Acórdão nº 9024/21.3T8VNG-A.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-05-04

Ano2023
Número Acordão9024/21.3T8VNG-A.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Apelação nº 9024/21.3T8VNG-A.P1


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO


I – Resenha histórica do processo
1. AA e BB, casados entre si, instauraram ação de despejo contra CC e DD, pedindo:
· Ser declarada a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre os Autores e o Réus.
· Serem os Réus condenados a pagar aos Autores as rendas vencidas e não pagas, que ascendem a 4.060,00€, bem assim como as rendas que se continuarem a vencer até à efetiva entrega do locado.
· Ser a primeira Ré condenada a entregar a fração livre e desocupada de pessoas e bens.
Fundamentaram os seus pedidos alegando terem dado um imóvel de arrendamento à Ré CC, tendo o Réu DD intervindo como fiador. Os Réus deixaram de pagar as rendas (7 meses de renda). Acresce a violação de regras de sossego (queixas do Condomínio relativamente ao barulho constante feito pela Ré, mesmo em horário de descanso).
Em contestação, a Ré CC impugnou a falta de pagamento das rendas e excessionou com a falta de condições do locado (humidade) para nele habitar, o que lhe concede o direito de suspender o pagamento das rendas, dado que os Autores não procederam à reparação, apesar de interpelados.
Ao Autores responderam à exceção, sustentando a sua improcedência.
Em sede de despacho saneador, com delimitação do objeto do litígio e dos temas de prova, foi proferido ainda o seguinte despacho: «Ao abrigo do disposto no artigo 14.º n.º 4 e n.º 5 do NRAU, notifique a Ré para, no prazo de 10 (dez) dias, proceder ao pagamento das rendas vencidas no período compreendido entre dezembro de 2021 a novembro de 2022, inclusive, no valor de €6.960,00€ (…), acrescidas da quantia indemnizatória correspondente a 20% do valor devido (artigo 1041.º n.º 1 do Código Civil), ou seja, 1.392,00€ (…), o que perfaz 8.352,00€ (…).»
Não foi feito qualquer pagamento pela Ré.
Atenta essa falta de pagamento, em 26/01/2023, os Autores deduziram incidente de despejo imediato.
A Ré não respondeu.

A M.mª Juíza proferiu então decisão no sentido de «julga-se procedente o incidente de despejo imediato e, em consequência, condena-se a Ré a despejar imediatamente a ação autónoma designada pela letra “D”, (…), que deverá entregar aos Autores livre e devoluto de pessoas e bens.»


2. Inconformada com tal decisão, dela apelou a Ré, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
«1º - O Douto Despacho não faz a correcta aplicação do direito aos factos.
2º - A defesa da R. em sede de contestação da ação principal obsta ao deferimento do incidente de despejo imediato;
3º - Na pendência da ação de despejo mantém-se a obrigação do arrendatário de pagamento das rendas.
4º - Pretende-se, evitar que o arrendatário mantenha o gozo da coisa locada durante a pendência da ação sem a correspondente remuneração do locador.
5º - Contudo, tendo em conta a redação do nº 5, do art. 14º, do NRAU (introduzida pela Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto) – ao referir-se a “em caso de deferimento do requerimento” – conclui-se que, a falta de prova do pagamento ou depósito das rendas vencidas na pendência da ação não implica a procedência automática do incidente de despejo imediato (cfr. Maria Olinda Garcia, cit., pág. 194).
6º - Nesse sentido, há que dar relevância ao teor da contestação apresentada pela R..
7º - Com efeito, a R. alegou a falta de condições de habitabilidade, que compromete seriamente o uso e fruição do locado; a existência de mora por parte dos AA., na realização das obras, o que obrigou a R. a invocar a exceção do não cumprimento do contrato.
8º - Ora, tal situação, carece naturalmente de ser provada, não só através de prova testemunhal já indicada na contestação, como também de Inspeção ao local, para se aquilatar dos defeitos e vícios invocados na contestação e que estão na base da suspensão do pagamento das rendas.
9º - Motivo pelo qual não deveria ter sido deferido o Incidente de Despejo imediato, antes de ser dada a possibilidade à R. de fazer a prova, como aliás requereu.
10º - Com efeito, a rapidez que se pretende que caracterize o incidente de despejo imediato não poderá jamais resultar na limitação dos direitos de defesa do arrendatário ao pagamento ou depósito das rendas vencidas e da indemnização devida pelo não pagamento atempado.
11º - Os tribunais superiores têm entendido que a limitação a estas duas hipóteses redundaria numa “privação absoluta” do direito ao contraditório dos arrendatários.
12º - A este propósito refere-se no douto Ac TC 327/2018 de 27 de Junho: «.., Mais chocante seria a situação que se verificaria por regra: como explica o Tribunal, o decretamento do despejo imediato teria como consequência a extinção da ação principal em virtude da inutilidade superveniente da lide – afinal de contas, o fim prosseguido pela ação já havia sido obtido. Ora, é manifesto que tal resultaria numa manifesta má administração da justiça, possibilitando a norma contida no número 4 do artigo 14.º do NRAU um efeito jurídico que com o qual o sistema na sua globalidade não pode compactuar.
Um outro argumento que foi na nossa ótica bem invocado pelo Tribunal e que depõe no sentido da decisão, prende-se não com a alteração levada a cabo no preceito contido no número 4 do artigo 14.º do NRAU pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, mas sim com a nova redação daquele contido no número 5 que, como explica MARIA OLINDA GARCIA, ao passar a referir a expressão “em caso de deferimento”, parece conduzir à conclusão de acordo com a qual o despejo imediato não é consequência direta e necessária do não pagamento ou depósito das rendas vencidas, carecendo antes de ponderação e análise do julgador…»
13º - É inconstitucional, por violação do princípio da proibição da indefesa, ínsito no art. 20º da Constituição, a interpretação do art. 14º, nº 4, do NRAU, no sentido de, no incidente de despejo imediato, apenas ser admitida como defesa a alegação e prova de pagamento ou depósito das rendas em mora.
14º - Com efeito, o entendimento segundo o qual o arrendatário, na resposta ao incidente de despejo imediato, apenas pode fazer prova documental do pagamento ou de depósitos das rendas, não lhe sendo permitido invocar quaisquer circunstâncias modificativas e impeditivas do pagamento, viola os princípios do Estado de Direito democrático (artigos 2.º e 9.º, alínea h), da Constituição da República Portuguesa - CRP), da igualdade (artigo 13.º da CRP), da força
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