Acórdão nº 905/23.0T8VIS.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 06-03-2024
Data de Julgamento | 06 Março 2024 |
Ano | 2024 |
Número Acordão | 905/23.0T8VIS.C1 |
Órgão | Tribunal da Relação de Coimbra |
Acordam, em conferência, na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:
I – Relatório
1. Por decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária foi aplicada ao arguido AA uma coima de 180€ (cento e oitenta euros) e a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 dias, pela prática da contraordenação prevista no artigo 27º, nº 2, alínea a), 2º do Código da Estrada, sancionável com coima de 120,00€ a 600,00€ e com a sanção acessória de inibição de conduzir de 1 a 12 meses por força do disposto nos artigos 136º, 145º, nº 1, alínea c), e 147º do Código da Estrada (fls. 22 a 23 seu verso).
2 Inconformado, o arguido interpôs impugnação judicial da referida decisão administrativa, a qual deu entrada no Tribunal judicial da Comarca de Viseu, Juízo Local Criminal de Viseu - Juiz ... e foi objecto de despacho de rejeição liminar por extemporaneidade.
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3. AA, uma vez mais inconformado com o decidido, interpôs o presente recurso em que formula as seguintes conclusões (transcrição):
“1- O presente recurso tem por fundamento o despacho [de rejeição] proferido no âmbito do presente processo, datado de 13 de março de 2023 e com a referência 92625106,
2- No qual o Meritíssimo Juiz de Direito rejeitou o recurso interposto pelo arguido da decisão proferida pela ANSR, por alegadamente ter sido apresentado fora de prazo,
3- Especificamente, no dia seguinte ao último dia do prazo para o efeito.
4- Sucede que, ao recurso de impugnação judicial de processo contraordenacional se aplicam as normas do decreto-lei n.º 433/82;
5- Em caso de lacuna, aplicam-se as normas do Código de Processo Penal;
6- E em caso de lacuna daquele, aplicam-se as normas do Código de Processo Civil.
7- O n.º 2, alínea a), do artigo 182.º, do Código da Estrada, tem um comando específico quanto ao prazo de interposição de recurso, é certo, e que é de 15 dias, a dirigir ao tribunal competente mas a apresentar “junto da autoridade administrativa que aplicou a coima”, reproduzindo-se parte do conteúdo do n.º 3 do artigo 59.º, do RGCO.
8- Em tudo o resto se aplicam, naturalmente, as normas de processo penal e civil, por ausência de normas específicas a regular o “acto das partes”.
9- Destarte, a apresentação do recurso de impugnação judicial praticado junto da entidade administrativa é, necessariamente, um acto praticado em juízo,
10- Pois que se trata de um recurso de impugnação judicial (tal como é mencionado na lei) e que apenas é praticado junto da entidade administrativa seguindo uma tradição idêntica aos recursos penais que, não obstante dirigidos a tribunais superiores, são apresentados no tribunal recorrido…
11- E, nessa medida, são aplicáveis ao recurso de impugnação judicial, subsidiariamente, os artigos 139.º, n.º 5 e n.º 6 do Código de Processo Civil, e 107.º-A do Código de Processo Penal.
12- Destarte, o recurso de impugnação judicial interposto pelo arguido deverá beneficiar dos regimes previstos nos preditos artigos,
13- Sendo de admitir o mesmo, por ter sido praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo.
NESTES TERMOS, e nos melhores de Direito que Vs. Exas. mui doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, por provado, e, em consequência:
a) Deve a o douto despacho ser revogado e substituído por outro que admita o recurso de impugnação judicial interposto pelo arguido,
FAZENDO-SE, ASSIM, A MAIS ELEMENTAR E ABSOLUTA JUSTIÇA.”
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4. Em resposta ao recurso, o Ministério Público concluiu:
“1) O prazo de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa não é um prazo judicial, mas sim de natureza administrativa, sendo esta a posição da maioria da jurisprudência.
2) O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 2/94 (Processo nº 045325; Relator: Sousa Guedes; disponível em www.dgsi. fixou jurisprudência no sentido de que “Não tem natureza judicial o prazo mencionado no n.º 3 do artigo 59.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 356/89, de 17 de Outubro”, cuja jurisprudência não foi modificada pelo artigo 60º, nº 1 do RGCO, na redacção do Decreto-Lei nº 244/95, de 14 de Setembro.
3) Bem andou o tribunal a quo ao considerar que a natureza do prazo de impugnação não é judicial.
4) O recurso de impugnação judicial da decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária foi apresentado pelo arguido em 19 de agosto de 2022 (fls. 28 e 36), ou seja, no 1 dia útil seguinte (sexta feira).
