Acórdão nº 897/21.0T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-11-09

Ano2023
Número Acordão897/21.0T8VCT.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

1. Relatório

AA intentou contra EMP01..., EPE, BB e CC, acção declarativa de condenação, com processo comum, pedindo que fossem os RR., na medida das suas responsabilidades, condenados a pagar ao A.:

a) a indemnização global líquida de € 31.000,0, acrescida de juros de mora vincendos, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da propositura da acção até efectivo pagamento:
b) a indemnização que por força os factos alegados nos art.ºs 100º a 119º da petição inicial vier a ser fixada em decisão ulterior ou, a indemnização que vier a ser quantificada em incidente de liquidação;
c) a indemnização relativa aos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes da Incapacidade Permanente Geral e para o Trabalho, de que o A. ficou a padecer, a fixar através de exame medico-pericial.

Alegou para tanto e em síntese que no dia 18 de Abril de 2014, cerca das 5h00, adquiriu um bilhete de comboio para a viagem entre ... e o apeadeiro da ..., na freguesia ..., tendo entrado no comboio pelas 5h20; o Réu BB era o maquinista do referido comboio e o Réu CC era o revisor, ambos empregados da EMP01...; o comboio era dotado de portas de funcionamento automático, sendo a sua abertura e fecho exclusivamente levados a efeito pelo revisor, o 3º R., através de comandos existentes no habitáculo onde o mesmo se encontra alojado; quando o comboio se encontra em movimento, as portas devem permanecer fechadas, só podendo ser abertas nas estações e apeadeiros, através do sistema de abertura e fecho automáticos, a realizar pelo revisor.

Mais alegou que o comboio parou no apeadeiro da ...; o A. tentou sair pela porta da composição em que viajava, mas, por deficiente sinalização do 3º R., o 2º R., sem se certificar que todos os passageiros haviam abandonado o comboio em segurança, arrancou na altura em que o A. se encontrava a sair pela porta da carruagem onde viajava; devido ao fecho súbito da porta operado pelo 3º R., o A. ficou com o tornozelo esquerdo preso nas portas da carruagem de onde estava a sair; e tendo o comboio arrancado, arrastou o A. ao longo de 90 m; para se proteger apoiou as mãos na plataforma do cais de embarque e na linha, tendo batido com a cabeça na plataforma; o comboio só parou após ter sido accionada a alavanca de emergência por um passageiro, que na altura circulava no comboio, momento em que a porta se abriu e o A. se soltou; o 2º R. não se apercebeu do sucedido, a não ser depois de ter parado o comboio e se ter dirigido à carruagem onde havia sido accionada a alavanca de emergência; apesar de verificar o acidentado, os 2º e 3º RR. não lhe prestaram qualquer auxílio, abandonando-o no local, sem apoio.

Finalmente alegou que em consequência directa e necessária do sinistro sofreu lesões corporais várias, bem como danos de natureza psicológica, as quais determinaram assistência médica e assistência psicológica e pedopsiquiátrica, tendo ficado com as sequelas que indica, não estando ainda completamente curado.

Os RR., citados, contestaram, invocando a excepção de incompetência absoluta do tribunal, em razão da matéria.

Mais invocaram que na estação de ... o A., acompanhado de amigos, solicitou ao 3º R. um bilhete com partida naquela estação e destino à estação de ...; tendo em consideração as habituais confusões entre as estações de ... e ..., antes de proceder à emissão dos bilhetes o 3º R. questionou o A. quanto ao seu real destino – ... ou ... -, ao que o A. respondeu ser ....

Invocaram também que uma vez chegado ao apeadeiro de ..., o comboio parou a marcha, o 3º Réu desceu à plataforma por forma a acompanhar um eventual, mas improvável, embarque ou desembarque de passageiros, já que nenhum passageiro dispunha de bilhete nesses termos; já na plataforma, após ter verificado, que não havia nenhum passageiro a embarcar e/ou a desembarcar do comboio e/ou a adotar qualquer comportamento susceptível de revelar essa intenção e que o comboio podia reiniciar a marcha em condições de segurança, posicionou-se na plataforma, de forma que o 2º R. o conseguisse visualizar, como conseguiu, pelos espelhos retrovisores do comboio e transmitiu ao mesmo, através de um sinal de luz verde, o sinal de serviço concluído para reinício da marcha e dirigiu-se ao interior do comboio; o 2º R., após proceder ao fecho das portas, reiniciou a marcha; no momento do reinício da marcha, todas as portas do comboio encontravam-se totalmente fechadas; após ter entrado no comboio e este ter reiniciado a marcha, o 3º Réu dirigiu-se para junto da cabine de condução e aí foi informado pelo 2º Réu que algum passageiro tinha accionado o sinal de alarme e forçado a abertura de uma porta; o acionamento do alarme provocou a imediata paralisação do comboio; a fim de apurar o local onde tinha sido accionado o alarme, o 3º Réu percorreu toda a composição, tendo verificado que o sinal de alarme tinha sido accionado na última porta do comboio, local onde o A. e os seus amigos se encontravam, tendo aí verificado que o manípulo do alarme se encontrava manuseado; verificou ainda que no exterior do comboio, junto à linha, se encontravam o A. e os amigos que o acompanhavam, encontrando-se o A. sentado na brita, local onde caiu após ter saltado para fora do comboio quando este se encontrava em andamento, fora do local próprio, tendo, para isso, accionado o alarme e aberto a porta da carruagem de forma forçada; o A. queixava-se de dores na perna; o 3º R. questionou-os se tinham sido eles a acionar o alarme e a abrir a porta de forma forçada, ao que responderam afirmativamente, com a justificação de que pretendiam desembarcar no apeadeiro de ...; perante a queixas do A., o 3º R. de imediato e por diversas vezes, questionou-o, assim como aos seus amigos, sobre a necessidade de ser prestado auxílio médico, tendo o A. dito que não era necessário; uma vez que o A. não apresentava lesões aparentes, recusou auxílio médico e estava acompanhado pelos amigos, o 3º R. transmitiu ao 2º R. o sinal de serviço concluído, após o que o comboio retomou a marcha.

