Acórdão nº 931/20.0GAMAI.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 21-02-2024

Data de Julgamento21 Fevereiro 2024
Ano2024
Número Acordão931/20.0GAMAI.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. n.º 931/20.1GAMAI.P1

Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo de Instrução Criminal de Matosinhos – Juiz 1

Sumário:

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Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório

No âmbito do Inquérito n.º 931/20.1GAMAI, por despacho de 08-11-2021, foi proferido despacho de arquivamento dos autos quanto ao apuramento da responsabilidade criminal dos denunciados AA, BB, CC e outros familiares pela eventual prática dos crimes de burla qualificada, introdução vedada ao público e furto qualificado.

Perante o despacho de arquivamento, o denunciante DD requereu a sua constituição como assistente, que foi deferida, e a abertura da instrução, suscitando a nulidade insanável do despacho de arquivamento, ao abrigo do disposto no art. 119.º, al. b) e c), do CPPenal, e requerendo a realização de diligências e, a final, a pronúncia dos arguidos pela prática dos crimes de burla, introdução vedada ao público e furto qualificado.


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Por despacho de 31-10-2022, o Senhor Juiz de Instrução, apreciando o requerimento para abertura da instrução (doravante RAI), rejeitou-o, «quer porque a instrução é inadmissível - por inexequibilidade e por falta de objecto (cfr., em situações similares, Acórdãos da Relação de Lisboa de 06/11/2001, da Relação de Coimbra de 31/10/2001 e da Relação do Porto de 23/05/2001 e de 24/04/2002, processo n.º 0210078, todos consultados em www.dgsi.pt).-, quer porque o requerimento de abertura de instrução é nulo, atentas as disposições conjugadas dos arts. 287°, n° 2 e 283°, n° 3, al. b).»

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Inconformado com esta decisão, o assistente DD interpôs recurso, solicitando que seja revogado o despacho recorrido e o mesmo seja substituído por outro que admita a instrução por si requerida, seguindo-se os ulteriores termos do processo.

Apresenta em apoio da sua posição as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição):

«I. O presente recurso tem como objeto toda a matéria de direito e de facto considerada na decisão proferida nos autos supra mencionados, requerendo a sua reapreciação pela Veneranda Relação.

II. O Recorrente não pode, com o devido e merecido respeito, concordar com a decisão de rejeição do requerimento de abertura de instrução. Desde logo,

III. O Exmo. Juiz a quo, na sua decisão, não se pronunciou quanto à nulidade insanável invocada pelo Recorrente por falta de promoção do processo pelo Ministério Público, conforme o art.º 48.º do CPP - nos termos da primeira parte da alínea b) do art.º 119.º do CPP.

IV. Pois, no entendimento do Recorrente, não foram executadas todas as diligências de prova necessárias para a descoberta da verdade material, principalmente, por não terem sido inquiridos os denunciados AA e BB, conforme exige o n.º 1 do art.º 272.º do CPP.

V. Nestes termos, há uma clara falta de fundamentação da decisão recorrida ao não se pronunciar pela nulidade invocada e, nos termos do art." 205.0, n.? 1, da CRP, esse dever de fundamentação é obrigatório por lei, o que determina a nulidade do ato, nos termos e para os efeitos do art.º 120.º, n.ºs 1, 2, aI. d) e 3, al. c), do CPP.

Sem prescindir,

VI. O Exmo. Juiz a quo veio alegar que “o requerimento não reveste o formalismo de uma acusação, definindo e delimitando o objeto da instrução” e que “não se verificam os requisitos necessários para permitir uma abertura de instrução” e, ainda, que “o RAI é omisso ou deficitário para os fins a que se destina”.

VII. Ora, obedecendo ao art.º 287.º, n.º 2, do CPP, o Recorrente veio indicar as suas razões de facto e de direito de discordância relativamente ao arquivamento promovido pelo Ministério Público, consequentemente, nos arts. 2.º a 14.º do RAI. Pelo que, esse requisito mostra-se cumprido.

VIII. E, cumprindo com o disposto no art.º 283.º, n.º 3, als. b e d), do CPP, no que concerne ao RAI ser uma verdadeira acusação, o Recorrente veio nos arts. 15.º a 63.º do RAI descrever todos os factos que, no nosso humilde entendimento, fundamentam a aplicação aos denunciados/arguidos de uma pena por consubstanciarem a prática do crime de burla, furto qualificado e introdução em lugar vedado ao público, consagrando as normas legais aplicáveis ao caso

IX. Nesse sentido, o Recorrente indicou o lugar da ocorrência dos factos - a sua residência na Maia - o tempo em que ocorreu a prática dos factos - entre outubro de 2019 e 18 de julho de 2020 (crime de burla) e 14 de julho de 2020 (crimes de furto qualificado e introdução em lugar vedado ao público) - e a motivação da prática (enriquecimento ilegítimo), grau de participação (os denunciados AA e BB como coautores de todos os crimes e a denunciada CC como cúmplice daqueles) e todas as circunstâncias relevantes para a aplicação de uma pena.

