Acórdão nº 91/21.0BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 23-06-2022
Data de Julgamento | 23 Junho 2022 |
Ano | 2022 |
Número Acordão | 91/21.0BELSB |
Órgão | Tribunal Central Administrativo Sul |
Ministério da Justiça, devidamente identificado como entidade requerida nos autos de outros processos cautelares, instaurados por D..., inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 8.9.2021 pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que, antecipando o juízo da causa principal da acção administrativa tramitada sob o nº 428/21.1BELSB, julgou procedente a presente acção e, em consequência, declarou nula a decisão impugnada [da Ministra da Justiça, de 23.12.2020 que, no âmbito do processo disciplinar nº 15/2016 e apenso nº 69/2016, aplicou ao autor a pena de demissão], com todas as consequências legais .
Nas respectivas alegações, o Recorrente formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem:
«1. O presente recurso tem como fundamento os vícios que inquinam a sentença recorrida, a saber: violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, e erro de julgamento;
2. À infração mais grave, e relativa aos factos dados como provados no âmbito do processo criminal, e acima descritos nos artigos 3º e 4º (factos qualificados pelo tribunal criminal como condução perigosa de veículo rodoviário em concurso aparente com condução de veículo sob a influência de estupefacientes), cabe, isoladamente, e no plano disciplinar, a sanção de Demissão;
3. Do mesmo modo que na sentença se compartimentou e melhor se sistematizou a análise aos fundamentos do pedido, dividindo-os, em dois grupos, um relativo ao vicio respeitante à inversão do ónus da prova relativamente ao momento do consumo e eventual contradição insanável da decisão a esse respeito, e o outro, referente aos restantes vícios alegados, e analisados em globo, também o Recorrente seguirá esse mesmo figurino, e escrutinará em primeiro aquele fundamento especifico da sentença, para depois, e globalmente, analisar os restantes;
4. As referências e sublinhado do que se proclamou inicialmente na sentença, e numa interpretação livre, realizada pelo Recorrente e que acreditamos não divergir do verdadeiro sentido do que lá se sustentou, parece apontar, ao evidenciar os aspetos formais não alegadamente cumpridos pelo Recorrente, que no presente caso, se verificam as infrações imputadas e que as mesmas são de extrema gravidade, e que só não procederam no contencioso em função da alegada preterição de formalidades essenciais do procedimento;
5. Na opinião do Recorrente, e diferentemente do que ficou registado na sentença, só não apenas se verificam as infrações graves imputadas ao Recorrido, como igualmente se não descortinam no presente caso quaisquer vícios na tramitação do procedimento que tenham sido olvidados e que contaminem a decisão final dele;
6. Sem naturalmente se pretender desvalorizar quaisquer formalidades essenciais do procedimento, ainda para mais, de um procedimento com as características do presente, de cariz sancionatório, se ao TACL assistisse razão no decidido, as consequências seriam de monta considerando a gravidade das infrações e o decaimento da ação por razões formais;
7. Seja como seja, e por se sustentar tese diametralmente oposta à suscitada pelo Recorrido e acolhida pelo TACL, vai o Recorrente procurar justificar as razões da sua discordância com a sentença, e evidenciar as que do seu ponto de vista, se referem à legalidade da decisão disciplinar impugnada;
8. A primeira questão suscitada na sentença e a principal, até pela particular atenção dedicada a esta questão, ao contrário da que mereceram as demais e que foram analisadas em globo, alude à inversão do ónus da prova relativamente ao momento do consumo e contradição insanável da decisão;
9. Assim, e em síntese, prescreveu-se na sentença que, o facto de ser essencial para o preenchimento do tipo da infração comprovar-se que aquele ocorreu “durante o serviço” ou com carácter de “habitualidade”, haveria o Demandado que ter dado como provado essa circunstância e, antes, imputado devidamente esse mesmo facto ao trabalhador na acusação, para que este se pudesse defender (cfr. artigo 16º n.º 2 alínea j) do RDPJ);
10. Aquele é, sem dúvida alguma, o cerne da questão suscitada na sentença e que na sua opinião melhor exprime o vicio de legalidade da decisão disciplinar que, brevitatis causa, se não conteve em punir disciplinarmente o Recorrido, sem que antes tivesse sido dada a possibilidade ao mesmo de contraditar aquele facto, no exercício pleno do seu direito de audiência e defesa, constitucionalmente consagrado;
11. Assim, e nos artigos 41º a 60º da presente, assinalam-se, em síntese, os argumentos esgrimidos na sentença e que expõem aquele vicio, reportado à preterição do direito de audiência e defesa do Recorrido, e constitucionalmente consagrado;
