Acórdão nº 934/13.2BELLE de Tribunal Central Administrativo Sul, 2023-07-13

Ano2023
Número Acordão934/13.2BELLE
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I Relatório
O Ministério Público, devidamente identificado nos autos, intentou ação administrativa especial contra o Município de Tavira, tendo como contrainteressados R....... e W......., tendente a “impugnar os seguintes atos administrativos, todos eles praticados no âmbito de um procedimento de licenciamento promovido pela contrainteressada para a realização de obras referentes a uma edificação num prédio sito em A......., freguesia da Luz, concelho de Tavira (processo de obras n.º .......0/2007):
(i) A decisão de aprovação do projeto de arquitetura, proferida pela Vice-Presidente da Câmara Municipal de Tavira em 5 de Maio de 2007;
(ii) A decisão de deferimento do pedido de licenciamento, proferida pela Vice-Presidente da Câmara Municipal de Tavira em 5 de Junho de 2007; e
(iii) A decisão de deferimento do pedido de emissão da “licença” de utilização, proferida pela Vice-Presidente da Câmara Municipal de Tavira em 1 de Agosto de 2008.”
O Município inconformado com a Sentença proferida no TAF de Loulé que, em 28 de Novembro de 2022, julgou procedente a presente ação e declarou “a nulidade dos atos administrativos impugnados, consubstanciados nos despachos da Vice-Presidente da Câmara Municipal de Tavira datados de 2 de Maio de 2007, de 5 de Junho de 2007 e de 1 de Agosto de 2008, mediante os quais foi, respetivamente, aprovado o projeto de arquitetura, deferido o pedido de licenciamento e concedida a autorização de utilização, no âmbito do processo de obras n.º .......0/2007”, veio Recorrer para esta instância em 2 de fevereiro de 2023, concluindo:
“A. Vem o presente Recurso da douta sentença que julgou a ação procedente e, em consequência, declarou a nulidade dos atos administrativos praticados no âmbito de um procedimento de licenciamento promovido pelos contrainteressados;
B. A decisão recorrida não retirou dos factos considerados provados as corretas consequências jurídicas no que concerne à verificação dos efeitos putativos dos atos nulos;
C. O Tribunal “a quo” entendeu que a ponderação de um eventual reconhecimento dos efeitos putativos de um ato administrativo nulo não tinha lugar nesta ação declarativa;
D. Mas esses efeitos putativos devem ser reconhecidos logo na ação declarativa que declara a nulidade dos atos;
E. Uma vez que os atos administrativos nulos se referem ao projeto de obras n.º .......0/2008, nomeadamente, à decisão de aprovação do projeto de arquitetura, à decisão de deferimento do pedido de licenciamento e à decisão de deferimento do pedido de emissão da “licença” de utilização, a consequência necessária será a demolição do edificado, ao abrigo do disposto pelo artigo 102.°, n.º 1, alínea a), do Decreto-lei n.º 555/99, de 16 de dezembro (R.J.U.E.);
F. Com o consequente facto dos contrainteressados ficarem desalojados;
G. Dispõe o n.º 3 do artigo 162.°, do CPA que “O disposto nos números anteriores não prejudica a possibilidade de atribuição de efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos, de harmonia com os princípios da boa-fé, da proteção da confiança e da proporcionalidade ou outros princípios jurídicos constitucionais, designadamente associados ao decurso do tempo.”;
H. Este artigo admite os denominados efeitos putativos, os quais permitem, devido a determinados princípios jurídicos e ao decurso do tempo, a atribuição de validade e efeitos jurídicos a atos administrativos nulos, pelo que, apesar do seu reconhecimento não determinar a procedência ou improcedência da ação, influencia o modo como a mesma irá decorrer;
I. Assim, e salvo o devido respeito, não permitir a verificação do reconhecimento dos efeitos putativos na presente ação implica uma clara violação do princípio da segurança jurídica, sobretudo tendo em conta que os contrainteressados não irão fruir de um mínimo de previsibilidade, certeza e estabilidade no decorrer da ação, algo que a atribuição de efeitos putativos poderia garantir, visto que obstaria à demolição da casa de habitação dos contrainteressados;
J. As atuações por parte da Administração Pública transmitiram a confiança aos contrainteressados de que todo este processo decorria de acordo com os trâmites legais, e os mesmos atuaram sempre de acordo com o que lhes havia sido comunicado, procedendo à construção da sua moradia no ano de 2008;
K. E agora, decorridos 14 anos sobre a finalização da construção da moradia, o Tribunal veio decidir pela nulidade dos atos administrativos impugnados sem que se pronuncie sobre os efeitos putativos da situação de facto entretanto criada;
L. O artigo 162.°, n.º 3, do C.P.A. admite os denominados “efeitos putativos”, o que significa que, apesar da existência de um ato administrativo nulo, o mesmo poderá, e deverá, produzir efeitos jurídicos de acordo com determinados princípios jurídico- constitucionais, nomeadamente, mas não apenas, relacionados com o decurso do tempo;
M. Os contrainteressados atuaram de acordo com a segurança jurídica transmitida e provocada pelos sucessivos deferimentos às suas pretensões, não lhes sendo imputada qualquer manifesta intencionalidade e/ou dolo aos contrainteressados;
N. Acresce que o n.º 2, do artigo 10.°, do CPA sustenta o princípio da boa-fé e o princípio da proteção da confiança, decorrente do princípio da segurança jurídica, todos pedras basilares do Estado de Direito Democrático, na medida em que a confiança suscitada na contraparte, pela atuação administrativa, tem de ser objeto de tutela jurídica;
O. De acordo com a jurisprudência dominante, devem decorrer, pelo menos, 10 anos desde os factos ocorridos e a declaração de nulidade dos atos, o que se verifica no caso sub judice;
P. Os contrainteressados não podem, nem devem, permanecer nesta situação de insegurança jurídica, na medida em que atuaram de acordo com a confiança transmitida pelo Município, pelo que se mostram cumpridos todos os requisitos para o reconhecimento de efeitos putativos aos atos impugnados, ao abrigo do disposto no artigo 162.°, n.º 3, do CPA;
Q. Ao decidir como decidiu, a douta sentença recorrida violou, pois, o disposto no artigo 162.°, n.º 3, do C.P.A.;
R. E violou ainda o n.º 2, do artigo 10.°, do C.P.A.;
S. Que impunham fossem reconhecidos os efeitos putativos dos atos declarados nulos logo na presente ação.
Termos em que deve a decisão recorrida ser revogada e, em consequência, serem reconhecidos os efeitos putativos aos atos declarados nulos, assim se fazendo JUSTIÇA!

