Acórdão nº 8947/20.1T8PRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-09-12

Ano2022
Número Acordão8947/20.1T8PRT.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº 8947/20.1T8PRT.P1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto


I. Relatório

AA, residente na Travessa ..., ..., em ..., Lousada, com patrocínio pelos serviços jurídicos do seu sindicato, veio intentar a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra R..., Lda., com sede na Rua ..., ..., Loja ..., ..., Santa Maria da Feira.

Pede que seja a ré condenada a:

A. Pagar ao autor a quantia de €15.354,22 a título de créditos laborais em dívida.

B. Pagar a quantia de €38.620,92 título de indemnização pelos danos causados ao autor pela mora do pagamento dos créditos devidos (cláusula 45º da CCT).

C. Pagar os juros de mora à taxa legal, desde o seu vencimento até efetivo e integral pagamento.

Alega, para o efeito e em síntese: O A. foi admitido ao serviço da R. desde 16 de dezembro de 2016, para desempenhar as funções inerentes da categoria profissional de vigilante, com período normal de trabalho de 40 horas semanais, distribuídas de segunda a domingo e organizadas em termos rotativos, mediante a retribuição base mensal de 651,56€, acrescida de subsídio de alimentação no valor de 5,68€/dia e, ainda, de subsídio noturnos e horas complementares; O A. trabalhou ininterruptamente para a R desde 16-12-2016 até 15-06-2019, tendo cessado o vínculo laboral por iniciativa do trabalhador; o período experimental de 30 dias, não foi pago ao A. pela entidade patronal; o A. efetuou mensalmente horas de trabalho suplementar diurno e noturno, que não foram pagos; Como também, não foi pago o proporcional de subsidio de alimentação ao trabalhador; o A. trabalhou mensalmente em dias feriados; Não tendo sido pago pela R. ao trabalhador tais feriados; Desde a data da admissão até a cessão do contrato de trabalho o A. gozou apenas 33 dias de férias; Nos dois anos em que o A. esteve ao serviço da R., esta não prestou qualquer formação profissional; pelo facto da entidade empregadora incorrer em mora superior a 60 dias após o vencimento no pagamento das prestações pecuniárias supra descritas, e efetivamente devidas por esta, o trabalhador tem direito a uma indemnização pelos danos causados por aquela, no valor mínimo de 3 vezes do montante em dívida, conforme cláusula 45ª da CCT em vigor.

A ré foi regularmente citada e realizou-se audiência de partes.

A ré contestou impugnando o alegado pelo autor, alegando, em síntese: o A. aderiu ao regime de banco horas, nos termos da CCT pelo que podia prestar mais do que 8 horas de trabalho diárias; E sempre lhe foi pontualmente pago o que lhe era devido no que respeita a créditos salariais; O Autor nunca teria direito ao valor peticionado a título de mora, porquanto, na petição inicial, o A. não alega ter sofrido qualquer dano, razão por que, e como previsto na cláusula acima transcrita, nada lhe é devido a título de danos causados.

O autor respondeu, pronunciando-se sobre os documentos juntos.

Foi proferido despacho de aperfeiçoamento da petição inicial, o que foi cumprido pelo autor, tendo a ré contestado o novo articulado, reafirmando o já alegado.

Fixou-se à ação o valor de €53.975,14.

Foi proferido despacho saneador, que transitou em julgado, e dispensada a fixação do objecto do litígio e dos temas de prova.

Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, com registo da prova pessoal produzida.

Foi proferida sentença, com fixação da matéria de facto provada, que decidiu a final: “julga-se a presente acção parcialmente procedente por provada e em consequência condena-se a R. a pagar ao A. a quantia de €13.449,30 (treze mil quatrocentos e quarenta e nove euros e trinta cêntimos) a título de créditos laborais vencidos e não liquidados, acrescida de indemnização no valor de €34.918,26 (trinta e quatro mil novecentos e dezoito euros e vinte e seis cêntimos) e dos respectivos juros de mora vencidos, à taxa legal, desde a data da citação e dos vincendos até integral pagamento, absolvendo-se a R. do demais peticionado.

Inconformada interpôs a ré o presente recurso de apelação, concluindo:

I. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos supra identificados autos que, considerando a acção parcialmente procedente, veio a condenar a recorrente no pagamento ao autor da quantia de EUR 13.449,30 (treze mil quatrocentos e quarenta e nove euros e trinta cêntimos), a título de créditos laborais vencidos e não pagos, acrescida de indemnização no valor de EUR 34.918.26 (trinta e quatro mil novecentos e dezoito euros e vinte e seis cêntimos), e dos respectivos juros de mora vencidos, à taxa legal, desde a data da citação, e dos vincendos, até integral pagamento.

