Acórdão nº 8947/21.4T8LSB.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 24-01-2023

Data de Julgamento24 Janeiro 2023
Ano2023
Número Acordão8947/21.4T8LSB.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

QUESTÃO PRÉVIA:
Nos art.ºs 3.º a 5.º da motivação do recurso alega o recorrente, singelamente, que «vem juntar neste recurso documentos, o que faz nos termos do art.º 425º C.P.C., por remissão do n.º 1, art.º 651º C.P.C., uma vez que, tais documentos só foram descobertos apos a prolação da Sentença, de entre o acervo de MD, acervo este existente no prédio onde a mesma habitava.»
Tais documentos são:
- cópia de um extrato bancário em nome de MD, datado de 29 de novembro de 2019;
- uma mapa de marcações de consultas de MD no IPO, datado de 15 de novembro de 2019.
Nada mais!
Nos termos do art.º 651.º, n.º 1, do C.P.C., «as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.»
Dispõe, por sua vez, o art.º 425.º do C.P.C., que «depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.»
Resulta da conjugação dos dois citados preceitos que a junção de documentos na fase do recurso só é admissível em duas situações, a saber:
a) por se ter tornado necessária a junção em virtude do julgamento proferido em 1.ª instância;
b) por não ter sido possível a sua apresentação até ao encerramento da discussão em 1.ª instância.
Não está em causa a situação referida em b), pois os documentos juntos pela apelante em sede de recurso são datados de 2019, quando a ação deu entrada em 14 de abril de 2021.
O apelante alega que «tais documentos só foram descobertos apos a prolação da Sentença, de entre o acervo de MD, acervo este existente no prédio onde a mesma habitava.»
Não junta, no entanto, qualquer elemento probatório suscetível de demonstrar tal alegação.
Por outro lado, não alega sequer que se tratem de documentos cuja junção se tornou necessária em virtude do julgamento proferido em 1.ª instância.
Finalmente, tratam-se de documentos que em nada relevam para a decisão da causa.
Por isso, sem necessidade de mais considerandos, por absolutamente desnecessários, não se admite a junção aos autos dos documentos apresentados com as alegações de recurso do autor, determinando-se o seu desentranhamento dos autos e a sua restituição à ilustre advogada sua apresentante.
*
I – RELATÓRIO:
JD veio, ao longo de exageradamente extensa e prolixa petição inicial[1], intentar a presente ação declarativa constitutiva, contra P-GI, Lda., alegando, em síntese[2], que em 17 de dezembro de 2019, ele e sua irmã, MD, que veio a falecer no dia 8 de janeiro de 2020, eram cotitulares, em partes iguais, de um quinhão hereditário constituído por um prédio urbano em propriedade total, com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, sito na Rua RD, n.º __, freguesia de Arroios, concelho de Lisboa, composto de cave, R/C, 3 andares e quintais, destinado a habitação, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º ____, da freguesia de S. Jorge de Arroios, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ____ da freguesia de Arroios (antigo artigo ____ da freguesia de S. Jorge de Arroios).
Naquele dia 17 de dezembro de 2019, mediante escritura realizada no Cartório de JM, em Lisboa, FN, outorgando na qualidade de procuradora e em representação de MD, pelo preço de € 700.000,00, declarou vender, livre de ónus e encargos à ora ré, ali representada pelo seu sócio-gerente, AP, que declarou comprar, «o quinhão hereditário de que a sua representada é titular nas heranças ilíquidas e indivisas abertas por óbito de seus pais e irmão, CB, BB e CDB, constituídas pelo prédio acima identificado.
Sucede que «em 17 de dezembro de 2019, MD já não tinha discernimento de entendimento do ato que nesse dia ia ser praticado», não tendo, portanto, consciência da declaração negocial consubstanciada naquela escritura.
Tal como, aliás, já não tinha à data em que outorgou a favor de FN, a procuração a conferir-lhe poderes para intervir naquela escritura nos termos em que o faz.
Além disso, não foi assegurado ao autor o exercício do direito de preferência na aquisição do quinhão de que MD era titular naquelas heranças.
O autor conclui assim a petição inicial:
«Pelo que se requer a Vossa Exa.:
Julgue procedente estes autos, por provados os factos neles alegados, decretando a anulação da escritura pública celebrada em 17 de dezembro de 2019 do referido imóvel prédio urbano em propriedade total, com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, sito na Rua RD, n.º __, freguesia de Arroios, concelho de Lisboa, composto de cave, R/C, 3 andares e quintais, destinado a habitação, descrito na Conservatória de Registo Predial de Lisboa, sob o n.º ____, da freguesia de S. Jorge de Arroios, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ____ da freguesia de Arroios (antigo artigo ____ da freguesia de S. Jorge de Arroios), entre a ré e MD, para os devidos efeitos legais.»
*
A ré apresentou contestação, começando por arguir a caducidade do direito de preferência do autor.
