Acórdão nº 97/20.7T8PVZ.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 24-10-2022

Data de Julgamento24 Outubro 2022
Ano2022
Número Acordão97/20.7T8PVZ.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto




1



Processo n.º 97/20.7T8PVZ.P1

Recorrente - C... Unipessoal Lda.
Recorridas - AA, BB e CC

Relator: José Eusébio Almeida; Adjuntos: Carlos Gil e Mendes Coelho.

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:

I - Relatório
C... Unipessoal Lda. veio intentar a presente ação comum contra AA, BB e CC, peticionando que se: a) reconheça à autora o direito de ser indemnizada pelas benfeitorias realizadas com base no enriquecimento das rés, no valor de 387.791,70 euros, sendo as rés condenadas a pagar este valor; b) reconheça o direito de retenção da autora sobre o imóvel em causa pelo valor das benfeitorias realizadas, enquanto o mesmo não for pago; c) condene as rés no pagamento de uma indemnização pela perda de lucros decorrentes da cessação da atividade de realização de eventos que estima em 5.508,00 euros de valor anual até à integral execução do contrato.
Subsidiariamente, e com base no contrato-promessa, peticionou que lhe fosse reconhecido o direito a ser indemnizada pelas benfeitorias realizadas, no valor de 387.791,70 euros, sendo as rés condenadas a pagar tal valor, reconhecendo o seu direito de retenção sobre o imóvel enquanto o mesmo não for pago e ainda a condenação das rés a pagar-lhe a quantia definida como cláusula penal, no valor de 375.000,00 euros.

Para tanto, alega ter celebrado com a ré AA e o marido (tendo este já falecido e demandando as herdeiras, além da esposa, as duas filhas), um acordo escrito de arrendamento, firmado em documento particular, tendo como objeto os dois prédios rústicos que identifica. Considera que se tratou de um contrato-promessa de arrendamento, com entrega do bem locado. Como os imóveis não tinham as caraterísticas que permitissem o desenvolvimento da atividade pretendida, foi autorizada a realização das obras necessárias. As rés emitiram sempre os recibos de renda, desde a data da celebração do contrato-promessa (março de 2002) até à sua denúncia. Os outorgantes iniciais, DD e EE, cederam à autora a sua posição contratual. O contrato-promessa havia sido celebrado pelo prazo de 25 anos. A autora tinha a expetativa de que os senhorios tivessem em curso o processo destinado à obtenção da licença de utilização do espaço, destinado à organização de eventos, após o que seria celebrado o acordo definitivo. Alega ainda que essa licença nunca foi emitida, inviabilizando a celebração do contrato de arrendamento, tendo a autora, depois de insistir pela sua obtenção, optado por denunciar o contrato celebrado, por carta registada de 21.06.2019 e com efeitos a partir de 31.10.2019, denúncia que a primeira ré aceitou. Afirma ainda que foi agendada a entrega das chaves, mas que estas não foram entregues, pois que reclamou o pagamento das benfeitorias, o que os senhorios não reconheceram. Alega que, no imóvel, com autorização dos senhorios, aposta no próprio contrato, realizou benfeitorias no valor de 387.791,70 euros, que aumentaram o valor dos prédios, classificando-as como necessárias e úteis (e não passíveis de serem removidas), referindo um conjunto de despesas realizadas e exigindo o reembolso da correspondente quantia, com “aplicabilidade do regime do arrendamento”. Alega que a sua expectativa era que o contrato vigorasse por 25 anos e, assim, tendo um resultado líquido médio anual, nos últimos três anos, de 5.508,00 euros, alega que deixou de auferir, em 8 anos, a quantia de 44.064,00 euros. Subsidiariamente, e admitindo que estaria em causa em contrato-promessa, para além do valor das alegadas benfeitorias realizadas, peticiona que as rés sejam condenadas no pagamento da quantia fixada no acordo, a título de cláusula penal, para o caso de a licença de utilização não ser emitida por motivos imputáveis à ré e ao marido, no valor de 375.000,00 euros, uma vez que a não obtenção da licença implica a “recusa” de celebração do contrato-prometido.

Citadas, as rés vieram invocar que com a petição a autora juntou um conjunto de documentos totalmente ilegíveis e arguiram a nulidade da citação. Julgou-se verificada a nulidade e ordenou-se a notificação das rés com a remessa dos documentos em papel. E, contestando, as rés excecionaram a ilegitimidade passiva das 2.ª e 3.ª rés (filhas dos contraentes iniciais), impugnaram as despesas que a autora alega ter realizado com as alegadas benfeitorias, e alegando que todas as obras foram realizadas pela autora, colaborando apenas as rés quando tal lhes era pedido pela autora. Alegaram ainda que a legalização da construção efetuada exigia que se fizesse uma alteração ao PDM, facto que era do conhecimento da autora, desde a data da celebração do acordo escrito. As rés, formularam pedido reconvencional, alegando que a autora se recusou a entregar as chaves do imóvel e pediram a sua condenação a reconhecê-las como proprietárias do imóvel, exigindo o pagamento do valor correspondente à renda de 1.442,46 euros x 9 meses, e das rendas vincendas, considerando o gozo do imóvel que não estão a fruir, inexistindo direito de retenção, e pedindo também a responsabilização da autora pelos prejuízos decorrentes de danos e degradação decorrentes do abandono do locado.

A autora replicou e manteve o que inicialmente alegara, mas, em acrescento, informou ter procedido à entrega do imóvel no dia 3.09.2020 e, bem assim, sustentou a legitimidade das rés.

Foi realizada audiência prévia e, nesta, as rés confirmaram que o imóvel lhes havia sido entregue na data indicada pela autora. Na mesma ocasião, o tribunal apreciou a exceção de ilegitimidade, que julgou improcedente, e convidou a autora para concretizar a sua alegação inicial, perspetivando as várias soluções de direito aplicáveis [(...) Alega a autora que denunciou o contrato celebrado por carta junta como documento 31, em 21/06/2019. O Tribunal tem muitas dúvidas que o negócio jurídico que está em causa no acordo celebrado seja um contrato de arrendamento, como entendem as partes. Considerando as duas soluções plausíveis de direito, tratar-se de um contrato de arrendamento (1) ou tratar-se de um contrato-promessa de arrendamento (2), a alegação da petição inicial carece de fragilidades na sua alegação. Assim, admitindo que se trata de um contrato de arrendamento (1): a) Nenhuma das partes se pronuncia sobre a nulidade do contrato, que é de conhecimento oficioso, considerando a data em que foi elaborado, o prazo estabelecido e o fim do contrato. b) É feita uma referência à cláusula 7.ª do Capítulo II do contrato, confundindo-a com uma norma relativa a benfeitorias quando esta não tem tal natureza. O que está em causa é saber que obras seriam do conhecimento de ambos os contraentes pois que eram as despesas com estas obras que seriam pagas pelos senhorios aos arrendatários. É necessário identificar que obras foram essas (e não apenas as despesas realizadas). c) A norma em causa está estabelecida para a situação em que a licença de utilização não é obtida por motivos imputáveis aos senhorios, sendo que estes estavam obrigados a colaborar com os arrendatários na sua obtenção. Não é alegado qualquer facto de onde se retire a falta de colaboração dos senhorios em qualquer diligência realizada pelos arrendatários. d) No art. 29.º da petição inicial a autora alega ter realizado no imóvel benfeitorias necessárias e úteis. No art. 36.º alega já que as realizadas foram úteis. Deverá precisar a sua alegação. e) Reportando-se a benfeitorias úteis, invoca o regime do art. 1273.º do C. Civil sem antes se reportar ao regime legal do arrendamento (e que teve na pendência do contrato sucessivas alterações normativas) e ao que este refere sobre a indemnização das benfeitorias realizadas. Não estão alegados os pressupostos que nos normativos deste contrato permitem a indemnização de benfeitorias, não estando sequer alegadas, na sua maioria, as obras realizadas, mas apenas as despesas efetuadas (por exemplo “empreitada de construção civil”, não identifica a obra realizada). f) A autora reporta-se à indemnização das benfeitorias úteis quando o seu levantamento causa detrimento da coisa. Para além de esta indemnização ser efetuada de acordo com as regras do enriquecimento sem causa (e não estar alegada a medida do enriquecimento dos senhorios), não existe alegação relativa ao levantamento da benfeitoria causar detrimento da coisa. E a coisa relevante é o bem arrendado e não a benfeitoria. Esta alegação tem de ser efetuada para cada obra e esta tem de ser descrita (a concreta obra realizada). Num segundo cenário, que é também admitido subsidiariamente pela autora., e se estivermos perante um contrato-promessa de arrendamento (2): g) Não está alegado nenhum fundamento para que o mesmo não pudesse ser cumprido (incumprimento definitivo), nem sequer a mora dos promitentes senhorios, considerando quem estava incumbido de marcar a escritura pública para a celebração do contrato prometido e o dever daqueles de apenas colaborar para a obtenção da licença de utilização, padecendo a alegação da insuficiência referida em c). h) Neste enquadramento, são ainda relevantes os pontos de alegação referidos em d) e f).
Assim, nos termos do art. 590.º do C. P. Civil, o Tribunal convida a autora a pronunciar-se sobre estas questões. Se a autora responder, os réus terão idêntico prazo para se pronunciarem sobre tais questões e a tomada de posição da autora].

A autora, em novo articulado, veio precisar o que alegara anteriormente. Sustentou que a ré e o falecido marido sempre teriam sabido da impossibilidade de legalização do imóvel, tendo criado na autora a expetativa dessa legalização e esclarecem que o valor de 375.000,00 euros correspondia ao valor das obras por si realizadas. Descreveram as obras realizadas no imóvel, invocando ainda, subsidiariamente, o instituto do enriquecimento sem causa como fundamento da sua pretensão. Em concreto e relevantemente, a autora, no novo articulado veio esclarecer, além
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT