Acórdão nº 93/22.OBCLSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 08-09-2022

Data de Julgamento08 Setembro 2022
Ano2022
Número Acordão93/22.OBCLSB
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO
1. A Associação de Treinadores de Patinagem Artística de Portugal, com os sinais dos autos, intentou no Tribunal Arbitral do Desporto contra a Federação de Patinagem de Portugal, indicando ainda como contra-interessada a Associação Nacional de Treinadores de Patinagem, uma acção arbitral visando:
(i) A declaração de nulidade ou a anulação da deliberação da Assembleia Geral da Federação de Patinagem de Portugal, de 27 de Março de 2021, através da qual se decidiu retirar da ordem de trabalhos (cfr. ponto 3) a votação do pedido de admissão da demandante como membro ordinário da FPP, aqui demandada, por falta de fundamento legal, estatutário e regulamentar e por violação das normas dos artigos 167º do Código Civil e 10º do Estatutos da FPP, ponto esse cuja apreciação já havia sido iniciada em sede da referida assembleia;
(ii) O reconhecimento do direito da demandante, enquanto agente desportivo representativo dos treinadores de patinagem artística, a ser admitida enquanto membro da FPP, reconhecendo que a mesma preenche as condições legais e regulamentares de filiação definidas nos termos dos seus estatutos;
(iii) A condenação da FPP a não poder recusar a inscrição da demandante nos termos do disposto no artigo 9º do Regime Jurídico das Federações Desportivas;
(iv) A condenação da FPP a proceder à convocação de uma Assembleia Geral com vista a apreciar e deliberar o reconhecimento do direito da demandante em ser admitida como membro ordinário da FPP em obediência ao mencionado artigo 9º do RJFD.
2. Por acórdão arbitral datado de 23-3-2022, o TAD concedeu provimento à acção e anulou a deliberação da Assembleia-Geral da demandada, de 27 de Março de 2021, através da qual se decidiu retirar da ordem de trabalhos (cfr. ponto 3) a votação do pedido de admissão da demandante como membro ordinário da FPP, aqui demandada, e condenou esta a:
(i) Votar favoravelmente o pedido de admissão da demandante como membro ordinário da demandada, em conformidade com a proposta de admissão formulada pela respectiva Direcção, salvo se outra circunstância a isso obstar, mas sem reincidir nos vícios determinantes da anulação; e,
(ii) Convocar e realizar uma Assembleia-Geral para o fim assinalado no ponto anterior, em prazo não superior a 30 (trinta) dias.
3. Inconformada, a Federação de Patinagem de Portugal interpôs recurso de apelação para este TCA Sul, no qual formulou as seguintes conclusões:
1ª – A delimitação do objecto do litígio – pág. 21 do douto acórdão, limita-o a: “Em face das questões colocadas pelo demandante, cumpre apreciar e decidir sobre a validade legal da deliberação da Assembleia Geral da Federação de Patinagem de Portugal (“FPP”), de 27 de Março de 2021, através da qual se decidiu retirar da ordem de trabalhos (cf. ponto 3) a votação do pedido de admissão da demandante como Membro Ordinário da FPP, aqui demandada;
2ª – Quanto ao segmento decisório relativo a tal deliberação constante do capítulo respeitante à delimitação do objecto do litígio, nada tem a recorrente a referir, aceitando a decisão que decretou a anulação de tal deliberação;
3ª – Porém, já não aceita a recorrente o segmento decisório da alínea b) em concreto: condenar a demandada a: b.1) votar favoravelmente o pedido de admissão da demandante como Membro Ordinário da demandada, em conformidade com a proposta de admissão formulada pela respectiva Direcção, salvo se outra circunstância a isso obstar, mas sem reincidir nos vícios determinantes da anulação, e b.2) convocar e realizar uma Assembleia-Geral para o fim assinalado no ponto anterior, em prazo não superior a 30 (trinta) dias;
4ª – O Tribunal decretou o segmento decisório ora impugnado – cfr. alínea b) sem que haja fundamentado tal decisão: ao longo da fundamentação do douto acórdão, o mesmo incide sobre a anulabilidade da deliberação tomada em Assembleia Geral, para na sua decisão, determinar a condenação da recorrente a realizar uma assembleia geral, a ser convocada em prazo inferior ao prazo legal determinado nos estatutos e obrigar o órgão composto pelos delegados indicados com direito de voto, a votarem favoravelmente a admissão da demandante como membro ordinário;
5ª – Ao não resultar do acórdão qualquer fundamentação sobre tal segmento decisivo – alínea B) da condenação, o mesmo é nulo por absoluta falta de fundamentação, nos termos do disposto no artigo 94º, nºs 2 e 3 do CPTA, e artigo 615º, nº 1, alínea b) do CPC, este último aplicável ex vi pelo artigo 1º do CPTA, por remição do artigo 61º da Lei do TAD;
6ª – Sendo nulo por falta de fundamentação, nulidade essa que expressamente se invoca, deve ser a parte decisória ora impugnada ser declarada nula;
7ª – Ainda que tal nulidade não se aceite – o que por mera hipótese se pondera – sempre tal condenação viola os princípios constitucionais relativos ao exercício de direitos pessoais e livres, nomeadamente o de voto;
