Acórdão nº 90/21.2T8PTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 09-02-2023

Data de Julgamento09 Fevereiro 2023
Ano2023
Número Acordão90/21.2T8PTM.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Proc. n.º 90/21.2T8PTM.E1


Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

I – Relatório
1. (…), divorciada, residente em (…), bloco 6, 3º-Esq., Parchal, instaurou contra (…), Comércio de Automóveis, Unipessoal, Lda., com sede na Estrada Nacional 125, km (…), (…) e (…) – International (…) Service, SA, com sede na Rua da (…), Edifício (…), n.º 6, Santarém, ação declarativa com processo comum.

Alegou, em resumo, haver adquirido à 1ª Ré um veículo ligeiro de passageiros, em estado usado, da marca BMW, Serie 5 touring, LCI Diesel, pelo valor de € 12.500,00, com a indicação de que o automóvel se encontrava em perfeitas condições, as revisões estavam corretamente realizadas, que após o veículo ter efetuado cerca de cinco mil quilómetros começou a apresentar barulhos mecânicos que obrigaram não só à sua paralisação, durante um período de cento e vinte dias, mas também à sua reparação.

As Rés, a 2ª por efeito de garantia prestada, recusaram-se a reparar o veículo e a Autora custeou a reparação.

Concluiu pedindo a condenação, solidária, das Rés no pagamento da quantia de € 9.820,45, acrescida de juros, referente à reparação do veículo, privação do uso do veículo e danos não patrimoniais.

As Rés contestaram; a 1ª para contradizer parte dos factos alegados pela A. e para afirmar, em resumo, que a A. obstou à realização de uma perícia ao veículo assim estorvando a sua atempada reparação e que, de qualquer modo, assumiu as suas responsabilidades ao comunicar as alegadas anomalias do veículo à 2ª Ré, com a qual tinha contratado uma garantia; a 2ª Ré para negar exercer a atividade seguradora e reconhecer que havia celebrado com a 1ª Ré um contrato de garantia que tinha como beneficiária a A., o qual, no entanto, não a obrigava a proceder à reparação dos vícios que a viatura ostentava, por não incluídos no âmbito da garantia.

Ambas concluíram pela improcedência da ação.


2. Foi proferido despacho saneador que afirmou a validade e regularidade da instância, identificado o objeto de litígio e enunciados os temas da prova.
Teve lugar a audiência de discussão e julgamento e depois foi proferida sentença, em cujo dispositivo designadamente se consignou:
“Face ao exposto, julgo a ação parcialmente procedente e, por via disso:

a) Condeno a ré “(…), Comércio de Automóveis, Unipessoal, Lda.” a pagar à autora (…) os montantes parciais de € 2.850,45 (dois mil, oitocentos e cinquenta euros e quarenta e cinco cêntimos) a título de montante despendido na reparação do veículo e de € 2.310,00 (dois mil, trezentos e dez euros) a título de privação do uso do veículo, valores esses que serão acrescidos de juros mora contabilizados, à taxa de 4% ao ano, desde da citação da referida, até integral e efetivo pagamento, absolvendo a referida demandada do que demais foi peticionado;

b) Absolvo a ré “(…) – International (…) Service, SA” da totalidade do peticionado.”

3. A Ré recorre desta sentença e conclui assim a motivação do recurso:
“I. A sentença em crise padece de erro na apreciação da prova, quer testemunhal, quer documental, uma devida apreciação da prova constante nos autos impunha necessariamente uma decisão diferente.

II. Demonstrado assim que quanto aos factos provados impugnou-se o facto 6 pois cumpre mencionar que existe várias inconsistências quanto ao destinado uso do veículo, visto que a autora alegue que seria para o seu uso diário, contudo alegue simultaneamente que os problemas com o mesmo iniciaram com uma viagem ao norte de Portugal.

III. Verifica-se que o veículo se encontrava com a sua inspeção realizada provando-se assim que o veículo se encontrava em boas condições.

IV. Uma vez que a inspeção do mesmo ocorreu em 16.03.2020, caso houvesse problemas a nível de funcionamento ou de motor seria detetado durante a inspeção.

V. Assim sendo conclui-se que o veículo não apresentava problemas a nível de funcionamento do motor e que todos os outros danos alegados pela autora se relacionam com o mau uso do veículo e não com o veículo em si.

VI. Cumpre mencionar ainda que nos recibos apresentados pela ora autora, a mesma requer o pagamento de, entre outros, mudança de óleo algo que não só claramente não abrangido pelo seguro como também sendo algo relacionado com o uso do veículo.

VII. Demonstrou-se ainda má-fé por parte da autora, pois a mesma impediu que o veículo fosse avaliado pela companhia segurado, optando por obter orçamentos a vários outros locais cujos orçamentos variam significativamente.

VIII. Quanto aos factos não provados, visa reiterar que uma vez que o veículo passou na sua inspeção estaria o mesmo em ótimas condições.

