Sentença ou Acórdão nº 0000 de Tribunal da Relação, 01 de Janeiro de 2022 (caso Acórdão nº 9338/21.2T8LSB.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-04-28)

Data da Resolução01 de Janeiro de 2022
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa


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1. Relatório:

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1.–PL e CP, identificados nos autos, instauraram a presente ação de condenação, sob a forma de processo comum de declaração, contra PRESTÍGIO GLOBAL – SOCIEDADE DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, S.A., também identificada nos autos, pedindo a condenação da ré a pagar-lhes uma indemnização de € 27.000,00 e as custas do processo.

Para o efeito alegaram, em suma:
- Que o autor se dedica à compra e venda de imóveis, adquirindo-os, restaurando-os e vendendo-os e no exercício dessa actividade, teve conhecimento que a ré tinha em carteira, para venda, na sua loja em Alverca, o prédio urbano sito na Quinta do Serrado, n.º …, em Camarate, inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de Camarate, Unhos e Apelação sob o artigo … e, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Loures sob o n.º … da freguesia de Camarate, tendo apresentado através da Ré, uma proposta que foi aceite pelo vendedor e por documento particular, autenticado de compra e venda, datado de 08/02/2018, elaborado pela Solicitadora LO e assinado nas instalações da Ré em Alverca, AG declarou vender ao A. o referido prédio, ficando a constar desse documento a intervenção da ré como mediadora.
- Que após a aquisição do imóvel procederam a obras de melhoramento e modernização (trabalhos de construção civil, identificados na petição inicial), nas quais gastaram cerca de € 12.000,00, tendo colocado o referido prédio no mercado para venda;
- Que por escrito denominado de contrato-promessa de compra e venda, dado de 28/02/2019, os AA. prometeram vender a MO o mencionado prédio, pelo preço de € 55.000,00, sendo que para instruir o pedido de financiamento bancário de que necessitava para comprar o prédio em causa, a promitente compradora, precisava de entregar ao Montepio uma certidão da licença de utilização/habitação, pelo que o A. dirigiu-se à Câmara Municipal de Loures e, requereu certidão da licença de habitação n.º … emitida em 11/11/1971, porém, essa licença dizia respeito a um prédio com dois fogos, sito em Almosteis, Campo do Rio, Camarate, pelo que os AA. adquiriram uma edificação clandestina, a qual não é passível de legalização, estando os AA. impossibilitados de celebrar o contrato promessa supra referido e, estando obrigados a devolver à promitente compradora, pelo menos o sinal que dela receberam, correndo o risco de terem de lho dobrar, pelo que o negócio intermediado pela Ré, no qual os AA. foram ludibriados, só foi possível, porque a Ré não cumpriu a lei e, causou danos aos AA. que equivalem a somatório da diferença entre o valor que pagaram pelo prédio e, aquele que é o seu por não estar licenciado, com o montante despendido em obras no valor de cerca de € 12.000,00; e
- Que a omissão da Ré, que consistia em cumprir a obrigação que lhe é imposta pela alínea b) do n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 15/2013 de 08/02, determinou para os AA. um prejuízo de € 15.000,00 correspondente à diferença entre o que pagaram pela compra do prédio e o seu valor real como edificação, acrescido dos € 12.000,00 em obras, os quais deverão ser ressarcidos pela Ré.