8ª – Na verdade, a Assembleia Geral nunca deliberou o pedido de admissão da demandante, pois tal deliberação foi retirada da Ordem de Trabalhos. Tal significa que o douto acórdão recorrido, sem qualquer factualidade dada como provada – nem podia ser, dada a ausência de deliberação concreta sobre tal ponto, saltou etapas deliberativas, e entendeu condenar a recorrente a convocar assembleia geral e a decidir favoravelmente, ou seja, os delegados com direito de voto seriam obrigados a votar num determinado sentido de voto, o que viola o direito de votar livremente – isto num estado democrático e com sujeição aos princípios constitucionais que o douto Tribunal recorrido entendeu ignorar;
9ª – A Assembleia-Geral é o órgão supremo da FPP, competindo-lhe deliberar sobre os assuntos submetidos à sua apreciação e que não sejam da competência de outro órgão social. E no nº 2 do artigo 12º dos Estatutos da recorrente que a admissão, suspensão e expulsão de um membro depende da aprovação de três quartos dos votos dos delegados presentes na Assembleia Geral: ou seja, a admissão de um membro não é automática, mas sim, sujeita a votação e aprovação com três quartos dos votos dos delegados presentes, exigindo-se assim uma votação com maioria qualificada dos presentes;
10ª – Com tal decisão, o douto Tribunal recorrido ignorou o disposto nos estatutos da recorrente e a interpretação que deve ser dada ao referido artigo, que nunca poderá ser a de “entrada automática” após formulação de pedido de admissão;
11ª – Assim, e atendendo ao regime normativo aplicável à recorrente, bem como os princípios gerais de direito, nomeadamente os ínsitos na Constituição da República Portuguesa, cfr. os artigos 18º, 19º, 22º, 26º e 46º da Lei fundamental, os mesmos não permitem que o Tribunal recorrido “obrigue” a assembleia geral da recorrente a votar num determinado sentido, dado o direito ao voto ser livre e pessoal, não podendo ser “orientado e/ou obrigado” sob pena de não ser livre, com clara violação dos mais elementares direitos constitucionalmente previstos, entre outros;
12ª – Pelo exposto, o segmento decisório ora impugnado e constante do douto acórdão, viola os artigos 18º, 19º, 22º, 26º e 46º da Constituição da República Portuguesa, bem como os artigos 12º e 57º dos Estatutos da recorrente e, quanto à falta de fundamentação e consequente nulidade, os artigos 94º, nºs 2 e 3 do CPTA, e artigo 615º, nº 1, alínea b) do CPC, este último aplicável “ex vi” pelo artigo 1º do CPTA, por remição do artigo 61º da Lei do TAD”.
4. A recorrida “Associação de Treinadores de Patinagem Artística de Portugal” apresentou contra-alegação, na qual formulou as seguintes conclusões:
1. Nos termos da letra e do espírito da lei – artigo 8º da Lei do TAD –, e em linha com a jurisprudência deste TCA Sul, o presente recurso deve ter efeito suspensivo e o acórdão recorrido ser imediatamente executado pela FPP, respeitando o prazo de 30 dias fixado pelo TAD;
2. Em função da sua natureza jurídica de pessoa colectiva de direito privado, a FPP rege-se pela legislação aplicável às associações, desde logo o Código Civil, em particular a respectiva Secção II do Capítulo III;
3. Por outro lado, uma vez dotada do estatuto de utilidade pública desportiva, a FPP está sujeita ao ‘Regime Jurídico das Federações Desportivas’ (RJFD);
4. Nessa dupla condição – de ente privado investido de poderes públicos – a FPP sujeita-se, portanto, simultaneamente, ao Direito Privado (maxime ao Código Civil) e ao Direito Público (maxime ao RJFD e ao CPA);
5. É justamente o contexto específico do estatuto de utilidade pública desportiva que justifica especiais disposições que constam do RJFD, que legitimam a intervenção legislativa em matéria de organização interna associativa (máxime votação para admissão de novos associados), pelo que, contrariamente à linha da defesa da FPP, o acórdão recorrido não violou o artigo 46º da CRP e, por consequência, se tornam não aplicáveis os artigos 18º, 19º e 22º da mesma Lei Fundamental (e muito menos o artigo 26º);
6. Entre outros efeitos da sujeição da FPP ao RJFD, e inerente intervenção legislativa em matéria de organização interna associativa, consta, precisamente, o direito de inscrição nas federações desportivas enquanto associado e que, diferentemente do que sucede numa associação do tipo comum, se encontra hoje reconhecido e consagrado no artigo 9º do RJFD;
7. Ademais, tal como bem salientou o TAD no acórdão recorrido, a FPP deve ainda obediência aos “princípios da liberdade, da democraticidade, da representatividade e da transparência previstos”, também consagrados no RJFD;
8. Da concatenação do artigo 46º da CRP, do qual decorre a dimensão positiva do direito de associação com os referidos preceitos do RJFD, e bem assim dos Estatutos da FPP; em especial do artigo 13º, a ATPAP tem o direito a filiar-se na FPP (associação já constituída),...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT