Acórdão nº 914/23.0T8VIS.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 09-01-2024
Judgment Date | 09 January 2024 |
Year | 2024 |
Acordao Number | 914/23.0T8VIS.C1 |
Court | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
I – Relatório
1. AA e BB, residentes em ..., intentaram acção declarativa contra a Assembleia de Compartes dos Baldios da localidade de ..., representada pelo Conselho Diretivo dos Baldios da Localidade de ..., com sede em ..., pedindo:
a) a condenação da ré a ver transferida para a autora, casada sob o regime da comunhão de adquiridos com o autor, a propriedade e posse da parcela de terreno, descrita no artigo 15º, por acessão industrial imobiliária, mediante o pagamento do preço de 740,71 € ou outro que se fixar, correspondente ao valor económico que tal parcela de terreno tinha antes da realização das mencionadas obras, consistentes na construção da casa de habitação, barracão de arrumos e quintal da autora, descrita no artigo 23º, nos termos do disposto no artigo 1340º, nº 1 do Cód. Civil;
b) reconhecido e declarado que a aquisição originária realizada pela autora, referida nos artigos 40º a 44º, pela qual a autora veio a registar a seu favor o prédio urbano descrito no artigo 23º, é nula, atento o disposto o disposto no artigo 6º, nºs 3 e 4 da Lei nº 75/2017, nulidade essa que se invoca com os efeitos previstos nos artigos 285º e seguintes do Cód. Civil;
c) e, em consequência, a declaração de nulidade e/ou sem qualquer efeito do registo de tal aquisição originária a favor da autora, por forma à autora poder registar a douta sentença a proferir nos presentes autos na Conservatória do Registo Predial, inscrevendo assim a seu favor o prédio urbano descrito no artigo 24º, por o haver adquirido por acessão industrial imobiliária, tudo como alegado nos artigos 15º a 45º;
d) a condenação da ré a ver transferida para a autora, casada sob o regime da comunhão de adquiridos com o autor, a propriedade e posse da parcela de terreno, descrita no artigo 47º, por acessão industrial imobiliária, nos termos alegados nos artigos 47º a 70º, mediante o pagamento do preço de 806,06 € ou outro que se fixar correspondente ao valor económico que tal parcela de terreno tinha antes da realização das mencionadas obras, consistentes na construção do mencionado barracão de arrumos, espigueiro e releixo ou logradouro da autora, descrito no artigo 54º, nos termos do disposto no artigo 1340º, nº 1 do Cód. Civil;
e) e, em consequência, o cancelamento de todos e quaisquer registos, inscrições, ónus ou encargos, que a referida ré ou outros tenham efetuado ou venham a efetuar a seu favor sobre tal parcela de terreno descrita no artigo 47º, deste articulado, na Conservatória do Registo Predial, a fim da autora, com a douta sentença a proferir nos presentes autos, poder vir a registar e a inscrever a seu favor o prédio urbano descrito no artigo 54º deste articulado, por o haver adquirido por acessão industrial imobiliária.
Para tanto alegaram, em síntese, que: nos limite da localidade de ..., União de Freguesias ... e ..., concelho ..., existem vários terrenos que vêm sendo possuídos e geridos comunitariamente pelos respetivos moradores, há mais de 100 ou 200 anos, ou seja, desde que há memória dos vivos, de forma continuada/ininterrupta, à vista de toda a gente, publicamente e sem oposição de quem quer que seja, ou seja, pacificamente, agindo, assim, os moradores da localidade de ... na convicção de que tais terrenos lhes pertencem, de forma comunitária, designadamente para complemento e/ou apoio das suas atividades agropecuárias, tais como para aproveitamento do mato para a “cama” dos animais, para apascentar os gados, corte e abate de árvores para lenha e madeira, corte de pedra, retirada de terra barrenta para a construção dos fornos de cozer o pão, caça, etc., tudo nos termos, entre outros artigos, do disposto nos artigos 1º, 2º e 3º da Lei 75/2017, de 17 de Agosto; tais terrenos, assim possuídos e geridos pela comunidade dos compartes dos baldios da localidade de ..., União de Freguesias ... e ..., concelho ..., constituíram-se, nos termos da citada Lei 75/2017, como terrenos baldios dessa mesma localidade; dos terrenos baldios faz parte o terreno denominado por terreno baldio do “...”, com a área matricial de 53.740 m2, inscrito na matriz sob o art. ...73º, descrito no art. 13º da p.i.; até à constituição dos órgãos dos baldios – o que sucedeu na década de 2000 –os referidos terrenos baldios foram sendo administrados pela então Junta de Freguesia ...; a referida Junta de Freguesia, na qualidade de então administradora dos ditos baldios, a pedido da autora, então solteira, veio a deliberar ceder àquela, por volta do ano de 1990, uma parcela do referido terreno baldio, com a área de 1.485 m2, descrita no art. 15º da p.i., para, em tal parcela, a autora, puder vir a construir a sua casa de habitação e quintal; na posse de tal parcela de terreno, a autora mulher, em 1990, 1991 e 1992, veio a construir a sua casa de habitação, passando a habitá-la de forma permanente, e no restante terreno da parcela efectuou edificações e outros