No entanto, considerando o objeto do litígio tal como configurado pelo autor na petição inicial, composto pela causa de pedir e pelo pedido, a invocação daquela exceção é irrelevante, importando apenas considerar, para o que aqui e agora interessa, que a ré impugnou que a referida MD se encontrasse incapacitada de entender o significado da escritura celebrada no dia 17 de dezembro de 2019, sendo que, tanto no momento em que celebrou o contrato-promessa de compra e venda que antecedeu a celebração daquela escritura, como no momento em que outorgou procuração a favor da pessoa que a representou naquela escritura, estava no pleno uso das suas faculdades mentais, tendo formado a sua vontade de modo livre e esclarecido.
Conclui assim a contestação:
«Nestes termos, e nos melhores de Direito, deve a presente acção ser julgada improcedente e, em consequência, ser o R. absolvido do pedido.»
*
Realizou-se a audiência prévia, na qual a senhora juíza a quo, além do mais, fixou o objeto do litígio e enunciou um único tema de prova.
*
Na subsequente tramitação dos autos realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença, de cuja parte dispositiva consta o seguinte:
«Destarte, o Tribunal decide julgar a presente acção totalmente improcedente por não provada, absolvendo a ré do pedido.»
*
Inconformado, o autor interpôs o presente recurso de apelação.
Fê-lo, tal como já havia sucedido com a petição inicial, através de uma extensíssima e prolixa peça recursória, cujas conclusões eram constituídas por nada mais, nada menos, do que 123 (cento e vinte e três) pontos.
Por se tratarem de conclusões manifestamente complexas, prolixas, que de modo algum cumpriam o dever de síntese imposto pelo art.º 639.º, n.º 1, foi proferido o despacho de 5 de dezembro de 2022, a convidar o apelante a vir aos autos, em cinco dias, apresentar novas conclusões, em conformidade com o exposto naquele despacho, onde, de forma sintética, indicasse os fundamentos por que pretendia a alteração da decisão recorrida, nomeadamente em sede de matéria de facto.
Notificado desse despacho, o apelante apresentou o seguinte requerimento:
«(...) notificado de Despacho datado de 5 de Dezembro de 2022, vem apresentar as Conclusões de Recurso, aperfeiçoadas, nos termos do disposto no n.º 3, art.º 639º C.P.C..
Pelo que se requer (...), que:
Admita o presente requerimento e Conclusões de Recurso, aperfeiçoadas, nos termos do disposto no n.º 3, art.º 639º C.P.C., para os devidos efeitos legais.
JUNTA: Conclusões de Recurso aperfeiçoadas.»
E com esse requerimento juntou as seguintes conclusões:
«I. O objeto do recurso interposto pelo recorrente é a decisão proferida na Sentença a quo, datada e assinada de 25 de Abril de 2022.
II. O Exmo. Senhor Juiz a quo fez tábua rasa dos documentos por si admitidos, não impugnados, na ponderação que fez da matéria provada e não provada na Sentença decretada, tendo violado o disposto no n.º 4, art.º 607º C.P.C..
III. Mal andou o Exmo. Senhor Juiz a quo em ter considerado na Sentença decretada que as consultas de hematologia da testemunha MHB com MD, duravam cerca 1 hora, pois aquela não o referiu.
IV. Mal andou o Exmo. Senhor Juiz a quo em ter considerado, que a testemunha MHB tivesse negado que os tratamentos e a medicação a que MD foi sujeita lhe tivessem debilitado as funções cognitivas e de entendimento, por aquela não o ter referido.
V. O Exmo. Senhor Juiz a quo incorrectamente ponderou e julgou os factos verbalizados pela testemunha MHB, na sessão de audiência e julgamento.
VI. Mal andou o Exmo. Senhor Juiz a quo em não ter considerado na Sentença decretada que quem sofre de síndrome de acumulação, tem afetação das suas capacidades cognitivas.
VII. O Exmo. Senhor Juiz a quo nada referiu na Sentença decretada acerca da credibilidade, assertividade, objectividade do teor da inquirição da testemunha DAF.
VIII. O Exmo. Senhor Juiz a quo incorrectamente ponderou e julgou os factos relatados pela testemunha DAF, na sessão de audiência e julgamento.
IX. Mal andou o Exmo. Senhor Juiz a quo em não ter considerado provado na Sentença decretada a factualidade que constava na prova documental: os e-mails datados de Julho de 2019, que a testemunha MFN verbalizou na audiência de julgamento, por deles conhecer.
X. Mal andou o Exmo. Senhor Juiz a quo em ter-se baseado na sua ponderação e para prova da matéria de facto, no teor da inquirição da testemunha MFN, a qual, relativamente a MD, verbalizou que estava bem psicologicamente e com discernimento perfeito, em contradição com o teor dos referidos e-mails datados de Julho de 2019.
XI. Há contradição entre o teor dos referidos e-mails datados de Julho de 2019, que fazem prova nos autos a quo e o verbalizado pela testemunha MFN, segundo a
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