado ponto 5, deveria o Tribunal “a quo”, ter dado também como provados, os seguintes factos, que, foram considerados como não provados: c) padecia de anomalias do ponto de vista cognitivo que a impediam de avaliar corretamente o significado e as consequências de operações bancárias que implicassem levantamentos em numerário de quantias elevadas; d) não apresentava capacidade de decisão autónoma com vista ao levantamento em numerário de quantias elevadas; e) correndo sérios riscos de o esbanjar, praticando atos de dissipação, de despesas desproporcionadas aos rendimentos, improdutivas e injustificáveis, ou de o entregar nas mãos de desconhecidos; l) embora não fosse considerada civilmente incapaz para a prática dos atos da vida civil, é indiscutível que não possuía conhecimentos suficientes para compreender a operação que estava a realizar, de modo a concretizar o princípio da autonomia da vontade.
8. Resulta das regras da experiência comum que, quem não sabe fazer cálculos matemáticos de somar, subtrair, multiplicar ou dividir porque não conhece os algarismos desconhecendo também o valor nominal das notas e moedas, não se encontra habilitado, preparado e apto a tomar uma decisão autónoma, independente, esclarecida e responsável, consubstanciada numa operação bancária de levantamento, em numerário, do valor de 90.000,00€, assim como, é indiscutível que não possui conhecimentos suficientes para compreender uma operação desta natureza, correndo sérios riscos de o esbanjar, praticando atos de dissipação, de despesas desproporcionadas aos rendimentos, improdutivas e injustificáveis, ou de o entregar nas mãos de desconhecidos.
9. Atendendo às regras de experiência comum, conjugadas com os depoimentos das testemunhas dos recorrentes, Zizina ….., Augusto ……, António …… e Maria ……, é padrão do homem médio que, não sabendo fazer cálculos matemáticos de somar, subtrair, multiplicar ou dividir porque não conhece os algarismos desconhecendo também o valor nominal das notas e moedas, não denota nem apresenta capacidade de decisão autónoma com vista ao levantamento em numerário de quantias elevadas assim como a impedem de avaliar corretamente o significado e as consequências de operações bancárias que impliquem levantamentos em numerário de quantias elevadas, por conseguinte correndo sérios riscos de o esbanjar, praticando atos de dissipação, de despesas desproporcionadas aos rendimentos, improdutivas e injustificáveis, ou de o entregar nas mãos de desconhecidos, podendo concluir-se que é indiscutível que não possuí conhecimentos suficientes para compreender a operação que estava a realizar, de modo a concretizar o princípio da autonomia da vontade.
10. Poderá extrair-se, com meridiana clareza, do facto material, provado no ponto 5, que serve de ponto de partida, as ilações que deles sejam decorrência lógica, ou seja, o vertido nas alíneas c), d), e) e l) da factualidade não provada, ou seja, considerando o facto provado no ponto 5, presume-se, através das regras da experiência e do normal acontecer, que estão verificados os factos constantes das apontadas alíneas c), d), e) e l) da factualidade não provada.
11. A apreciação da prova tem de alicerçar-se num processo lógico-racional, de que resultem objetivados, à luz das máximas de experiência, do senso comum, de razoabilidade e dos conhecimentos técnicos e científicos, o que, salvo o devido respeito, que é muito, não foi cumprido neste segmento da sentença.
12. Pelo que, ao segmento dos factos provados deverá ser aditada, a seguinte factualidade:
c) padecia de anomalias do ponto de vista cognitivo que a impediam de avaliar corretamente o significado e as consequências de operações bancárias que implicassem levantamentos em numerário de quantias elevadas; d) não apresentava capacidade de decisão autónoma com vista ao levantamento em numerário de quantias elevadas e) correndo sérios riscos de o esbanjar, praticando atos de dissipação, de despesas desproporcionadas aos rendimentos, improdutivas e injustificáveis, ou de o entregar nas mãos de desconhecidos; l) embora não fosse considerada civilmente incapaz para a prática dos atos da vida civil, é indiscutível que não possuía conhecimentos suficientes para compreender a operação que estava a realizar, de modo a concretizar o princípio da autonomia da vontade.
13. Do ponto 14, da matéria factual provada flui, para além do mais, que … LPR__… compareceu presencialmente no balcão da agência, acompanhada por outra pessoa do sexo feminino …
14. Na temática conexionada com o facto da Senhora LPR__… se fazer acompanhar por outra pessoa do sexo feminino, foi notória a memória seletiva demonstrada por todas as testemunhas da recorrida, em sede de depoimento, em audiência de discussão e julgamento, pois recordaram todos os pormenores da operação de levantamento em numerário, exceto a pessoa que acompanhava a Senhora LPR__….
15. Para este efeito, remetemos para as transcrições das passagens de registo áudio, descritas nas alegações do presente recurso, atinentes a todas as testemunhas da recorrida, bem elucidativas da memória seletiva demonstrada pelas mesmas.
16. Este desconhecimento, transversal a todas as testemunhas, não poderá ser ignorado ou desvalorizado pelo Tribunal, atenta a prova que foi feita sobre as características da Senhora LPR__… (cfr. ponto 5 da factualidade provada) e a pretensão deduzida pelos recorrentes nos presentes autos.
17. O cabal esclarecimento do apontado facto pode reconfigurar a matéria de facto provada, e consequentemente conduzir o Tribunal à tomada de uma decisão oposta à proferida na sentença ora recorrida, ou seja, poderá ter sido afetada a congruência factual subjacente ao litígio e, com isso, tenha sido inviabilizada a correta aplicação do direito.
18. Os poderes probatórios do juiz são-lhe conferidos pela lei processual tendo em vista uma finalidade concreta que o artigo 411º do CPC refere expressamente: o apuramento da verdade e a justa
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