Acórdão nº 97/21.0 BELRA de Tribunal Central Administrativo Sul, 2023-10-12

Ano2023
Número Acordão97/21.0 BELRA
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:


I. RELATÓRIO
A V… - Associação I… (Recorrente) vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Leiria em 22/04/2021 que, no âmbito da ação de contencioso pré-contratual proposta por A… - Ambiente e S…, S.A. (Recorrida), julgou a ação procedente e, em consequência, anulou a decisão de adjudicação proferida pela Recorrente V… e condenou esta a «aprovar novas peças do procedimento, sem reincidir nas ilegalidades detectadas e a praticar todos os actos e diligências subsequentes previstos na tramitação legal do procedimento de concurso público».
Na sua petição inicial, a ora Recorrida veio pedir para «a) ser anulado o ato administrativo que aprovou o relatório final do júri e determinou a adjudicação da proposta da Contrainteressada», bem como para «b) ser a entidade demandada condenada a aprovar novas peças do procedimento, sem reincidir nas ilegalidades detetadas e a praticar todos os atos e diligências subsequentes previstos na tramitação legal do procedimento de concurso público» e, nesse seguimento, para «c) ser fixado o prazo de 20 dias para o cumprimento das determinações contidas na sentença». A agora Recorrida peticionou, ainda, em cumulação, a condenação da ora Recorrente a pagar-lhe «a quantia de €5.006,27 (cinco mil e seis euros e vinte e sete cêntimos), acrescida de juros desde a citação até ao efetivo e integral pagamento», assim como a pagar-lhe «a quantia a liquidar em execução de sentença referente ao pagamento dos honorários devidos aos advogados pelo patrocínio judiciário da presente ação».
Em despacho saneador prévio à prolação da sentença sob recurso, o Tribunal a quo, no uso dos seus poderes de gestão processual, determinou que o objeto da sentença respeita, somente, aos «pedidos formulados nas alíneas a) a c) do petitório da p.i., diferindo para momento posterior a realização da instrução necessária para decisão dos pedidos cumulados constantes das alíneas d) e e), se não resultarem prejudicados em função da decisão que passamos a proferir».
Assim, na mesma data de 22/04/2021 foi proferida sentença, que julgou a ação procedente e, consequentemente, anulou a anulou a decisão de adjudicação proferida pela Recorrente V… e condenou esta a «aprovar novas peças do procedimento, sem reincidir nas ilegalidades detectadas e a praticar todos os actos e diligências subsequentes previstos na tramitação legal do procedimento de concurso público».