Referem depois o modo de funcionamento das portas, alegando, em síntese, que as portas são de funcionamento automático, sendo o seu fecho comandado pelo maquinista através de um interruptor específico existente na mesa de condução do seu habitáculo, o qual, por sua vez, gera um impulso eléctrico de bloqueio automático de todas as portas do comboio; quando é dada a ordem de fecho, já não é possível a qualquer passageiro, mesmo com a unidade parada, efectuar a abertura normal das portas do comboio e, sempre que as portas se encontrem abertas, é sinalizado na mesa de condução do maquinista através dos respectivos indicadores luminosos acesos; a autorização de abertura de portas também é efectuada pelo maquinista através do respectivo interruptor existente na mesa de condução; na hipótese de uma das portas do comboio ser aberta, por ser acionado o dispositivo de emergência, existente em todas as portas do comboio, é possível abrir manualmente a porta, ainda que o comboio se encontre em andamento, sendo essa situação sinalizada ao maquinista, mediante sinal luminoso, na mesa de condução; estando o interruptor de comando das portas na posição de abertura, um sistema de segurança impede a marcha do comboio; o maquinista apenas pode iniciar a marcha após se apagarem os indicadores luminosos que sinalizam a abertura das portas.

Os 2º e 3ª RR. cumpriram de forma integral todas as regras, procedimentos e protocolos definidos para o tráfego ferroviário, sendo o único responsável pelo evento o A., por ter decidido antecipar o seu desembarque, estando o comboio em movimento, forçando a porta.

O acidente deu lugar à instauração de processo crime, em que o A. se constitui assistente, sendo arguido o 3º R. e demandada cível a 1ª Ré (sendo demandante a EMP02... – Unidade de Saúde Local do ..., EPE), tendo sido proferida sentença que absolveu o 3º R. do crime que lhe era imputado e absolveu o 3º R. e a 1ª Ré do pedido de indemnização cível.

Finalmente impugnou os danos invocados pelo A.

O A. respondeu à excepção.

Com dispensa da audiência prévia, foi proferido despacho saneador, que julgou improcedente a excepção de incompetência material e julgou verificados os demais pressupostos processuais, consignou o objecto do litígio e os temas da prova e admitiu as provas.

Instruídos os autos com o Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Civil, realizou-se o julgamento, tendo sido proferida sentença com o seguinte decisório:
“Pelo exposto, decide-se julgar a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:
- Condena-se a primeira Ré a pagar ao Autor uma indemnização, a título de danos não patrimoniais, no montante total de € 15.000,00 (quinze mil euros), a que acrescem juros de mora a contar da presente decisão até efectivo e integral pagamento, absolvendo a Ré de todo o mais peticionado;
- Absolvem-se dos pedidos os Réus BB e CC.
Custas por Autor e 1ª Ré, na proporção do decaimento (art.º 527º, nº 1 e 2 do CPC).”

Interpôs a Ré recurso[1], pedindo a revogação da sentença recorrida, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

A. Os presentes autos fundam-se na responsabilidade civil da Recorrente em consequência de um acidente que vitimou o A. e que alegadamente foi provocado pelo fecho súbito das portas, tendo o A. ficado preso pelo tornozelo esquerdo.
B. Foi alegado pelo Recorrido que, em consequência desse acidente, sofreu danos não patrimoniais, peticionando a condenação da Recorrente no pagamento do valor de 31.000,00 Euros, a título de indemnização por esses danos.
C. Em face da matéria de facto considerada provada, o Tribunal a quo proferiu a decisão ora posta em crise, de acordo com a qual julgou a ação parcialmente procedente.
D. Não pode a Recorrente...

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