Acórdão nº 966/21.7BELSB-A de Tribunal Central Administrativo Sul, 03-02-2022

Data de Julgamento03 Fevereiro 2022
Ano2022
Número Acordão966/21.7BELSB-A
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

A F…, S.A. - Sucursal em Portugal, interpôs recurso jurisdicional do despacho saneador sentença proferido pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a 12.10.2021, que considerou não escritos os artigos 1.º a 55.º do requerimento formulado nos autos a fls. 1234, ref. SITAF, com data de 28.09.2021, e julgou totalmente improcedente a providência por si requerida contra a Parque Escolar, E.P.E., com vista à suspensão da execução do contrato de empreitada celebrado entre ambas e de intimação desta para que se abstivesse da prática de todos e quaisquer atos decorrentes da execução do contrato.

Nas alegações de recurso que apresentou, culminou com as seguintes conclusões – cfr. fls. 1292 e ss., ref. SITAF:

«(…)

A. O presente recurso é interposto do saneador - sentença que considerou não escritos os artigos 1º a 55º do requerimento formulado nos autos a fls. 1232 a 1247 do processo digital, com data de 28.09.2021, em resposta ao convite que lhe foi endereçado pelo tribunal para se pronunciar, querendo, sobre a pretensão de conhecimento imediato da ação cautelar e, bem assim, julgou a providência totalmente improcedente com o fundamento na alegada inexistência do periculum in mora por o “conhecimento da nulidade (consequente) do contrato concretamente invocada depende[r] da possibilidade de afirmação da nulidade do Caderno de Encargos, ou em sede de impugnação autónoma dessa peça procedimental, ou em sede de impugnação do ato de adjudicação, que encerra o procedimento administrativo prévio e define as condições de contratação”, o que já não seria possível por haver sido ultrapassado o prazo de um mês fixado no art. 101º do CPTA.

B. Sobre o requerimento, o convite formulado pelo tribunal foi devidamente fundamentado, não merecendo qualquer censura.

C. A ora Recorrente respondeu ao convite explicitando os motivos que o levaram a pronunciar-se em sentido favorável à intenção do tribunal.

D. O tribunal veio a dar como não escritos esses fundamentos porque “apesar da subtileza do contraditório da Requerente, que alega ter urdido as alegações constantes do seu requerimento, no intuito de fundamentar circunstanciadamente a sua pronúncia, a verdade é que todos os 55 artigos insertos no requerimento controvertido não entroncam na resposta ao convite do Tribunal, relativo às condições de ser proferida imediata decisão, e sim na defesa da posição que adotou no processo, no sentido de serem dados como verificados os requisitos de que depende o decretamento da suspensão da obra”.

E. Ora não se vislumbra, com toda a franqueza, como uma coisa pode ser dissociada da outra, ou seja, como poderia ser dada uma resposta ao convite sem concretizar os motivos da concordância que só poderiam os de que entendia estarem verificados os pressupostos para a procedência da ação cautelar.

F. A ora Recorrente não “inventou” nenhum momento nem deduziu nenhum requerimento imprevisto na tramitação destes processos, tendo-se limitado a aceder, pura e simplesmente, ao convite formulado pelo tribunal, estando, por isso, perfeitamente legitimada para apresentar o requerimento do modo como o fez, explicitando os fundamentos da sua resposta

G. Assim, ao considerar não escritos os fundamentos para a sua pronúncia favorável à pretensão de conhecimento imediato da providência, a sentença violou os princípios do dispositivo e do contraditório previstos, respetivamente, nos arts. 2º, nº 3 e 264º, nº 2 do Código Processo Civil.

H. Devendo ser revogada por outra que admita integralmente o requerimento em causa nos termos em que foi formulado.

I. Sobre a providência, o saneador / sentença enquadrou de forma errada e incorreta a situação concreta, extraindo consequências que não poderia extrair uma vez que nulidade do contrato ainda pode vir a ser declarada.

J. E pode ser declarada porque estamos na presença não de uma pura e simples nulidade de um ato procedimental, como foi configurado no saneador - sentença recorrido, mas de uma nulidade comum ao contrato que se refletiria no mesmo, mesmo que não existisse o procedimento pré-contratual.

K. Efetivamente, a Recorrente requereu a providência de suspensão de execução do contrato de empreitada como incidente da ação administrativa relativa à validade e execução dos contratos proposta, visando a declaração de nulidade do contrato de empreitada nº 19/3683/CA/C celebrado entre as partes processuais no dia 23 de abril de 2019 relativo à “Empreitada de Reabilitação da Escola Secundária Camões, em Lisboa”.

L. Desde a publicação e durante a vigência do Decreto-Lei nº 134/98, de 15 de maio, consolidou-se na jurisprudência o entendimento de que a impugnação de atos relativos à formação dos contratos públicos regulados pelos arts. 100º a 103º do CPTA teria forçosamente de ser intentada até ao prazo de um mês a contar da notificação do ato de adjudicação, sendo aplicável a atos nulos ou anuláveis.

