Acórdão nº 962/21.4T8CSC.L1-8 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-06-09

Ano2022
Número Acordão962/21.4T8CSC.L1-8
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:



Relatório


S.F.T.J., solteira, residente em (…) Oeiras, veio propor ação declarativa de condenação, que segue a forma de processo comum contra M.C.S.G.R.J., viúva, residente (…) em Carcavelos, alegando para o efeito, em síntese, o seguinte:
- A Autora é filha de M.J.T.A.J. e de L.F.R.J., falecido em 14 de novembro de 2014, no estado de casado com a Ré, mas separado de pessoas e bens;
- Do casamento de L.F.R.J. com a ré, nasceu B.F.G.J.;
- A Autora e sua irmã B. são as únicas herdeiras da herança do seu pai;
- Entre os vários bens que compõem o acervo hereditário, foi relacionado 1/2 do imóvel sito (…) em Carcavelos;
- O referido imóvel foi adquirido pelo falecido pai da Autora, com dinheiro próprio seu, mas no estado de casado com a Ré;
- Uma vez casados no regime de bens de adquiridos, presumiu-se que o imóvel pertenceria a ambos em partes iguais e por conseguinte, com a separação de bens do casal, a Ré manteve-se comproprietária do imóvel na quota-parte de metade;
- Com o óbito de L.R.J. e uma vez separado de pessoas e bens, sucederam-lhe, na sua parte, como únicas herdeiras universais as duas filhas, aqui autora e a sua irmã B., nos termos do disposto no artigo 2133.º, n.º 3 do CC;
- Muito embora a Ré não seja herdeira por óbito de L.F.R.J., na qualidade de comproprietária e desde a data da morte daquele até à presente data, administra e gere aquele bem sem consultar a autora e a sua irmã, para além de ali ter fixado a sua residência em 2017, também sem a autorização da autora;
- A autora e a sua irmã estão impedidas de usufruir do imóvel, assim como de obter rendimentos;
- Apesar de a Autora ter pretendido fazer cessar a utilização exclusiva da ré, tendo para tanto procedido por diversas vezes à sua interpelação, a verdade é que esse seu pedido não foi acatado e, por conseguinte, a licitude da utilização cessou no momento em que a Ré tomou conhecimento que a Autora e a outra herdeira não permitiam que usasse o locado e que pretendiam a sua divisão ou arrendamento a terceiros, passando a partir de então a ocorrer privação do gozo pelo consorte em violação do disposto no Artigo 1406.º, n.º 1 do CC;
- Ainda que a Ré tenha o direito de habitar o imóvel, a ilicitude da sua conduta, sonegando às outras comproprietárias o mero acesso ao bem, configura uma situação de responsabilidade extracontratual, geradora da obrigação de as indemnizar;
- Deste modo, ao abrigo do art. 483º, do Código Civil, afigura-se exigível a atribuição de uma indemnização, a pagar pela Ré à Autora, que corresponderá a um quarto do valor da renda mensal que esta pode auferir, pelo período de tempo em que a Ré usufrui exclusivamente do Imóvel;
- No âmbito do mercado para arrendamento, o imóvel poderia ser arrendado pelo menos pela renda mensal de € 3.500,00.
Termina, pedindo que a ação seja julgada procedente por provada, e a Ré condenada a pagar-lhe a quantia de € 34.125,00, relativa à contraprestação que tem direito, a titulo de indemnização pela privação do uso da sua quota-parte no imóvel sito em (…) Carcavelos, a ser usada e usufruída em exclusivo pela Ré, desde pelo menos dezembro de 2017, acrescida de juros vencidos e vincendos, contados desde a data da sua citação até integral e efetivo pagamento, a título de indemnização devida pela privação do uso.
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A Ré foi citada para contestar, o que fez, apresentando defesa por exceção e impugnação.

Diz, em síntese:
- Contraiu casamento com L.F.R.J. a 8/7/1983, sob o regime de comunhão de adquiridos, e por sentença transitada em julgado a 4/7/1995 foi decretada a separação de pessoas e bens;
- Na pendência do casamento L.F.R.J. adquiriu um lote de terreno com a área de 650 m2 sito nos (…), freguesia de Carcavelos, concelho de Cascais, onde o casal construiu uma moradia de rés do chão e 1º andar, destinada a habitação, atualmente sita na Rua (…), em Carcavelos;
- O casal não procedeu à partilha dos bens comuns do casal, integrando o imóvel a comunhão conjugal não partilhada da R. e de seu falecido marido L.J., bem como a comunhão hereditária não partilhada por óbito deste;
-Os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros, pelo que a Autora não tem legitimidade para sozinha demandar a R., o que se traduz em exceção dilatória e conduz à absolvição da instância.
- Impugnado, alega, por seu turno, que em consequência dum incêndio a casa não tem condições para ser arrendada;
- A Autora tem conhecimento de tal situação e omite factos relevantes para a decisão da causa, deduzindo pretensão sem fundamento, pelo que litiga com má-fé.
Termina, pedindo que a exceção seja julgada procedente e, em consequência, seja a Ré absolvida da instância ou, caso assim não se julgue, a ação improcedente e a Ré absolvida do pedido e ainda a ser condenada como litigante de má-fé em multa e indemnização condigna, com as legais consequências.
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A autora respondeu à matéria da exceção, concluindo pela sua improcedência, alegando, para tanto, que não se encontra a agir no interesse da herança, nem pretende discutir e partilhar os bens da herança, agindo, apenas, na qualidade de comproprietária do imóvel, adquirido por sucessão, acrescendo que a sua irmã não necessita de estar em juízo, na medida em que nada impede que apenas uma das comproprietárias pretenda ser compensada pelos danos sofridos.
No mesmo articulado, propugnou pela improcedência do pedido de condenação como litigante de má fé.
***