IX. Reiterando também a relutância da autora em comparecer para a inspeção organizada pela ré, ora requerente.

X. Ora, quando a motivação de direito, conclui-se que não houve de facto uma discordância entre o veículo anunciado e o vendido.

XI. Sendo que o veículo foi apresentado a autora com a descrições corretas e fiéis.

XII. Reiterando então o acima referido Pelo que não se compreende a aplicação do regime jurídico da compra e venda de coisa defeituosa, quando em causa não está nenhum defeito ou anomalia que coloque em causa o fim a que a viatura se destina,

XIII. Mas sim, o uso anormal e pouco diligente da autora com a mesma

XIV. Mais do que uma nulidade de sentença, existe uma nulidade processual, ou seja, um desvio ao formalismo processual prescrito na lei, uma omissão de um ato fundamental, realização de perícia essencial para a descoberta da verdade material fundamentado o Tribunal a sua não realização.

XV. Decidindo condenar a ré no pagamento de uma fatura com diversos serviços que caso tivesse existido uma perícia teria sido fácil descortinar se realmente existiam essas anomalias e se as mesmas seriam de facto da responsabilidade da ré ou não.

XVI. A meritíssima Juiz a quo causou um desvio ao formalismo processual, pois constitui a pericial um meio de prova essencial para o caso específico, uma vez que o mesmo é extremamente técnico, sendo tal perícia fundamental para o apuramento dos factos alegados.

XVII. Deve o ato processual que decorre da omissão da meritíssima Juiz ser anulado, bem como os termos subsequentes que dele dependam absolutamente, pelo que, deverá ser dada assim também sem efeito a sentença proferida, requerendo-se a repetição da Audiência de Discussão e Julgamento quanto à prova viciada, nos termos do artigo 662.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas b) e c), do Código de Processo Civil.

Nestes termos e nos mais de direito que V. Exas., Venerandos Desembargadores, doutamente suprirão, deverá a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que, dando provimento ao recurso, absolva a ré de tudo o peticionado pela autora.

Fazendo-se assim JUSTIÇA!!!

Não foi oferecida resposta.

Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Objeto do recurso
Considerando que o objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.º 4 e 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), que nos recursos se apreciam questões e não razões ou argumentos e que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido, importa decidir: i) a impugnação da decisão de facto, ii) se o procedimento é nulo por omissão de prova pericial, (iii) se a Recorrida não é responsável pela reparação do veículo.



III. Fundamentação
1. Factos
1.1. A decisão recorrida julgou assim os factos:

Provado:
1.º A 1.ª ré é uma sociedade comercial que se dedica à venda de veículos automóveis, tendo no dia 31.01.2020, vendido à autora, pelo valor de € 12.500,00 (doze mil e quinhentos euros), um veículo ligeiro de passageiros usado, da marca “BMW Serie 5 Touring LCI Diesel”, de matrícula (…), com certificado de matrícula emitido a 01.04.2008, o qual à data de 03.02.2020, ostentava 186.491 km.

2.º A 2.º Ré tem por objeto a prestação de serviços no sector automóvel, gestão de garantias e reparações e avarias, assistência em viagem.

3.º No dia 03.03.2020 a 2.º ré celebrou com a 1.º ré um acordo, apelidado de “Garantia Verde”, que teve como beneficiária a autora.

4.º O contrato mencionado em 3.º destinou-se a garantir, pelo período de um ano, eventuais reparações do veículo, provocadas por “avaria mecânica e ou elétrica de origem fortuita”, tendo em tal acordo, tal tipologia de avaria sido definida como “a incapacidade de uma peça garantida funcionar conforme as especificações do construtor, resultante de uma falha mecânica e ou elétrica, não sendo considerada avaria a redução gradual do rendimento de uma peça devido a idade, uso e quilometragem do veículo”.

5.º O contrato mencionado em 3.º cobria reparações até ao montante de € 700,00 (setecentos euros), associadas a avarias que afetassem o motor (em especial os componentes internos em ligação com circuito de óleo: veio de excêntricos, cilindros embolo e cavilhas, bielas, chumaceiras, cambota, bomba de óleo, expeto carter e juntas) e a caixa de velocidades (veios, rolamentos, anilhas e sincronizadores, forquilha de seleção interna, expeto, cárter, juntas, caixa de transferência e overdrive).

6.º A autora destinou o referido veículo para efetuar as suas deslocações diárias, nomeadamente, entre a sua residência e os locais nos quais presta serviços, por conta própria, de apoio domiciliário /doméstico e bem assim fazer deslocações de lazer.

7.º O veículo foi inspecionado em 16.03.2020, tendo sido aprovado, e, na referida data ostentava 189.343 km.

8.º Em data não concretamente apurada, mas anterior a 05.05.2020, o veículo passou a apresentar ruídos, tendo sido desaconselhada a sua circulação.

9.º Depois de ter sido contactado pelo companheiro da autora via e-mail, a 1.ª ré informou o mesmo, na data mencionada em 8.º (05.05.20220), de que os veículos que vendia eram...

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