Acórdão nº 936/20.2T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2022-05-11

Ano2022
Número Acordão936/20.2T8VRL.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

N. C., por si e na qualidade de herdeira de seu marido, D. A., deduziu ação declarativa contra A. C. e mulher, M. L. e L. C., pedindo que se declare que a autora, o primeiro réu marido e a segunda ré são os únicos e universais herdeiros de D. A. e que, nessa qualidade, são proprietários do prédio urbano descrito na CRP de ... sob o n.º ...-freguesia de ... e,
- por efeito da nulidade da procuração outorgada pelo vendedor ou, subsidiariamente, por simulação absoluta, julgar-se nulo e de nenhum efeito o contrato de compra e venda titulado pela escritura pública outorgada em 29/10/2015 a fls. 45 e seguintes do Livro n.º 244 do Cartório da Notária M. C., em Vila Real, ordenando-se o cancelamento do registo da aquisição desse prédio a favor dos réus, a que corresponde a Ap. 370 de 2015/11719 e eventuais registos posteriores, condenando-se os réus a restituírem o dito imóvel à herança de D. A.;
- ou, caso se verifique a existência e validade de contrato dissimulado de doação a favor dos réus, declarar-se a existência do mesmo, designadamente para efeitos de invocação da sua inoficiosidade no procedimento para partilha;
- mais declarar-se terem os réus levado a cabo sonegação de bens no relativo ao prédio aludido e ao saldo das contas bancárias do falecido D. A. abertas na Caixa … com o n.º ...............600 e derivadas e a consequente perda em benefício dos co-herdeiros do direito que possam ter a qualquer parte dos bens sonegados;
- ainda, subsidiariamente, caso se não declare e julgue o acima peticionado, deverá o primeiro réu marido ser condenado a entregar à herança aberta por óbito de D. A. a importância de € 20.000,00, acrescida da quantia de € 3.682,19, correspondente a juros de mora vencidos, a que deverão acrescer os juros de mora vincendos.
Alegou que foi casada com D. A., que faleceu em -/05/2016, sem testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, sendo que os réus são filhos do seu falecido marido.
Mais alega que o dito D. A. foi proprietário de um prédio urbano, que identifica, que lhe veio à posse por partilha da herança aberta por óbito de sua primeira mulher. Que, em 03/06/2015 outorgou procuração a seu filho, concedendo-lhe poderes para vender, incluindo a si próprio, o referido prédio e, fazendo uso dessa procuração, em 29/10/2015, o réu outorgou em escritura pública de compra e venda, vendendo o prédio a si e a sua irmã, aqui ré. Esta suposta venda terá tido como único objetivo defraudar e prejudicar a autora, excluindo o bem da herança que viria a abrir-se por óbito do marido desta.
Os réus contestaram, pugnando pela improcedência das várias nulidades suscitadas, bem como por impugnação. Alegaram que o mandante interveio pessoalmente na outorga da procuração, tendo assinado com a aposição da sua impressão digital, não tendo havido simulação, quer no objeto do negócio, quer no pagamento do preço. Em reconvenção, para o caso de se provarem os factos alegados pela autora relativamente à alegada simulação, pedem que se declare terem os réus adquirido por doação o imóvel identificado nos autos.
A autora replicou, mantendo o já alegado.
Dispensada a audiência prévia, foi admitida a reconvenção, definido o objeto do processo e elencados os temas da prova.
Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que, na procedência do abuso de direito, julgou a ação improcedente e absolveu os réus de todos os pedidos formulados.

A autora interpôs recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes
Conclusões:

