Acórdão nº 919/20.2PWPRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 03-05-2023

Data de Julgamento03 Maio 2023
Ano2023
Número Acordão919/20.2PWPRT.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. nº 919/20.2PWPRT–A.P1

Tribunal de origem: Juízo de Instrução Criminal do Porto, Juiz 3 – Tribunal Judicial da Comarca do Porto

I. RELATÓRIO

No âmbito do processo de inquérito nº 919/20.2PWPRT que corre termos no DIAP do Porto, pela Mma. Juiz de Instrução do Juízo de Instrução Criminal do Porto – Juiz 3, foi, em 24/01/2022, proferida decisão indeferindo, por extemporaneidade, o pedido de constituição de assistente formulado pela queixosa AA na parte que respeita aos crimes de natureza particular denunciados, nos termos do disposto no art. 68º/3 do Cód. de Processo Penal.

Inconformada com esta decisão veio, em 16/03/2022, dela recorrer a assistente AA, extraindo da motivação as seguintes conclusões:
A) - A questão que a recorrente pretende submeter à sempre sábia e prudente decisão de vossas excelências, exmos. Senhores juízes desembargadores, é a de saber se face à tramitação que dos presentes autos consta, seria de proferir aquele citado douto despacho ou outro diverso do mesmo no sentido de admitir a requerida constituição de assistente da ora recorrente no que aos crimes de natureza particular concerne e em investigação face à participação apresentada e diligências processuais que se lhe sucederam;
B) - Sempre salvo melhor e mais douta opinião, e em modesta mas convicta opinião da ora recorrente, mostra-se tempestivamente apresentado o pedido pela mesma formulado de constituição de assistente, atenta a suspensão da contagem do prazo originada pelo pedido de nomeação de patrono apresentada junto dos serviços competentes, devendo, de tal modo, e contrariamente ao decidido pelo tribunal recorrido, ser admitido tal pedido;
C) - A ora recorrente apresentou requerimento de constituição de assistente em momento anterior a qualquer autoridade judiciária, mormente a exma. Procuradora da república, ter classificado juridicamente os factos denunciados e ordenar a notificação para o efeito;
D) - Tal pedido de constituição de assistente merecido a concordância da exma. Sra. Procuradora da república (fls. 55), e sobre o qual recaiu douto despacho, há muito transitado em julgado, de admissão de tal pedido, passando a partir de então a ora recorrente a deter a qualidade processual de assistente;
E) - Convicta está de tal modo a recorrente que o pedido de constituição de assistente apresentado a fls.... é não só tempestivo (até por antecipação ao exercício de tal ónus processual), mas de igual modo está já o mesmo validado por douto despacho há muito transitado em julgado;
F) - Inexistindo, sempre salvo o devido respeito por contrária opinião, qualquer motivo para que pudesse ser alterado, conforme doutamente consta no despacho ora em crise, o âmbito da admitida constituição da ora recorrente como assistente;
G) - Sendo ainda certo que a notificação à ora recorrente efectuada pelo órgão de polícia criminal a fls. ... quando da apresentação da respectiva participação criminal não contém, nem pode conter, qualquer prazo preclusivo, tendo um conteúdo meramente informativo, porquanto, todo e qualquer prazo preclusivo para a constituição de assistente apenas pode surgir após a classificação jurídica dos factos participados e apuramento da veracidade dos mesmos – tarefa esta que é da exclusiva competência do ministério público;
H) - O prazo, este sim preclusivo, para que a recorrente pudesse apresentar o respectivo requerimento de constituição de assistente apenas e tão somente iniciou a respectiva contagem (preclusiva) após notificação do tribunal para o efeito, mostrando-se tal modo de tal tempestivamente apresentado o pedido pela recorrente apresentado para se constituir assistente (pelos crimes de natureza particular assim classificados pelo ministério público, e somente por esta autoridade judiciária);
I) - Ao decidir como decidiu o tribunal recorrido violou e/ou interpretou erradamente, entre outros, o disposto nos artos. 68° n° 2 e 246° n° 4 do cód. De proc. Penal.
Termina requerendo dever ser dado provimento ao recurso e, consequentemente, substituir–se o despacho recorrido por outro que admita a requerida constituição como assistente da recorrente.

O recurso, em 23/03/2022, foi admitido.