M. Esta jurisprudência assenta na ideia primordial de que as peças do procedimento são peças de um procedimento, pelo que se esgotam e extinguem com ele.

N. Tem, ainda, arreigada a noção que, de acordo com as Diretivas Comunitárias, se deve promover uma rápida estabilização das relações jurídicas envolvidas na contratação pública, no interesse das entidades adjudicantes e dos contrainteressados.

O. Todavia, a situação concreta não é tão simples como foi configurada pelo tribunal, nem aquele entendimento Jurisprudencial é absoluto, admitindo-se exceções mesmo nos tribunais superiores, que fazem todo o sentido no caso dos autos.

P. Estamos na presença de vícios que afetam o contrato na sua essência, tornando o contrato de empreitada carente de objeto ou de objeto impossível ou ininteligível.

Q. A situação configurada não dá resposta a casos extremos e mais absurdos como, por exemplo, o de ser lançado um procedimento adjudicatório de uma empreitada, sem existir um projeto de execução.

R. Como poderia, neste caso, a ausência de projeto e, portanto, de objeto contratual, ser convolada pela inação dos particulares (na hipótese de não impugnarem nem os documentos conformadores, nem o ato de adjudicação)?

S. Como se conformaria o interesse público com a inevitabilidade de prossecução de um contrato de empreitada sem um objeto inteligível e determinado?

T. Na hipótese apontada, se faltasse originalmente o projeto de execução que constitui o objeto de um contrato de empreitada de obras públicas, o interesse público ficaria condenado a levar um contrato até ao fim, faltando-se um elemento absolutamente essencial?

U. Obviamente que não. Isso seria irracional, ilógico e absurdo.

V. Não se olvide que nos casos de nulidade comum o que, na maioria das vezes está em causa, é a proteção de interesses públicos superiores cuja proteção não pode ficar à mercê, nem dependente da competência ou negligência dos particulares.

W. Por isso, a linha jurisprudencial em que assenta a decisão recorrida não pode ser aplicada “às cegas” e de modo abstrato, como sucedeu, devendo ser apreciadas e ponderadas as particularidades do caso concreto para se avaliar se a hipótese em análise pode ou não se enquadrar numa das exceções aceites pela Doutrina e Jurisprudência.

X. Entre as exceções admitidas pela melhor Doutrina e até pelos tribunais superiores está a hipótese de existirem causas de invalidade de atos procedimentais, designadamente da adjudicação, mas que deverão ser igualmente consideradas como causas de invalidade própria comuns ao contrato, uma vez que se não existisse o procedimento pré - contratual, inequivocamente seriam causas de invalidade própria do contrato”; no mesmo sentido, Vieira de Andrade, “A Justiça Administrativa”, p. 306.

Y. Aliás, o entendimento de que a Recorrente teria de ser penalizada por não ter impugnado o ato de adjudicação no prazo de um mês, teria de ser antecedido de uma apreciação sobre se ele teria essa legitimidade ou interesse em agir, o que não foi feito e conduziria a uma resposta negativa.

Z. É que no ato de adjudicação, as entidades eventualmente prejudicadas são os concorrentes preteridos e nunca a adjudicatária (ora Recorrente) porque foi a entidade sobre quem recaiu a intenção de adjudicação e, portanto, a entidade diretamente beneficiada pelo ato em causa, conforme resulta inequivocamente do disposto no art. 55º, nº1, alínea a) do CPTA.

AA. Em face da inexistência de prejuízos efetivos, reais e imediatos associados à prática do ato de adjudicação tout court, carecia o adjudicatário de legitimidade processual ou interesse em agir na impugnação do ato de adjudicação que lhe foi favorável.

BB. Outro argumento, ainda, abona em desfavor da linha que vingou na sentença.

CC. É que, mesmo que fosse possível a impugnação, o que se admite por mera hipótese académica, essa só poderia ocorrer após o conhecimento da falta dos elementos obrigatórios do projeto, incluindo o da falta da sua necessária revisão.

DD. Normalmente, a falta dos elementos obrigatórios do projeto seria suscetível de ser conhecida durante o procedimento, mas seguramente não a revisão do projeto, porque este não constitui um elemento obrigatoriamente patenteado.

EE. Como se disse na réplica (art. 38º), só uns dias antes da entrada da ação, a Recorrente tomou consciência que o projeto de execução não havia sido sujeito à revisão imposta por lei.

FF. A este respeito, errou também o saneador - sentença quando veio declarar que a “Requerente não consegue sequer concretizar a sua alegação de que só na fase de execução do contrato as ditas invalidades do Caderno de Encargos se tornaram cognoscíveis” uma vez que, tratando-se de uma exceção perentória invocada pela Entidade Demandada, cabia-lhe a ela o ónus da prova sobre o momento em que essas invalidades teriam sido conhecidas.

GG. Sucede que no caso em referência,...

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