Sentença ou Acórdão nº 0000 de Tribunal da Relação, 01 de Janeiro de 2023 (caso Acórdão nº 952/12.8TBEPS-AI.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-03-30)
Data da Resolução | 01 de Janeiro de 2023 |
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo
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ACÓRDÃOI - RELATÓRIO
1.1. Decisão impugnada
1.1.1. Em 08 de Janeiro de 2013, nos autos principais de insolvência relativos a C... - Investimentos Imobiliários, Limitada, com sede na Rua ..., em ... (que com o n.º 952/12.... corriam então termos pelo ... Juízo do Tribunal Judicial ...), foi proferida sentença, declarando a insolvência da dita Sociedade, requerida por AA e mulher, BB (sentença que aqui se dá por integralmente reproduzida); e nomeando como administrador da insolvência CC.
1.1.2. Em 21 de Janeiro de 2013, foram apreendidos os bens da Insolvente, constituídos por vinte e duas fracções autónomas, com valores patrimoniais variáveis (verba n.º 1, de € 44.930,00, verba n.º 2, de € 60.900,00, verba n.º 3, de € 172.480,00, verba n.º 4, de € 118.550,00, verba n.º 5, de € 118.460,00, verba n.º 6, de € 115.350,00, verba n.º 7, de € 128.490,00, verba n.º 8, de € 1.227,10, verba n.º 9, de € 950,00, verba n.º 10, de € 4.820,00, verba n.º 11, de € 8.830,00, verba n.º 12, de € 7.030,00, verba n.º 13, de € 4.060,00, verba n.º 14, de € 3.780,00, verba n.º 15, de € 5.140,00, verba n.º 16, de € 4.060,00, verba n.º 17, de € 2.627,68, verba n.º 18, de € 3.753,83, verba n.º 19, de € 2.252,30, verba n.º 20, de € 2.000,00, verba n.º 21, de € 2.000,00 e verba n.º 22, de € 2.000,00).
1.1.3. Em 2015 e 2016, foram propostas contra a Massa Insolvente sete acções judiciais, cada uma delas com valor superior a € 45.000,00, por alegados promitentes-compradores de fracções autónomas suas (apreendidas como verbas n.ºs 1 a 7), constituindo os Apensos O (DD), P (EE), Q (FF e GG), R (HH II), S (JJ), T (KK) e U (P..., Limitada).
Em seis delas, de processo comum (apensos O, P, Q, R, T e U), os respectivos autores requereram, a título principal, a execução específica dos respectivos contratos de aquisição de imóveis (no valor patrimonial global de € 630.670,00), considerando o preço de aquisição já integralmente pago (mercê quer dos sinais pagos, quer dos créditos a que teriam direito face ao incumprimento dos ditos contratos pela Insolvente), bem como a condenação da Massa Insolvente a proceder à expurgação das hipotecas bancárias que onerariam cada uma das fracções em causa (sendo a credora Banco 1..., S.A. a única beneficiária das referidas garantias).
Na remanescente, especial, de verificação ulterior de créditos (Apenso S), a respectiva autora pediu o reconhecimento de um crédito de € 45.000,00, resultante da anterior revogação de contrato promessa celebrado com a Insolvente.
1.1.4. O Administrador da Insolvência, por forma a que a Massa Insolvente pudesse contestar as ditas acções judiciais, constituiu mandatário judicial; e a Massa Insolvente requereu o benefício do apoio judiciário, na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos, o que lhe foi concedido.
1.1.5. Todas as seis acções de processo comum foram julgadas em primeira instância parcialmente procedentes; e, tendo sido interpostos recursos de apelação em qualquer delas, pelos seus autores e pela Massa Insolvente, vieram os recursos daqueles a serem julgados totalmente improcedentes e os desta a serem julgados parcialmente procedentes (o que os posteriores recursos de revista deixaram inalterado), isto é: confirmou-se a execução específica dos contratos-promessa de compra e venda em causa (como se decidira em primeira instância); confirmou-se que os preços respectivos se encontravam já integralmente pagos (como se decidira em primeira instância, mercê dos sinais pagos e do crédito por incumprimento da Insolvente); e cometeu-se então a cada um dos respectivos promitentes compradores o encargo de liquidarem o montante necessário ao distrate da hipoteca que oneraria a sua fracção, constituindo essa despesa um crédito comum seu sobre a insolvência (e não, como inicialmente se decidira em primeira instância, considerando desnecessária aquela prévia liquidação).
A remanescente acção, de verificação ulterior de créditos, foi julgada totalmente improcedente em sede de audiência prévia (reconhecendo-se a caducidade do direito invocado pela respectiva autora, excepção arguida pela Massa Insolvente na contestação que apresentara), tendo essa decisão transitado em julgado sem a interposição de qualquer recurso.
1.1.6. Concluída a liquidação do activo, foi de € 13.935,00 o valor total das receitas realizadas.
1.1.7. O Administrador da Insolvência apresentou contas da liquidação, constando nomeadamente das mesmas a quantia de € 50.427,33, por ele próprio adiantada para pagamento de honorários a mandatário forense, pelo patrocínio da Massa Insolvente exercido nos Apensos O (DD), P (EE), Q (FF e GG), R (HH II), S (JJ), T (KK) e U (P..., Limitada).
1.1.8. Notificados a Comissão de Credores (presidida pela credora Banco 1..., S.A.), os Credores e a Insolvente, não foi apresentada qualquer reclamação.
1.1.9. Aberta vista ao Ministério Público, este pediu esclarecimentos ao Administrador da Insolvência, nomeadamente sobre a necessidade de contratação de um advogado, quando a modalidade de nomeação de patrono poderia ter sido incluída no apoio judiciário requerido [1].
1.1.10. O Administrador da Insolvência prestou os esclarecimentos pedidos, nomeadamente explicando ter procedido à contratação de um advogado face à complexidade das questões envolvidas nas acções judiciais em causa e ao facto de já trabalhar e confiar no advogado em causa há muitos anos [2].
1.1.11. O Ministério Público opôs-se então à aprovação das despesas de honorários com mandatário forense, lendo-se nomeadamente na sua promoção:
«(…)
Ora descendo ao caso dos autos, verifica-se que o Ex.mo AI, quando a massa insolvente não tinha (nem nunca teve) liquidez para tanto, constituiu ilustres mandatários forenses para intentar ações judiciais várias em alegado interesse daquela, todas a final julgadas improcedentes e, não obstante, não se coibiu de reclamar o reembolso de despesas de honorários com tais patrocínios forenses no valor global de 50.427,33€ (valor este que excede em 361% o valor total das receitas realizadas – 13.935,00€) e que, por isso, pretende ser reembolsado à custa do erário público (na medida em que a massa insolvente é insuficiente).
Na verdade, em tão adverso contexto de falta de liquidez, o Ex.mo AI:
- pediu apoio judiciário apenas na modalidade de dispensa de taxa de justiça de demais encargos com o processo e não pediu (e devia ter pedido) também apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono para defender os interesses da massa insolvente nas sobreditas ações em que constituiu mandatário forense da sua confiança;
- não acautelou minimamente a contenção de custos de tais patrocínios, ao ponto de pretender o reembolso dos respetivos honorários com critérios puramente privatísticos e em grave prejuízo do erário público (a quem agora pede que suporte o reembolso de tais avultadas despesas na medida em que a massa insolvente é insuficiente, mais precisamente 43.203,97€ - receitas de 13.935,00€ totalmente absorvidas pelas despesas que relacionou no valor de 54.878,97€ acrescidas, obviamente, da sua remuneração fixa a que tem direito no valor de 2.000,00€+Iv À taxa de 23%).
Salvo o devido respeito, mandava a prudência ao Ex.mo AI que tivesse recorrido ao apoio judiciário também na modalidade de nomeação de patrono para intentar as ações que entendia dever intentar, o que, por certo lhe teria sido concedido (como o foi na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo).
É que se o tivesse feito, o Ex.mo AI estaria não apenas a defender os interesses da massa insolvente como também os do erário público, já que este apenas suportaria a remuneração de um patrono fixada na lei e não seria surpreendido – como facto consumado – com um pedido de reembolso de muitos milhares de euros para pagamentos de honorários de ilustre mandatário forense por ele escolhido, em satisfação de puros interesses privados (assim contornando o interesse público prosseguido pelo apoio judiciário).
Por outro lado, o Ex.mo AI não podia ignorar o risco de perder - como perdeu – todas as ações que intentou com o patrocínio de ilustre mandatário forense em patrocínio da massa insolvente, pelo que devia ter sopesado - e parece não o ter feito - a utilidade de tal patrocínio, que veio a revelar-se desastroso para a massa e para os credores da insolvência.
Neste contexto, considerados as despesas realizadas pelo Ex.mo AI com ilustres mandatários forenses irrazoáveis, inúteis e desnecessárias.
Não são assim, em nosso entender, reembolsáveis tais despesas e muito menos à custa do erário público, como pretende o Ex.mo AI pelo elevado valor de 43.203,97€ - pasme-se quem quiser !!!...
Face ao exposto, o MP opõe-se à aprovação das contas a inelegibilidade das sobreditas despesas de honorários com mandatários forenses, no valor global de 50.427,33€, por injustificadas (irrazoáveis, inúteis e desnecessárias) e nessa medida não enquadráveis no patrocínio judiciário obrigatório, por não autorizadas.
(…)»
1.1.12. Em 30 de Junho de 2021, foi proferida sentença, julgando boas as contas prestadas pelo Administrador da Insolvência, à excepção das relativas a honorários com advogados, lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
Prestação de contas administrador (CIRE)
Veio o Senhor Administrador de Insolvência apresentar as respectivas contas.
Efectuadas as legais notificações, não foi deduzida qualquer reclamação.
O Ministério Público teve vista do processo, e opinou no sentido de serem julgadas tendencialmente boas as contas apresentadas, opondo-se à aprovação das despesas de honorários com mandatários forenses, no valor global de 50.427,33€.
Compulsados os autos, constata-se que o Sr. AI constituiu mandatários forenses para...
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