Acórdão nº 96/20.9TNLSB-A.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 09-04-2024

Data de Julgamento09 Abril 2024
Ano2024
Número Acordão96/20.9TNLSB-A.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório
A [ Sociedade de Direito Francês ] intentou ação declarativa de condenação contra B [ … Navais, S.A.] pedido a condenação da Ré a:
a) Indemnizar a Autora pelos danos causados na embarcação, no montante já liquidado de pelo menos € 74 669, mas cujo valor final deverá ser liquidado em execução de sentença após a inspeção da embarcação, devendo a este valor acrescer os valores para a contratação de gruas e parqueamento da embarcação durante a reparação, todos a liquidar em execução de sentença, nos termos do art. 609.º, n.º 2, do CPC e arts. 564.º, n.º 2, e 565.º do CC;
b) Indemnizar a Autora pelos:
a. Danos já presentes na embarcação que, por não serem atualmente visíveis, venham a acrescer ao custo de reparação;
b. Danos que se venham a verificar na embarcação pela sua imobilização prolongada dentro de água;
c. Danos que se venham a verificar na embarcação devido ao seu fundeamento precário;
d. Danos que a embarcação venha a provocar a terceiros devido ao seu fundeamento precário, e
e. Prejuízos devido à imobilização da embarcação e a consequente impossibilidade de proceder ao seu aluguer,
Tudo valores a liquidar em execução de sentença nos termos do art. 609.º, n.º 2, do CPC e arts. 564.º, nº 2, e 565.º do CC;
c) Pagar à Autora juros de mora, à taxa comercial, contados desde a data da citação até integral pagamento.
Para tanto, alegou ter celebrado com a ré um contrato de depósito oneroso relativo a determinada embarcação, e que esta o incumpriu, porquanto não observou os deveres de guarda e vigilância da mesma embarcação entregue ao seu cuidado, o que culminou com a ocorrência de danos na mesma.
Adiantou que em face da recusa da ré em suportar os custos de reparação, da indisponibilidade financeira da autora dispor de meios financeiros para a sua reparação, e da inexistência em Aveiro de local a seco onde o engenho pudesse ser parqueado/varado, aquela embarcação veio a ser fundeada/ancorada no único ponto possível na Ria de Aveiro, de forma inadequada e precária, dadas as suas dimensões e a exposição aos elementos.
Precisou que o prolongamento da estadia a nado, para além de acarretar custos com a verificação periódica do estado da ancoragem da embarcação, é passível de provocar graves danos no casco e apêndices, para além de que a precariedade do fundeamento potencia a probabilidade de a nave se soltar e provocar danos a terceiros.
Finalmente, aduziu que a privação do uso da embarcação, por causa imputável ré, a impediu (a ela, autora) de alugar a nave e com isso obter proventos com tal exploração.
No decurso da audiência final, em 15-02-2022[1] a autora deduziu articulado superveniente no qual ampliou o pedido primitivo, tendo neste incluído a reparação da travessa dianteira da embarcação, no valor estimado de € 18.000, a liquidar em execução de sentença nos termos peticionados para os demais danos sofridos pela nave.
Tal articulado superveniente foi liminarmente admitido e após o exercício do contraditório por banda da Ré, determinou-se a continuação da audiência final com a inquirição das testemunhas que as partes arrolaram por conta da alegada nova realidade trazida a juízo pela Autora.
Subsequentemente, por requerimento de 28-11-2023[2], a autora apresentou requerimento, manifestando a intenção de “alterar o pedido, através da sua redução e ampliação”, tendo começado por alegar – em síntese – que:
- No dia 31-10-2022, a autora celebrou com a sociedade Carbo Racing um contrato de compra e venda da embarcação ajuizada, sendo que as partes então acordaram que a transferência de propriedade se daria com a retirada da nave do local onde a mesma se encontrava ancorada, o que ocorreu em Setembro de 2023;
- Entre os vários pedidos deduzidos na petição inicial, a autora peticionou a condenação da ré a pagar os custos de reparação dos danos que provocou à embarcação, os quais, quanto à extensão e valor deveriam ser liquidados em execução de sentença, dada a impossibilidade técnica de determinar a real extensão dos estragos com a nave a flutuar e a exigência dos estaleiros contactados em efetuar uma inspeção a seco para apresentarem o orçamento final do conserto;
- A autora pediu ainda o pagamento dos custos necessários à reparação da embarcação, nomeadamente, as despesas com transporte, parqueamento e varação, o qual, dada a sua imprevisibilidade, era também um pedido ilíquido;
- Com a alegada venda, a autora deixou de ter na sua posse a embarcação, para além de que não sabe se vão ser feitas reparações, que reparações vão ser efetuadas feitas ou o custo que as mesmas e as operações a estas associadas irão ter, pelo que nunca poderá liquidar tais pedidos genéricos;
- Por força de tal facto, os prejuízos causados pela ré, neste momento já não se prendem somente com o valor de reparação da embarcação, mas também com o facto de a autora se ter visto na necessidade de vender a nave para evitar continuar a somar prejuízos e responsabilidades
- Com a venda do engenho, a autora considera mais correto, do ponto de vista da quantificação do dano, ter em conta, já não o custo da reparação dos estragos – cuja liquidação seria agora extremamente difícil –, mas a desvalorização causada na embarcação pela ocorrência do evento danoso (€ 835.000), correspondente à diferença entre o valor de mercado da nave antes de sofrer os danos provocados pela Ré (€ 900.000) e o seu valor de mercado à data da sua venda (€ 65.000) em face dos estragos causados por aquela e pela sua recusa em repará-los.
Com base nesta alegação, a autora precisou que o art. 265.º, n.º 2, do CPC lhe permite-– até ao encerramento da discussão em 1.ª instância – reduzir e ampliar o pedido se a ampliação for o desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo.
Destacou ainda que, por força do disposto no art. 611.º, n.º 1, do CPC, a sentença deve tomar em consideração os factos jurídicos supervenientes.
Salientou que a venda da embarcação é um facto superveniente que tornou impossível a liquidação do pedido originário, nomeadamente o pedido de pagamento da reparação da embarcação e demais custos associados.
Minuciou que tal facto acarreta a necessidade de alterar o pedido através da liquidação imediata do quantum indemnizatório, o qual corresponde à diferença do valor do mercado do salvado antes e depois dos danos que lhe foram infligidos pela ré, estimando-se, pois, em € 835.000 e enquadrando-se no dever de indemnizar previsto nos art. 562.º e ss. do CC.
Realçou que o quantum indemnizatório ora determinado é uma consequência do pedido primitivo na medida em que a diferença do valor do salvado decorre dos danos provocados pela ré e das dificuldades que estes criaram para a reparação da embarcação.
Terminou pedindo que fosse admitida a presente “ampliação/redução” do pedido, o qual se mantém inalterado quanto aos danos pelo impedimento de alugar a embarcação a terceiros e danos que a autora possa vir a ser demandada por possíveis danos causados a terceiros durante o período em que a nave esteve deficientemente fundeada.
Em conformidade, pediu que a ação fosse julgada provada e procedente mediante a condenação da ré a indemnizá-la (a ela autora):
1. Pelos danos causados na embarcação, o valor corresponde à diferença do valor de mercado do salvado antes e depois dos danos que lhe foram infligidos pela ré, a qual liquida em € 835.000;
2. Pelos danos que a embarcação tenha provocado a terceiros devido ao seu fundeamento precário;
3. Pelos prejuízos devidos à privação do uso da embarcação na atividade da autora até pagamento da indemnização devida, que possibilite a aquisição de outra embarcação para a mesma finalidade, valor a liquidar em execução de sentença nos termos dos art. 609.º, n.º 2, do CPC e 564.º, n.º 2, e 565.º do CC;
… quantias acrescidas de juros de mora, à taxa comercial, contados desde a data da citação até integral pagamento.
A ré, por requerimento de 12-12-2023[3], opôs-se a tal pretensão da autora.
Contrapôs desde logo que não dá o seu o acordo à ampliação do pedido e da causa de pedir agora requeridas pela autora.
Opôs que a referida ampliação não consiste no desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo nem resulta de confissão efetuada pela ré, pelo que não pode ser atendida nesta fase dos autos.
Ripostou que, fora dos casos previstos nos arts. 264.º e 265.º, n.º 1, do CPC, a causa de pedir apenas pode ser alterada na sequência da apresentação de um articulado superveniente, nos termos do art. 588.º do CPC, sendo que tal articulado não pode servir para fundamentar a alteração do pedido inicialmente formulado e da causa de pedir que o sustenta por um que nada tem que ver com este, como pretende in casu a autora.
Objetou que, tendo a Autora alegado a titularidade do direito de propriedade sobre a embarcação objeto dos presentes autos e, nessa sequência, peticionado a condenação da Ré no pagamento de uma indemnização destinada a suprimir os danos causados e que se venham a verificar na sua nave bem como os prejuízos devido à imobilização do dito engenho e a consequente impossibilidade de proceder ao seu aluguer, não pode agora vir alegar a transmissão de propriedade sobre o referido bem e, nessa sequência, requerer a alteração dos pedidos inicialmente formulados pela condenação da sua contraparte no pagamento do valor correspondente ao “valor de mercado do salvado antes e depois dos danos que lhe foram infligidos pela ré”, já que tal modificação, por ampliação, não constitui desenvolvimento nem é consequência do(s) pedido(s) primitivo(s).
Terminou nesta parte pugnando pela inadmissibilidade legal da ampliação do pedido ora requerida pela autora, a qual também não é passível de ser considerada como dando azo a qualquer articulado superveniente.
Seguidamente foi proferido despacho[4] com o seguinte dispositivo:
“Nestes termos, e com tais
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