As partes foram notificadas para se pronunciarem sobre a dispensa de realização da audiência prévia e a imediata prolação de despacho saneador, com decisão sobre a matéria da exceção, o que aceitaram.
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Foi proferido despacho saneador-sentença, que julgou as partes legítimas para a causa e conheceu da exceção de ilegitimidade substantiva, culminando com a prolação da seguinte decisão:
“(…)
Até ao momento em que o imóvel não esteja comprovadamente na herança do seu pai, a Autora não é titular de qualquer direito de compropriedade sobre o imóvel concretamente aludido em 4) ocorrendo ilegitimidade substantiva para demandar à Ré qualquer direito de indemnização pela privação do uso do mesmo, e ocorre ainda ilegitimidade processual, pois ainda que já se encontrasse consolidada a herança do seu pai, ainda assim, teria de demandar todos os interessados herdeiros, pois o direito é exercido no confronto com os mesmos.
Por conseguinte, a presente ação não poderá proceder, não sendo a Autora titular de qualquer direito de compropriedade, em cuja privação baseia o pedido de indemnização.
Pelo supra exposto, julgo improcedente a ação e absolvo a Ré do pedido.
Custas pela Autora.
Registe e notifique.”
***

A autora não se conformou com esta decisão e dela recorreu, concluindo a sua motivação com as conclusões que se passam a transcrever:
1-Por Sentença proferida nos presentes Autos, decidiu este Douto Tribunal de 1ª Instância no sentido de que “Até ao momento em que o imóvel não esteja comprovadamente na herança do seu pai, a Autora não é titular de qualquer direito de compropriedade sobre o imóvel concretamente aludido em 4) ocorrendo ilegitimidade substantiva para demandar à Ré qualquer direito de indemnização pela privação do uso do mesmo, e ocorre ainda ilegitimidade processual, pois ainda que já se encontrasse consolidada a herança do seu pai, ainda assim, teria de demandar todos os interessados herdeiros, pois o direito é exercido no confronto com os mesmos. Por conseguinte, a presente acção não poderá proceder, não sendo a Autora titular de qualquer direito de compropriedade, em cuja privação baseia o pedido de indemnização”.
2-Com o devido respeito, com tal entendimento, a presente Sentença, carece da devida e indispensável fundamentação respeitante a questões de especial relevância e que determinam, de forma irremediável, uma decisão diferente e que, aliás, está em clara contradição.
3-A aqui Recorrente instaurou acção de condenação contra a aqui Recorrida, alegando ser filha de (…) e do Falecido (…) (primeiro casamento do falecido)
4-Mais alegou a aqui Recorrente, que o seu pai foi casado, em segundas núpcias com a aqui Recorrida, tendo desse casamento nascido a sua Irmã B.F.G.J., irmã da aqui Recorrente.
5-O Pai da aqui Recorrente faleceu aos 14/11/2014, no estado de casado, mas separado de pessoas e bens da Recorrida, conforme Anotação em Assento de Óbito que se juntou aos presentes Autos, conforme documento que se juntou como doc1.
6-Razão pela qual, a aqui Recorrente, e sua Irmã B., são as únicas herdeiras universais da Herança do seu pai, conforme Escritura de Habilitação de Herdeiros e Imposto de Selo que, igualmente, a aqui Recorrente juntou com a sua petição inicial, como documentos nºs 2 e 3.
7-Mais alegou e comprovou a aqui Recorrente que, entre os vários bens que compõem o acervo hereditário do seu falecido Pai, conforme demonstrado pelo Imposto de Selo junto aos Autos, foi relacionado 1/2 do Imóvel sito na Rua (…) da União das Freguesias de Carcavelos e Parede e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais, residência actual da aqui Recorrida, separada de pessoas e bens do seu falecido pai, conforme Caderneta e Certidão Predial que se juntou como prova.
8-Deste modo, e porque o referido imóvel foi adquirido pelo falecido Pai da aqui Recorrente, com dinheiro próprio seu, mas no estado de casado com a Recorrida, uma vez que se encontravam casados no Regime de Bens de Adquiridos, presumiu-se que o Imóvel pertenceria a ambos, em partes iguais, e por conseguinte, com a separação de bens do Casal, a Recorrida manteve-se comproprietária do Imóvel, na quota-parte de metade.
9-Acontece que, com o óbito daquele e uma vez separado de pessoas e bens da Recorrida, sucederam-lhe, na sua parte, o correspondente à outra metade do Imóvel, como únicas Herdeiras Universais as
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