5) Ao prazo de interposição de recurso da decisão administrativa não é aplicável o disposto no artigo 139º, nºs 5 e 6 do Código de Processo Civil, nem lhe é aplicável a disciplina do artigo 107º-A do Código de Processo Penal, relativa à possibilidade da prática extemporânea do acto processual mediante o pagamento de multa.
6) Neste sentido já se pronunciou o douto Acórdão do Tribunal da Relação Coimbra, de 18.03.2020 (Processo n.º239/19.5T8CVL.C1) da Relatora Maria José Nogueira; disponível em www.dgsi.pt), ao mencionar que: “(…) III – A disciplina do artigo 107.º - A do CPP, relativa à possibilidade da prática extemporânea do acto processual mediante o pagamento de multa, sendo privativa dos prazos judiciais, não colhe aplicação no caso do n.º 3 do artigo 59.º do RGCO, cujo prazo, de 20 dias, fixado para impugnação da decisão da autoridade administrativa, tem natureza administrativa. (….
7) Impunha-se que se considerasse apresentado o recurso fora do prazo, tal como o Ministério
Público já se havia pronunciado nesse sentido no requerimento de apresentação do recurso interposto (fls. 1 a 3).
8) Deverá o presente recurso ser julgado não provido e improcedente, mantendo-se os termos da decisão recorrida.”
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5. Remetidos os autos à Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer:
“(…) 2. O requerimento de impugnação judicial foi considerado extemporâneo, porque apresentado quando já havia terminado o prazo legal para o efeito, pelo que foi proferido despacho de rejeição do recurso ao abrigo do disposto no art. 63º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro.
3. Inconformado, o arguido interpôs recurso desta decisão, alegando, em suma, que são aplicáveis ao recurso de impugnação judicial, subsidiariamente, os artigos 139.º, n.º 5 e n.º Civil, e 107.º-A do Código de Processo Penal, pelo que o recurso de impugnação judicial interposto pelo arguido deverá beneficiar dos regimes previstos nos referidos artigos, sendo de admitir o mesmo, por ter sido praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo.
4. O recurso foi admitido de acordo com as normas processuais aplicáveis e não se verificam circunstâncias que obstem ao seu conhecimento, mantendo-se o regime de subida e o efeito fixado.
5. O Ministério Público na 1ª instância apresentou fundamentada resposta, profusamente estribada na melhor doutrina e jurisprudência.
6. Sufragamos integralmente a esclarecida argumentação da Sra. Procuradora da República na 1ª instância, no sentido da improcedência do recurso, o que nos dispensa de considerações adicionais.
7. Pelo que se emite parecer no sentido de que o recurso deve ser julgado improcedente mantendo-se a decisão recorrida.”
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6. Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos à conferência.
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7. Cumpre decidir.
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II – Fundamentação
1. Dispõe o artigo 412.º, n.º 2 do CPP, ex vi artigo 41.º, n.º 1 do RGCO, que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
Constitui entendimento constante e pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso.
Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem de forma condensada as razões de divergência do recorrente com a decisão impugnada e o que a esta Relação é permitido conhecer em sede contra-ordenacional, conforme estipulado pelo artigo 75.º, n.º 2 do RGCO, a questão a apreciar é a seguinte:
- Tempestividade da impugnação judicial interposta pelo arguido.
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2. 1. O despacho recorrido tem o seguinte teor (transcrição):
“(…)
Vem o arguido AA, ao abrigo do disposto nos artigos 181º, nº 2, alínea a) e 187º do Código da Estrada, e artigo 59º do RGCO aplicável ex vi artigo 132º do Código da Estrada, interpor recurso de impugnação judicial da decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária que aplicou uma coima de 180€ (cento e oitenta euros) e determinou a aplicação da sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 dias, pela prática da contraordenação prevista no artigo 27º, nº 2, alínea a), 2º do Código da Estrada, sancionável com coima de 120,00€ a 600,00€, e ainda com a sanção acessória de inibição de conduzir de 1 a 12 meses por força do disposto nos artigos 136º, 145º, nº 1, alínea c), e 147º do Código da Estrada (fls. 22 a 23 seu verso).
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O Tribunal é competente (artigo 61º, nº 1 do RGCO; artigo 130º, nº 1 e 2, alínea d) da Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto – Lei da Organização do Sistema Judiciário).
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Chegado que é o processo contraordenacional à sua fase jurisdicional, estatui o artigo 63º, nº 1 do RGCO que “O juiz rejeitará, por meio de despacho, o recurso feito fora do prazo ou sem respeito pelas exigências de forma”.
Por seu turno, reza o artigo 59º, nº 2 e 3 do RGCO que “O recurso de impugnação poderá ser interposto pelo arguido ou pelo seu defensor” e que, de igual modo, deve ser “feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegações e conclusões”.
Ora, se nestes autos o recurso de impugnação judicial foi interposto pelo arguido e o...
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