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2.–Citada a ré, a mesma contestou alegando, em síntese, que em 21/11/2017 celebrou com os AA. o contrato de mediação imobiliária, visando encontrar interessado na compra do prédio em causa nos autos, sendo que aquando da celebração desse contrato, a Ré verificou todos os elementos ao seu dispor, incluindo a existência de utilização, através da consulta de escritura pública de compra e venda outorgada a fls. 81 do Livro …-A do Cartório Notarial de Arruda dos Vinhos, em 02/…/1980, da qual consta que foi exibida essa licença de utilização e, só após a celebração do contrato de compra e venda pelos AA., veio a provar-se que a informação atestada por aquele oficial púbico não estava correcta e, o imóvel não possui licença de utilização, sendo que os AA. não interpelaram os anteriores proprietários do imóvel, solicitando a anulação do contrato de compra e venda nos termos dos artigos 916.º e 917.º do C. Civil.
Concluiu, pela sua absolvição da instância e serem os autores condenados no pagamento de custas e procuradoria condigna.
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3.–Por despacho de 23-09-2021 foi dispensada a realização de audiência prévia, fixado o valor da causa, e proferido despacho saneador, com identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.
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4.–Após a realização da audiência de discussão e julgamento, em 22-11-2021 foi proferida sentença julgando a ação improcedente e absolvendo a ré do pedido deduzido pelos autores.
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5.–Não se conformando com a referida sentença, dela apelam os autores, pugnando pela sua revogação e substituição por outra que julgue a acção procedente, tendo formulado as seguintes conclusões:
a)-Através da presente acção, os AA. pretendem ser indemnizados pela Ré dos prejuízos que sofreram em consequência da aquisição de um prédio clandestino – insusceptível de ser transacionado – em negócio por ela intermediado;
b)-A Ré tinha em carteira (como mediadora imobiliária devidamente licenciada – cfr. facto provado nº. 2), para venda, o prédio sito na Quinta do Serrado, nº. …, em Camarate (facto provado nº. 3), que o A. marido mostrou interesse em adquirir, destinando-o a revenda – factos provados nºs. 3 e 4;
c)-Os AA. compraram o prédio em causa por escrito particular de 8 de Fevereiro de 2018, elaborado pela solicitadora Senhora D. EO, nas instalações da Ré – facto provado nº. 5;
d)-Ficou a constar do título translativo da propriedade referido na conclusão anterior que havia sido emitida para o prédio em causa, em 11 de Novembro de 1971, a licença de habitação nº. … da Câmara Municipal de Loures – facto provado nº. 7;
e)-Os AA. promoveram obras de reabilitação no prédio que adquiriram com a intermediação da Ré, obras que ascenderam a € 12.000,00 – factos provados nºs. 8 e 9;
f)-Colocada a casa no mercado para revenda, os AA. prometeram vendê-la a MO – facto provado nº. 11;
g)-Tendo o Banco financiador da promitente compradora solicitado certidão da licença de utilização, o A. marido deslocou-se à Câmara Municipal de Loures, com o propósito de obter tal documento – factos provados nºs. 12 e 13;
h)-A licença de utilização identificada no “documento particular autenticado de compra e venda” referido na conclusão c) supra não corresponde ao prédio adquirido pelos AA. através daquele título, mas a um imóvel de dois andares, sito em Almostéis, Campo do Rio – facto provado nº. 14;
i)- O prédio adquirido pelos AA. no negócio intermediado pela Ré não se encontrava licenciado no momento do negócio, nem é passível de vir a sê-lo – facto provado nº. 17;
j)- A intervenção de mediadora nos negócios imobiliários gera no interessado-comprador a convicção de que os prédios que aquela tem em carteira se encontram legalizados e que a intermediária se certificou de que os elementos que lhe foram fornecidos pelo interessado vendedor correspondem aos imóveis angariados;
k)- Não é sobre o interessado na compra, ainda que exerça a actividade de compra para revenda, que recai o ónus de averiguar se os documentos apresentados pelo vendedor correspondem ao objecto do negócio;
l)- O facto dado como não provado na, aliás douta, sentença recorrida – “a Ré omitiu o dever de se certificar de que o prédio estava licenciado” – não integra, verdadeiramente, matéria de facto, mas uma conclusão jurídica a extrair da factualidade apurada na instrução do processo, após a interpretação e aplicação da norma, pelo que deverá ser eliminado;
m)- Por força do disposto na alínea a) do nº. 1 do art. 17º. da Lei nº. 15/2013, de 8 de Fevereiro, a empresa de mediação está obrigada a certificar-se da correspondência entre as características do imóvel objecto do contrato de mediação e as fornecidas pelos clientes;
n)- O cumprimento da obrigação legal que impende sobre a empresa de mediação de se certificar da correspondência a que se alude na conclusão supra não se basta com a leitura dos documentos apresentados pelo vendedor, carecendo de averiguação para apuramento da verdade;
o)- Verificação documental e certificação não são uma e mesma realidade; a primeira cabe ao notário que exara a escritura de compra e venda, enquanto que a segunda constitui obrigação legal da mediadora imobiliária, devendo esta garantir que o prédio se encontra em condições de ser transmitido, para o que é indispensável que disponha de licença de utilização que lhe corresponda, independentemente de na escritura anterior ter sido feita menção à existência de tal licença;
p)- Confiando na probidade da mediadora imobiliária Ré, os AA., ora apelantes, despenderam € 27.000,00 na aquisição do prédio que supunham legalizado (facto provado nº. 6) e gastaram € 12.000,00 com as obras que nele realizaram, tendo em vista a sua revenda com lucro – factos provados nºs. 9 e 10;
q)- Por não estar legalizado, nem ser susceptível de vir a sê-lo (facto provado nº. 17), o prédio que os AA. adquiriram no negócio intermediado pela Ré não vale mais de € 12.000,00 (facto provado nº. 18), não podendo ser vendido;
r)- Não cumprindo a obrigação, a que estava legalmente adstrita, de se certificar de que o prédio em cuja venda interveio se encontrava efectivamente licenciado, a Ré causou aos AA. um prejuízo (pelo menos) equivalente ao preço por eles desembolsado na compra, já que o valor da construção clandestina tem a expressão económica igual ao montante despendido com as obras;
s)- Ao entender que a Ré – que não se certificou da existência da licença de habitação – “pautou a sua conduta em conformidade com a lei”, a Mma. Juiz a quo procedeu a errada interpretação e aplicação do art. 17º., nº. 1, alínea b) da Lei nº. 15/2013, de 8 de Fevereiro.”.
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6.–Não consta dos autos a dedução de contra-alegações.
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7.–Em 28-03-2022 foi proferido despacho de admissão liminar da apelação.
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