X. Pois, os denunciados agiram em comum esforço de forma a enganar o Recorrente e a sua esposa, fazendo crer que aqueles eram profissionais da área da construção civil, tendo o denunciado AA se intitulado empreiteiro e BB como seu auxiliar, com a ajuda da denunciada CC, como cúmplice daqueles, com a intenção e objetivo de obter um enriquecimento ilegítimo, neste caso, que conseguiram com o pagamento pelo Recorrente do montante de 13.750,00€, causando, dessa forma, um prejuízo patrimonial a este. O que consubstancia a prática pelos denunciados do crime de burla, p. e p. pelo art.º 217.º, n.º 1, do CPP. Pelo que, os factos subsumem-se à referida norma.

XI. Pela descrição dos factos, vertida nos arts. 15.º a 62.º do RAI, o Recorrente veio demonstrar o “modus operandi” dos denunciados e que claramente agiram com a intenção e objetivo de enganar de forma ardilosa o Recorrente de modo a conseguirem uma vantagem patrimonial, que efetivamente conseguiram. Assim, no nosso parecer, encontram-se preenchidos os elementos subjetivos e objetivos do crime de burla.

XII. Não sendo obrigatório o Recorrente mencionar expressamente que os denunciados agiram com “astúcia” bastando para o efeito descrever a conduta destes que levaram à manipulação do Recorrente com vista à obtenção de um enriquecimento ilegítimo.

XIII. Apenas competia ao Recorrente verter no RAI os factos conjeturais que irão ser averiguados em sede instrutória.

XIV. Pelo que, o Recorrente cumpriu com o requisito imposto pela alínea b) do n.º 3 do art.º 283.º do CPP.

XV. Quanto ao disposto na aliena d) do n.º 3 do art.º 283.º do CPP, o Recorrente entende que também cumpriu com a indicação das disposições legais. Desde logo, ao ter mencionado os respectivos artigos e lei aplicável, ocorrendo um mero lapso de escrita mas que em nada afeta a defesa dos denunciados, nem sequer cria qualquer dúvida quanto ao que lhes é imputado, dado o Recorrente ter transcrito todas as normas aplicáveis a cada um dos crimes.

XVI. Assim, no art.º 63.º do RAI, o Recorrente indicou os crimes em causa e as disposições legais, designadamente, “arts. 217.º, 204.º, aI. f) e 191.º todos do Código Penal”; quanto ao crime de burla no art.º 64.º do RAI transcreveu o n.º 1 do art.º 217.º do CP; o crime de furto qualificado, mencionou no art.º 73.º do RAI que se aplicava o art.º 204.º al. f) do CP e em seguida no art.º 75.º do RAI transcreveu a norma que pese embora não tenha mencionado o n.º 1, não restam dúvidas qual a norma que se aplicou dado a mesma ter sido transcrita no RAI; e o crime de introdução em lugar vedado ao público, mencionou-se o art.º 191.º do CP no art.º 73.º e 76.º do RAI.

XVII. Pelo exposto, no nosso humilde entendimento, encontra-se de igual modo cumprido o requisito da alínea d) do n.º 3 do art.º 283.º do CPP dado o Recorrente ter indicado as disposições legais aplicáveis.

XVIII. Nestes termos, por tudo quanto foi alegado, conclui-se que o RAI não está ferido de nulidade conforme defende o Douto Tribunal a quo, pois o Recorrente cumpriu com o legalmente exigido para a elaboração do RAI.

XIX. Assim, deve ser revogado o despacho recorrido e substituído por outro que admita o requerimento de abertura de instrução, seguindo-se os ulteriores termos»


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O Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu ao recurso, pugnando pelo seu não provimento e pela manutenção da decisão recorrida.

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Neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de o RAI ser apto para os fins a que se destina, pelo que se deveria ter determinadoa abertura da fase de instrução.

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Cumprida a notificação a que alude o art. 417.º, n.º 2, do CPPenal, não foram apresentadas respostas.

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Realizado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, nada obstando ao conhecimento do recurso.

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II. Apreciando e decidindo:

Questões a decidir no recurso

É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objecto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso[1].

As questões que o recorrente coloca à apreciação deste Tribunal de recurso são as seguintes:

- Omissão de pronúncia quanto à nulidade insanável arguida; e

- Suficiência da narração dos factos e da qualificação jurídica constantes do RAI.


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Para análise das questões que importa apreciar releva desde logo o teor da decisão recorrida, que é o seguinte (transcrição)[2]:

«Requerimento de abertura de instrução formulado pelo assistente DD

Não se conformando com o despacho de arquivamento proferido a fls. 144 e ss, o assistente veio a fls.. 161 e ss, requer a abertura de instrução.

Alegou, para tal e em síntese, não concordar com os fundamentos do despacho de arquivamento, apresentando as razões de facto e de direito da discordância e conclui, após indicação de factos que consideram indiciados (cfr....

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