trabalhos, o mesmo fazendo com o marido, depois do casamento, participando essa nova realidade económica e predial ao Serviço de Finanças ..., que corresponde ao actual artigo urbano ...20º da União de Freguesias ... e ..., descrito no art. 23º da p.i.; todas estas obras realizadas pela autora sucederam com o perfeito conhecimento e a colaboração da anterior Junta de Freguesia ..., então administradora do baldio denominado “Baldio do ...”; o valor das obras que realizou e o valor económico da nova realidade urbana é superior ao valor da aludida parcela de terreno; a autora mulher veio, em Novembro de 2010, a justificar notarialmente a posse desse seu prédio, com vista a registá-lo em seu nome, junto da Conservatória do Registo Predial ..., tendo-lhe sido atribuída a descrição nº ...12 da Freguesia ... e encontrando-se registado a favor da autora pela Ap. ...10 de 2011/01/12; sucede que a indicada justificação notarial com base no instituto da usucapião e, consequentemente, o registo dessa aquisição originária a favor da autora, é nula, atento o disposto no artigo 6º, nºs 3 e 4, da Lei 75/2017, pelo que, enfermando de nulidade a mencionada aquisição originária por parte da autora e, ainda, tendo em conta o acima alegado, e ainda verificando-se cumpridos os requisitos legais previstos no artigo 48º, nº 2, da Lei 75/2017, importa que a autora venha a adquirir a mencionada parcela de terreno, descrita no artigo 15º da p.i., por acessão industrial imobiliária, nos termos do art. 48º, nº 2, da Lei 75/2017.
Mais alegou, que, a referida Junta de Freguesia na qualidade de então administradora dos ditos baldios, a pedido da autora, então solteira, face às suas necessidades de construção de um barracão agrícola, onde pudesse guardar os seus animais, pastos e lenhas, e de um espigueiro para guardar as espigas, com releixo para aí poder secar as palhas, ervas, fazer depósito de lenhas e, ainda, poder descascar o milho, veio a deliberar ceder àquela, no ano de 1991, uma parcela do terreno baldio descrito no mencionado artigo 13º da p.i., com a área de 1.616,00 m2, parcela essa descrita no art. 47º da p.i.; a autora na posse de tal parcela de terreno, veio aí a construir, em 1991, um barracão de arrumos e, ainda, um espigueiro; tal prédio urbano foi participado ao Serviço de Finanças ..., com vista à sua inscrição matricial, tendo o referido Serviço de Finanças que corresponde ao actual artigo urbano ...47º da União de Freguesias ... e ..., descrito no art. 54º da p.i.; a transformação da dita parcela de terreno baldio, descrita no artigo 47º, no indicado prédio urbano, descrito no artigo 54º, com a realização de trabalhos de nivelamento do terreno, construção do barracão de arrumos, espigueiro, ocorreu sempre à vista de toda a gente e sem a oposição de quem quer que seja e ainda contou com a colaboração da mencionada então Junta de Freguesia e também da própria ré; o valor das obras que realizou e o valor económico da nova realidade urbana é superior ao valor da aludida parcela de terreno; a realização das obras acima descritas, no prédio urbano descrito no artigo 54º, da p.i., passando, desde então, a autora a usar, fruir e a dispor também de tal prédio, nele fazendo ainda obras de conservação e de melhoramento, o que tudo faz e tem feito à vista de toda a gente e sem qualquer oposição de quem quer que seja, de forma contínua e permanente; a autora adquiriu a mencionada parcela de terreno, descrita no artigo 47º da p.i., por acessão industrial imobiliária, nos termos do art. 48º, nº 2, da Lei 75/2017.
Citada, a ré não apresentou contestação.
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Foi, de seguida, proferido despacho saneador que julgou verificada a excepção de ilegitimidade activa e, em consequência, absolveu a R. da instância.
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2. Os AA recorreram concluindo que:
1ª - O presente recurso é interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal “a quo” em 05.06.2023, referência eletrónica 93192365, que julgou verificada a exceção de ilegitimidade ativa dos Autores e, em consequência, absolveu da instância a Ré Assembleia dos Compartes dos Baldios da Localidade de ..., representada pelo Conselho Diretivo dos Baldios da Localidade de ..., ..., ....
2ª - Ora, em face dos pedidos formulados na p.i., identificados na sentença recorrida sob as alíneas a) a e), há que distinguir ou separar, por um lado, um primeiro segmento de pedidos, correspondentes aos 3 (três) primeiros pedidos formulados pelos Autores na p.i., identificados na sentença sob as alíneas a) a c), e, por outro lado, um segundo segmento de pedidos, correspondentes aos dois pedidos seguintes formulados na p.i., identificados na sentença recorrida sob as alíneas d) e e).
3ª – Sendo que os mencionados três primeiros pedidos formulados na p.i., identificados na sentença recorrida sob as als. a) a c), dizem respeito, o primeiro deles à invocada aquisição por acessão industrial imobiliária por parte da autora, da propriedade da parcela de terreno baldio, descrita no artigo 15º...
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