Acórdão nº 9039/22.4T8VNG.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-07-12

Data de Julgamento12 Julho 2023
Ano2023
Número Acordão9039/22.4T8VNG.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. n.º 9039/22.4T8VNG.P1

Sumário
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I - Relatório
AA, residente na Rua ..., freguesia ... - ... Maia, intentou a presente ação declarativa com processo comum contra BB e CC, por si e enquanto herdeiros de DD, residentes na Rua ..., ..., 3.º dt.º, ... e ..., ... Vila Nova de Gaia.
Pede:
a) que se declare anulada doação de usufruto das frações autónomas descritas sob os n.ºs ...-AB, ...-N e ...-W da freguesia ..., Vila Nova de Gaia;
b) que seja ordenado o cancelamento da inscrição da AP. ... de 11-8-2016, incidente sobre as frações autónomas descritas;
c) a condenação dos RR. na imediata restituição das frações que constituíram o objeto da doação de usufruto;
d) a condenação dos RR. a indemnizarem a herança da doadora no valor mínimo mensal de € 1200,00 por cada um dos meses pelos quais persistam na detenção das frações, após a citação, acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ao ano.
Alega:
- que é cunhado da R. e tio do R., sendo aquela viúva do seu falecido meio irmão (filho do mesmo pai do A., EE) e este seu filho;
- que foi citado para o inventário notarial que corre termos para partilha das heranças de seus falecidos pais, EE e FF, requerido por sua irmã, GG;
- que no âmbito do inventário foi notificado da relação de bens, que anexava, entre outros, os documentos respeitantes aos únicos imóveis da herança, três frações autónomas, um testamento outorgado em 4-8-2004, por sua falecida mãe, e uma escritura de doação outorgada em 12-7-2016 no Cartório Notarial da Notária HH, no Porto, através da qual sua mãe doou ao enteado DD e à mulher deste, aqui R., o usufruto simultâneo e sucessivo até à morte do último, das frações autónomas;
- que até essa data ignorava a existência da escritura de doação, tendo deduzido no inventário reclamação contra a relação de bens, impugnando essa doação;
- que por despacho proferido em 6-10-2022 a notária responsável pelo inventário proferiu despacho de remessa dos interessados para os meios comuns;
- que à data da outorga da escritura de doação a doadora não dispunha de capacidade de entendimento e de consciência do ato que estava a praticar porque apresentava um défice cognitivo de tal forma acentuado que lhe retirava a capacidade de formar a sua vontade de forma livre e esclarecida.
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Os RR. contestaram.
Invocaram a caducidade do direito do A. a ver declarada a anulação da doação do usufruto dos três imóveis, por ter decorrido mais de um ano entre a data em que o próprio alega ter tido conhecimento da doação outorgada e a propositura da presente ação.
Excecionaram a ilegitimidade do A., por preterição de litisconsórcio necessário, por entenderem que terão que estar presentes em juízo todos os herdeiros.
Excecionaram a ilegitimidade do segundo R., por da procedência da ação não advir para si qualquer prejuízo.
No mais, defendem-se por impugnação.
O A. defendeu a improcedência da matéria de exceção.
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Realizou-se audiência prévia.
O tribunal conheceu por escrito da matéria, entendendo estar em causa situação em que se mostra necessário o litisconsórcio necessário ativo de todos os herdeiros, sendo o vício passível de suprimento pela dedução de incidente de intervenção de terceiros.
Considerou, todavia, que a intervenção constituiria um ato inútil, no caso de se vir a julgar a acolher a exceção de caducidade.
Conheceu, então, de tal exceção, julgando-a procedente.
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Inconformado, o A. interpôs o presente recurso.
Concluiu da seguinte forma
1- O A. intentou a ação formulando os seguintes pedidos:
a) que se declare anulada a doação identificada nos autos;
b) que seja ordenado o cancelamento da inscrição da AP. ... de 11.08.2016, incidente sobre as frações autónomas descritas sob os n.º ...-AB, ...-N e ...-W, da freguesia ...;
c) a condenação dos Réus na imediata restituição das frações que constituíram o objeto da doação de usufruto, melhor identificadas no art. 6º da petição inicial à herança, representada pela sua cabeça de casal, GG ou por quem exerça essas funções;
d) a condenação dos Réus a indemnizarem a herança no valor mínimo mensal de €1.200,00 por cada um dos meses pelos quais persistam na detenção das frações, após a citação, acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ao ano;
2- Encontra-se pendente inventário notarial, sendo que até à data em que foi citado para o mesmo, o A. ignorava em absoluto a escritura de doação, tendo deduzido, no inventário, reclamação contra a relação de bens, impugnando essa doação, pois à data da outorga da escritura de doação, a doadora não dispunha de capacidade de entendimento e de consciência do ato que estava a praticar porque apresentava um défice cognitivo de tal forma acentuado, consequência da demência de que padecia, que lhe retirava a capacidade de formar a sua vontade de forma livre e esclarecida.
3- Por despacho proferido em 6.10.2022 a Sra. Notária responsável pelo inventário proferiu despacho de remessa dos interessados para os meios comuns, para ser aí conhecida a nulidade ou anulabilidade da referida doação, tendo sido nessa decorrência instaurada a presente ação.
4- A douta sentença ora recorrida entendeu que “por força do disposto no art. 2091º, nº 1 do C.C., e não estando em causa a prática de atos ordinários enunciados nos art.s 2087º do C.C., nem se tratando de ação de petição de herança, os direitos relativos à mesma só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros. Pelo exposto, é nosso entendimento que na presente ação se verifica uma situação de litisconsórcio necessário ativo de todos os herdeiros”,
5- verificando-se por isso a ilegitimidade do A., a qual seria suprível pela dedução de incidente de intervenção de terceiros, não fora a ocorrência de caducidade, invocada também pelos RR, que se entende verificar-se, como se verá na continuação da douta sentença.
6- A verdade porém, é que não se verificam os pressupostos legalmente estatuídos para o litisconsórcio necessário (ativo ou passivo), e por isso não ocorre a exceção da ilegitimidade.
7- Pois sobre esta matéria, vigoram as normas da “petição de herança” constantes dos arts. 2075º e seguintes do Código Civil.
8- Se por um lado, o artigo 2091.º, n.º 1, do CC estatui que “os direitos relativos à herança só podem ser exercido conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros”, por outro lado, exclui de forma clara os “casos declarados nos artigos anteriores, e sem prejuízo do disposto no artigo 2078.º”.
9- O que refere esta última norma é que “Sendo vários os herdeiros, qualquer deles tem legitimidade para pedir separadamente a totalidade dos bens em poder do demandado, sem que este possa opor-lhe que tais bens lhe não pertencem por inteiro.”
10- Emerge da lei uma distinção clara entre a relação de “contitularidade entre os diferentes co-herdeiros e a relação singular de cada co-herdeiro com os terceiros possuidores ou meros detentores dos bens hereditários, em que a lei confere legitimidade, através da petição de herança, para cada um deles agir em nome ou no interesse de todos os demais.”
11- No caso concreto, afigura-se manifesto que a presente ação de anulação da referenciada doação consubstancia uma verdadeira ação de petição da herança, pois o resultado da respetiva procedência será a anulação do usufruto dos Réus relativamente aos identificados imóveis e a restituição destes em propriedade plena e livres de ónus ou encargos ao acervo hereditário.
12- A razão por que a douta sentença recorrida diverge deste entendimento assenta apenas numa razão formal: a de que só os 3º e 4º pedidos formulados na PI são típicos da
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