Em 9 de fevereiro de 2023 veio o Ministério Púbico apresentar as suas Contra-alegações de Recurso, concluindo:
“1. Nos presentes autos foram impugnados, em 2013, os atos administrativos praticados no procedimento de licenciamento de obras no âmbito do processo n.º .......0/2007 da Câmara Municipal de Tavira, por os mesmos terem sido praticados sob a falsa convicção de que, naquele local, existia uma construção prévia a 1951; verificando- se que não pré-existia qualquer construção, e situando-se o prédio em Área Agrícola Preferencial, cujos solos se integram em Reserva Agrícola Nacional (RAN), onde é proibida a edificação de novas construções, aqueles atos padecem de nulidade - o que foi declarado pelo Tribunal e não impugnado no recurso apresentado, o qual se circunscreve ao pedido de atribuição de efeitos putativos àqueles atos.
2. O Tribunal considerou, e bem, que a presente ação tinha como objeto apenas a apreciação da legalidade dos atos que concretamente foram impugnados, cabendo à entidade Administrativa, na sequência de tal apreciação, adotar as medidas de reposição da legalidade urbanística que considerasse mais adequadas, retirando da sentença proferida as consequências devidas.
3. A opção do Tribunal, salvo melhor opinião, é a única possível por duas razões essenciais.
4. Em primeiro lugar, vigora entre nós o princípio do pedido (art.° 3.° do CPC): o tribunal está cingido ao que as partes tiverem alegado e tiverem concretamente pedido, sendo que não foi apresentado pedido de atribuição de efeitos aos atos nulos;
5. O pedido formulado pelos contrainteressados na contestação apresentada, de atribuição de efeitos putativos, não configura nem um pedido reconvencional (que não foi formulado), nem uma exceção perentória (únicos casos em que seria lícito ao Tribunal apreciar tal questão).
6. Na verdade, e sabendo-se que as exceções perentórias "consistem na invocação de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito a que se arroga o autor" (art.° 89.°, n.º 3, do CPTA), fácil é de ver que a atribuição de efeitos aos atos nulos não configura uma: é que o efeito pretendido na ação foi o da declaração de nulidade dos atos administrativos impugnados, e a atribuição de efeitos putativos a tais atos não contende com essa declaração de nulidade: não extingue, não modifica nem impede que os atos sejam nulos: pelo contrário, pressupõe essa mesma nulidade.
7. Mesmo que assim não se considerasse, a ação declarativa não é o local ou não corresponde ao momento de atribuição de efeitos aos atos declarados nulos uma vez que, perante a declaração de nulidade de um ato, cabe à Administração executar o julgado (ou extrair as consequências devidas da sentença proferida).
8. Perante essa obrigação pode a Administração (neste caso, o Réu ora recorrente) proceder de diversas formas - quer aplicando as soluções previstas no art.° 102.° do RJUE, quer justificando a inexecução do julgado (art.°s 174.° e 163.° do CPTA), ou até mesmo atribuindo efeitos aos atos declarados nulos (art.° 162.°, n.º 3, do CPA).
9. Como se decidiu no Acórdão do STA proferido no processo 0649/13.1BALSB, datado de 24/09/2020, "Não cabe à sentença anulatória o "reconhecimento de efeitos putativos do ato nulo", devendo a "primeira palavra" nesta matéria ser dada à Administração no âmbito da execução do julgado, ficando a posição...

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