1ª - Sob pena de cometer erro de julgamento, o Tribunal apenas pode decidir de direito com base nos factos que constam da decisão da matéria de facto, mormente da provada, e não com base no que aduziu na fundamentação dessa decisão;
2ª - Assim sendo, o abuso de direito declarado na sentença recorrida, que implicou a improcedência de “todos os pedidos formulados na petição inicial”, teria de decorrer dos factos julgados provados e não das considerações que são feitas na fundamentação da sentença;
3ª - Até porque o que apenas pode ser impugnada e, consequentemente, alterada, é a decisão da matéria de facto, composta pelos factos dados como provados e como não provados, mas não já a fundamentação que o Juiz haja aduzido para chegar a tal decisão;
4ª - Sendo inválida a procuração usada na venda da casa em discussão na acção, por violação da lei, a sanção natural, de conhecimento oficioso, para essa violação é a sua nulidade, não podendo constituir, por isso, abuso de direito, o pedido de declaração dessa nulidade, já que é a própria lei que a determina;
5ª - E, sendo nula a procuração, nula é a venda na qual essa procuração foi usada;
6ª - Para além do pedido de declaração de nulidade da compra e venda, a A. formula outros pedidos que o Tribunal recorrido não apreciou, tratando-se de questões que estava obrigado a apreciar;
7ª - Essas questões correspondem ao pedido de que a autora, o primeiro réu marido e a segunda ré são os únicos e universais herdeiros de D. A., e que, nessa qualidade, são proprietários do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ...-Freguesia de ...; e ao pedido de que se declare terem os RR. levado a cabo sonegação de bens no relativo ao prédio aludido e ao saldo das contas bancárias do falecido D. A. abertas na Caixa ... com o número ...............600 e derivadas, e a consequente perda em beneficio dos co-herdeiros do direito que possam ter a qualquer parte dos bens sonegados;
8ª - Impondo-se ainda, nomeadamente em caso de improcedência do pedido principal de anulação da venda, a apreciação do pedido subsidiário de condenação do primeiro réu marido a entregar à herança aberta por óbito de D. A. a importância de 20.000,00 (vinte mil) euros, acrescida da quantia de 3.682,19 euros, correspondente a juros de mora vencidos, a que deverão acrescer os juros de mora vincendos;
9ª - Na falta de apreciação destes pedidos, foi praticada a correspondente nulidade pelo Tribunal recorrido, que deverá agora ser sanada por recurso ao disposto no nº 2 do artº 665º do CPC;
10ª - Foram violadas as disposições dos artigos 334º do Cód. Civil e 607º nº 4 e 615º nº 1 d) do CPC.
Pelo exposto e pelo que doutamente será suprido, deverá proceder a presente apelação, revogando-se a decisão recorrida e, por efeito da nulidade da procuração outorgada pelo vendedor, julgar-se nulo e de nenhum efeito o contrato de compra e venda titulado pela escritura pública outorgada em 29/10/2015 a folhas 45 e seguintes do Livro nº 244 do Cartório da Notária M. C., em Vila Real, ordenando-se o cancelamento do registo da aquisição desse prédio a favor dos RR., a que corresponde a AP. 370 de 2015/11719 e eventuais registos posteriores, condenando-se os RR. a restituírem o dito imóvel á herança de D. A..
Mais deve declarar-se a nulidade decorrente da não apreciação dos restantes pedidos (que a autora, o primeiro réu marido e a segunda ré são os únicos e universais herdeiros de D. A., e que, nessa qualidade, são proprietários do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ...-Freguesia de ...; e terem os RR. levado a cabo sonegação de bens no relativo ao prédio vendido e ao saldo das contas bancárias do falecido D. A. abertas na Caixa ... com o número ...............600 e derivadas, e a consequente perda em beneficio dos co-herdeiros do direito que possam ter a qualquer parte dos bens sonegados; ou caso se não declare a nulidade da venda, se condene o primeiro réu marido a entregar à herança aberta por óbito de D. A. a importância de 20.000,00 (vinte mil) euros, acrescida da quantia de 3.682,19 euros, correspondente a juros de mora vencidos, a que deverão acrescer os juros de mora vincendos), procedendo-se agora a essa apreciação, ao abrigo do disposto no nº 2 do artº 665º do CPC.

Os réus contra-alegaram e, subsidiariamente, para a hipótese da procedência do recurso, requereram a ampliação do mesmo, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes
Conclusões:

1ª - Todos os factos em que a Sra Juiz a quo se baseou para fundamentar a existência de abuso do direito constam como provados na sentença.
2ª - Nos termos do art. 607º, nº 4, do CPC, o juiz, além dos factos provados, toma ainda em consideração os factos admitidos por confissão.
3ª - Na transcrição das declarações da Autora, feitas em audiência e constantes da sentença, consta a confissão de todos os factos de que a Sra. Juiz a quo se socorreu na fundamentação do abuso do direito.
4ª - Face aos factos em que se fundamentou a sentença recorrida, é inequívoco que a Recorrente age com nítido e manifesto abuso de Direito e com má-fé.
5ª - Pelo que sempre deverão improceder as conclusões 1ª a 3ª da alegação do recurso.
6ª - Sem prescindir, caso se entenda que os factos são insuficientes para conhecer do abuso do direito, deve esse douto Tribunal da Relação, ao abrigo do nº 3 do artigo 636.º CPC, mandar baixar os autos, a fim de se proceder ao julgamento no tribunal onde a decisão foi proferida.
7ª - A sentença recorrida não enferma da nulidade estabelecida no nº 1, al. d) do art. 615º do CPC, por falta de apreciação de outros pedidos, porquanto a Sra. Juiz a quo refere na sentença que estes pedidos improcedem por causa da procedência do abuso do...

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