A este recurso respondeu o Ministério Público, em 27/04/2022, concluindo da seguinte forma:
1. O requerimento para constituição de assistente apresentado pela aqui recorrente é extemporâneo no que concerne aos crimes de natureza particular, pelo que não poderia ter sido admitido pelo tribunal, para efeitos do crime de injúria, uma vez que este está sujeito a prazo próprio, prazo esse que, à data, já havia sido ultrapassado;
2. É válida e eficaz a notificação para a constituição de assistente efectuada por OPC e a partir dessa formalidade inicia-se a contagem do prazo para esse efeito;
3. O prazo para a constituição de assistente nos crimes particulares é preclusivo, pelo que, não sendo efetuado na altura devida, extingue-se essa faculdade;
4. O pedido de proteção jurídica para a nomeação de patrono não suspende prazo para apresentação do requerimento da constituição de assistente;
5. Não pode a Recorrente aproveitar-se de uma omissão, um mero lapso que veio a ser corrigido, para exercer um direito que não exerceu no tempo devido, por inércia sua.
6. O despacho que admite o requerimento de constituição como assistente que não se debruça sobre a apreciação e fundamentação dos vários requisitos sobre os quais recai a decisão, não constitui caso julgado formal em relação a tais aspetos, não estando assim impedida a sua reavaliação.
Propugna, assim, dever negar–se provimento ao recurso interposto, e, consequentemente, confirmar-se o despacho recorrido.

Em 23/02/2023 veio a ser proferido despacho sustentando a decisão recorrida, cfr. art. 414º/4 do Cód. de Processo Penal.

Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, em 08/03/2023, no parecer que emitiu, propugna pela improcedência do recurso, o que faz nos seguintes termos:
«Aderimos às doutas considerações expostas na resposta ao recurso apresentada pela Exma. Senhora Procuradora da República na primeira instância, que, pela sua eloquência e acerto, reclamam a nossa inteira concordância.
Acrescentamos o seguinte:
Nos termos do disposto no artigo 68.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, para além de outras pessoas e entidades, podem constituir-se assistentes no processo penal:
a) Os ofendidos, considerando-se como tais os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, desde que maiores de 16 anos;
b) As pessoas de cuja queixa ou acusação particular depender o procedimento.
Tratando-se de procedimento dependente de acusação particular, como é o caso dos autos quanto a alguns dos factos denunciados, dispõe o n.º 2 daquele preceito que o requerimento tem lugar no prazo de 10 dias a contar da advertência referida no n.º 4 do artigo 246.º do Código de Processo Penal
Tal advertência consiste na informação ao denunciante da obrigatoriedade de constituição de assistente e dos procedimentos a observar, mostrando-se feita através da notificação de 15.09.2020.
Nessa data, a denunciante foi devidamente informada que tratando-se de crime cujo procedimento depende de acusação particular, o requerimento para a constituição de assistente tem lugar no prazo de 10 dias a contar da referida notificação.
Consta da mesma notificação que também foi informada sobre o regime jurídico do apoio judiciário (artigo 247.º, n.º 2, do Código de Processo Penal).
A denunciante requereu a 14-08-2020 a concessão de apoio judiciário na modalidade de isenção de taxa de justiça e demais encargos e requereu posteriormente a nomeação de patrono, que lhe foi concedida.
Requereu a sua constituição como assistente por requerimento de 13.11.2020.
Ora, em procedimento dependente de acusação particular, o direito à constituição como assistente fica precludido se não for apresentado requerimento para esse efeito no prazo fixado no n.°2 do artigo 68.° do Código de Processo Penal.
Na verdade, o Acórdão n.º 1/2011 do Supremo Tribunal de Justiça, publicado no DR 18, I Série, de 26-01-2011, fixou jurisprudência nos seguintes termos:
“Em procedimento dependente de acusação particular, o direito à constituição como assistente fica precludido se não for apresentado requerimento para esse efeito, no prazo fixado no n.º 2 do artigo 68.º do Código de Processo Penal”.
Ademais, no mesmo Acórdão de fixação de jurisprudência considerou-se que “temos por certo que a consideração do prazo do n.º 2 do artigo 68.º como prazo perentório, com a implicada consequência de extinguir o direito de praticar o ato, não privando o ofendido de se constituir assistente nem limitando o exercício desse direito de forma desproporcionada, não comporta qualquer violação do direito constitucionalmente reconhecido ao ofendido pelo n.º 1 do artigo 20.º e pelo n.º 7 do artigo 32.º da Constituição. E isto porque o prazo é adequado ao exercício do direito, foi fixado, pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, com correspondência ao prazo geral para a prática de qualquer ato processual e em harmonia com o prazo máximo para a transmissão da denúncia ao Ministério Público, e só se inicia com o devido cumprimento do dever de advertência e esclarecimento, contido no n.º 4 do artigo 246.º”.
Conforme resulta do disposto no artigo 24.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, de 29/06, o referido prazo interrompe-se apenas com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do pedido de proteção jurídica, na modalidade de nomeação de patrono, e não com a apresentação junto da Segurança Social do respetivo pedido.
Como é referido no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 515/2020, de 18 de novembro, a interrupção dos prazos por efeito do pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono - estabelecida pelo n.º 4 do artigo 24.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho - foi entendida como garantia inerente
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