12. Naqueles artigos, divulga-se a ideia de que, a decisão disciplinar não podia, como o fez, aplicar a pena disciplinar ao Recorrido, imputando-lhe tão-somente o facto de o consumo ter sido “recente”, por importação direta dos facos dados como provados no processo crime;
13. A decisão disciplinar deveria, ao invés, transmitir ao Recorrido que o consumo “recente” correspondia, na aceção do Recorrente, ao consumo “durante o serviço”, e não o fez;
14. Assim, o essencial ou crítico da alegação consiste na relação entre um consumo “recente” e um consumo “durante o serviço”;
15. Durante o procedimento, nomeadamente na acusação e depois, no relatório final, apenas se alude a um consumo “recente”. Porém, no âmbito das normas invocadas e infrações imputadas, refere-se o disposto na alínea j) do n.º 2 do artigo 16.º do RDPJ, que diz respeito ao consumo “durante o serviço ou com habitualidade”;
16. A acusação limita-se, nesta parte, a transcrever os factos dados como provados na decisão judicial do processo-crime;
17. Ora, neste apenas se provou que o consumo foi “recente”;
18. E compreende-se, pois, para efeitos do preenchimento do tipo criminal em causa bastava a comprovação de se estar “sob o efeito de estupefacientes”, sendo irrelevante, até, se o consumo era recente ou não;
19. Já para o tipo da infração disciplinar se exige outra coisa: não o mero consumo de estupefacientes, nem sequer o estar “sob efeito” dos mesmos, mas consumir-se “durante o serviço” ou com carácter de “habitualidade”;
20. Isto significa que para o procedimento disciplinar não bastava a “importação”, sem mais, dos factos provados na decisão judicial do processo-crime;
21. Embora, naturalmente, possa e deva atender aos factos ali provados e não possa contrariá-los, pode – e deve –, sendo caso disso, acrescentar mais factos que se mostrem necessários ou relevantes para a decisão disciplinar;
22. Era, pois, crucial no âmbito disciplinar a comprovação do consumo “durante o serviço” ou com carácter de “habitualidade”;
23. Nenhum dos factos dados como provados – e, por maioria de razão, nenhum dos factos imputados na acusação se dirige à comprovação daqueles elementos do tipo da infração;
24. O carácter “recente” do consumo, para além de indeterminado e muito vago (sendo certo que cabe perfeitamente nesse conceito, na aceção do homem-médio, um consumo na noite ou dia anterior ou até nos dias anteriores), nada permite concluir sobre o preenchimento dos elementos do tipo;
25. Porém, era precisamente esse exercício que deveria ter sido efetuado no procedimento disciplinar por forma a logo na acusação se imputar ao Recorrido essa conclusão de facto e, daí, o preenchimento, depois, do tipo da infração;
26. Esse exercício só vem a ser feito, como se disse já, no despacho do Diretor da DSDI subsequente ao relatório final complementar e apenas a instâncias do que havia sido suscitado no primeiro parecer da Secção de Disciplina e Louvores do CSPJ;
27. Nunca o Recorrido foi confrontado, nomeadamente na acusação, nem com a imputação de factos caracterizadores do consumo “durante o serviço” nem com a tese de se entender como tal a mera “influência” ou estar “sob efeito” de estupefacientes;
28. Assim sendo, nunca teve o Recorrido real e efetiva possibilidade de defesa contra os eventuais factos concretizadores do tipo (que não surgem na acusação) ou sobre a tese expendida;
29. Tal circunstância aliada ao facto provado ser apenas “consumo recente” (com tudo o que cabe nesse conceito vago e indeterminado), tem-se que não podia a decisão disciplinar bastar-se com aquele mesmo “consumo recente” para, sem mais, concluir pelo consumo “durante o serviço”;
30. Note-se, aliás, que os elementos do tipo são quer o consumo “durante o serviço”, quer o consumo “habitual”, pelo que, desde logo, a acusação teria claramente de imputar qual o elemento em concreto que considerava estar em causa, bem como os respetivos factos-base ou concretizadores desse mesmo elemento;
31. Aqui chegados, tem razão o Recorrido quanto ao vício invocado, na perspetiva, contudo, da violação do direito de defesa e, em certa medida, do princípio do in dubio pro reo, como alegado, porquanto sem mais factos dados como provados ou imputados, e apenas na base do facto provado “consumo recente” no contexto específico em que tal ocorre na sentença penal, não era possível afastar a dúvida razoável do eventual consumo “durante o serviço”;
32. Esta violação do direito de defesa, para além de grave em si mesma, é especialmente relevante atendendo ao facto de se relacionar com os eventuais factos atinentes ao preenchimento dos elementos do tipo da infração da qual decorre a possibilidade, em abstrato, da aplicação da sanção de demissão;
33. Considerando, ainda, que este direito de defesa constitui um direito fundamental constitucionalmente garantido, especialmente no âmago de um procedimento sancionatório de cariz disciplinar e com potencial aplicação da pena mais gravosa, tem-se como violado o conteúdo essencial desse mesmo direito, o que gera a nulidade quer do procedimento quer, a...
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