Inconformada com o julgamento realizado, a Recorrente vem, então, interpôr recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:
«Conclusões
I. A sentença recorrida não se encontra conforme ao direito aplicável e, nessa medida, tem de ser revogada e substituída por outra que julgue a acção de contencioso pré-contratual improcedente.
Em primeiro lugar, quanto à fundamentação:
II. Embora a sentença recorrida contenha “fundamentação”, deve considerar-se que a fundamentação seguida pelo douto tribunal recorrido se mostra insuficiente ou, até mesmo, obscura.
III. Com efeito, do que supra se transcreveu (ver § 4 ) e que é o único trecho da sentença que suporta a decisão do tribunal de primeira instância, não se percebe com clareza em que medida é que o artigo 74.º/1/a) do Código dos Contratos Públicos terá sido violado, o que fará com que a mesma deva ser revogada e substituída por outra que julgue procedente o recurso.
Sem prescindir, em segundo lugar, e quanto à questão da valoração do preço das propostas apresentadas, conclui-se nos seguintes termos:
IV. Na verdade, sempre que o ‘preço’ constitui factor determinante da pontuação a atribuir a uma proposta, os concorrentes podem manipular o preço (para mais ou para menos) de modo a obterem mais ou menos pontos, conforme a grelha em causa.
V. Não se vê em que medida é que é mais grave que o critério de adjudicação possa levar a que o valor das propostas seja empolado do que quando o critério possa levar a que o valor das propostas seja desempolado.
VI. O que a experiência comum tem ensinado é que, para a fase de execução de um contrato público, é bem mais grave que o preço tenha sido desempolado (entenda-se, espremido ao máximo e tenha sido proposto um preço que a realidade da execução demonstra não ser viável) do que empolado.
VII. O tribunal a quo percebeu bem qual a intenção da Entidade Recorrente, apelidando-a de racional e detentora de sentido numa lógica de qualidade-preço, contudo, entendeu que a mesma se mostra francamente inadequada a atingir o seu desiderato, tendo deixado de decidir em conformidade com a lei.
VIII. Ao fixar o critério de adjudicação, a Entidade Recorrente entendeu que as propostas que melhor satisfariam as suas necessidades - em termos de pontos a atribuir neste factor preço - não seriam as mais baratas em termos de valor da proposta, por não oferecerem a mesma segurança e garantia na relação execução/qualidade/preço, mas seriam aquelas que apresentassem um preço no intervalo de 80% a 85% do preço base, ou seja, a proposta escolhida foi a que ofereceu a escolha mais benéfica para o interesse público.
IX. Deve evitar-se que as propostas saiam vencedoras por serem as que apresentam um preço mais baixo, na medida em que esse preço possa estar viciado por ter sido fixado apenas com a intenção de alcançar a pontuação máxima mas, com a decisão recorrida, com o devido respeito, parece que estamos a caminhar neste mau sentido.
X. Nada impede que se valorem positivamente propostas cujo preço se situa num patamar intermédio de uma escala de preço.
XI. A sentença recorrida mostra-se influenciada pela corrente tradicional portuguesa que continua muito presa ao critério de adjudicação ter de valorizar de forma obrigatória preços mais baixos, a qual já não é a inspiração comunitária como revela o artigo 67.º da Directiva 2014/24 e, bem assim, o artigo 74.º/2 do CCP, sendo notório e reconhecido generalizadamente que ocorreu mudança de paradigma.
XII. Se se admite que a entidade adjudicante possa optar por não submeter à concorrência o preço ou o custo, então, pode também estabelecer uma grelha de avaliação em que o preço será valorado, mas sem que o preço mais baixo tenha de ser valorado superiormente face a um preço mais alto (mas que, ainda assim, não é o preço mais alto - ver critério de adjudicação subiudice).
XIII. A Directiva Contratos (e o nosso Código) aportam a expressão “critério da proposta economicamente mais vantajosa”, sem que lhe façam corresponder, quanto à variável “preço”, que mesmo sendo adoptado este critério da proposta economicamente mais vantajosa, a proposta que terá de receber a pontuação máxima - no subfactor preço - será a que apresentar o preço mais baixo.
XIV. A douta sentença recorrida não fez, assim, uma boa análise e correcta aplicação do direito aplicável ao caso concreto, tendo violado o artigo 74.º/1/a) do Código dos Contratos Públicos, devendo ser revogada e substituída por outra que julgue válido o critério de adjudicação (ponto 17 do programa) e julgue a acção improcedente.
XV. O artigo 74.º/1/a) do CCP deveria ter sido interpretado e aplicado no sentido de permitir que podem ser valoradas positivamente propostas cujo preço se situa num patamar intermédio de uma escala de preço.
Termos em que, e nos demais que V. Exas. não deixarão certamente de suprir, revogando a douta sentença recorrida proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria e substituindo-a por Acórdão que julgue improcedente a acção de contencioso précontratual, tudo com as consequências legais, estarão V. Exas. a fazer a inteira e costumada JUSTIÇA!»

A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais concluiu:
«I. O ponto 17.3.1. do programa do procedimento prevê o critério de adjudicação da proposta economicamente mais vantajosa, tendo em conta a melhor relação qualidade-preço e os fatores “qualidade da proposta” e “condições mais vantajosas de preço”.
II. Este último fator é avaliado mediante uma escala de pontuação, que atribui 5, 4, 3, 2 e 1 pontos às propostas que apresentem, respetivamente, um preço total entre 80% a 85%, 85% a 90%, 90% a 95%, 95% a 100% e inferior a 80% do preço base.
III. Em consequência, a proposta da Recorrida teve a mais alta pontuação no fator “Qualidade da proposta” e, simultaneamente, o preço mais baixo, mas não foi a proposta ordenada em 1.º lugar, antes o tendo sido em 5.º lugar!
IV. O Tribunal a quo considerou ilegal o ponto 17.3.1. do programa do procedimento, por violar o artigo 74.º, n.º 1, alínea a) do CCP e, consequentemente, decidiu anular o ato de adjudicação da proposta da Contrainteressada e condenar a Recorrente a aprovar novas peças do procedimento, sem reincidir nas ilegalidades detetadas.
V. A Recorrente alega que (i) a fundamentação da sentença é insuficiente e obscura, porque não esclarece em que medida é que o fator “condições mais vantajosas de preço” não cumpre o fim da qualidade-preço e (ii) o critério de adjudicação não é ilegal porque a valorização das propostas de valor intermédio em detrimento das propostas de valor inferior é justificada pela insegurança na execução do contrato, e na garantia de qualidade, resultante destas últimas. Porém, não lhe assiste razão!
VI. Por um lado, a sentença recorrida encontra-se devidamente fundamentada. Aliás: a Recorrente reconhece saber exatamente quais os motivos que levaram o Tribunal a quo a considerar que o fim da qualidade-preço do critério de adjudicação não havia sido atingido (cf. artigo 11.º das alegações de recurso).
VII. A fundamentação da decisão do Tribunal a quo é, assim, coerente, consistente e percetível, não existindo qualquer fundamento para a sua nulidade ou revogação.
VIII. Por outro lado, a fixação do fator preço sem que a sua avaliação seja realizada de forma progressiva e em...

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