II. Com a devida vénia, a recorrente não se revê na bondade do aresto em crise, no que diz respeito à condenação da ora recorrente no pagamento do montante relativo a indemnização, porquanto considera que a decisão do Tribunal a quo erra de direito na interpretação do normativo constante da cláusula 45ª do Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a AES – Associação de Empresas de Segurança e a AESIRF – Associação Nacional das Empresas de Segurança e o STAD – Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Actividades Diversas [Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a AES – Associação de Empresas de Segurança e AESIRF – Associação Nacional das Empresas de Segurança, por um lado, e o STAD – Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Actividades Diversas, que se encontra publicado no BTE nº 38/2017, de 15 de Outubro], impondo necessariamente aos autos decisão diversa.

III. Parece-nos essencial proceder à análise do teor da cláusula, para que possamos aferir se o eventual reconhecimento do direito a ser indemnizado resulta de uma aplicação automática, ou melhor, de um mero cálculo aritmético em que apenas se terá que multiplicar por três o montante que se encontre em dívida – solução que nos parece de todo desajustada com a letra da cláusula – ou, se, para que se ache devido qualquer montante àquele título, terão não só que se alegar danos, como também que provar a sua existência e efectuar a sua liquidação.

IV. Salvo melhor opinião, a segunda alternativa parece-nos ser a que corresponde à vontade do legislador e a que resulta com clareza da letra da lei.

V. O Tribunal aplicou a cláusula 45ª do CCT de forma automática e desprovida de fundamentação. Aliás, com o devido respeito, há uma inegável violação do dever de fundamentação que sobre si impendia, porquanto se limita a sentença, como já se referiu anteriormente, a fazer o cálculo aritmético do montante a atribuir a título indemnizatório. E isto sem que fosse feita qualquer referência aos danos que foram causados ao autor – não foram alegados e consequentemente provados -, sem que se vislumbre a razão para que o montante que se achou devido a título indemnizatório fosse o que se arbitrou em detrimento de qualquer outro.

VI. Do teor da cláusula 45ª do CCT emergem duas condições essenciais à operabilidade da mesma, a saber: i) Existência de mora superior a 60 (sessenta) dias, por parte do empregador, quanto a uma das obrigações elencadas no capítulo em questão; e ii) A ocorrência de danos para o trabalhador.

VII. Nos autos, não foi alegada a existência de danos, nem produzida prova tendente a comprovar a existência de danos ou prejuízos sofridos ao autor/recorrido em consequência da mora no pagamento dos créditos peticionados.

VIII. A cláusula 45ª do CCT prevê que o cálculo do montante da indemnização se faça tendo como base os danos causados e “calculando-se os mesmos, para efeitos indemnizatórios, no valor mínimo de 3 vezes do montante da dívida.”

IX. Ora, a previsão expressa, no texto da cláusula, de um valor mínimo em termos de indemnização significa que, ao contrário do entendimento perfilhado pela sentença recorrida, não se pretendeu estipular uma aplicação automática e puramente mecânica e aritmética do valor da indemnização, mas estipular a necessidade se fazer uma ponderação da gravidade dos danos causados, quantificando-os em função dessa gravidade.

X. Para que a interpretação feita pela sentença recorrida fosse a correta, ou seja, a que resulta do cálculo automático do montante indemnizatório, sempre teria que a redação ser calculando-se os mesmos, para efeitos indemnizatórios, no valor de 3 vezes o montante da dívida.”

XI. A cláusula refere um montante mínimo porque o cálculo do montante da indemnização é feito tendo como base os danos efetivamente causados ao trabalhador com a mora no pagamento das quantias em dívida, danos esses que terão que ser alegados e provados para efeitos de atribuição do valor a que tem direito a título indemnizatório.

XII. Danos esses que se devem revestir de uma gravidade que justifiquem, em termos de um juízo de proporcionalidade, a aplicação da cláusula em causa, sob pena de se incorrer, como fez a sentença a quo, na atribuição de montantes indemnizatórios de carácter manifestamente excessivo.

XIII. O Tribunal, na sentença recorrida, negligenciou absolutamente o artigo 812º do Código Civil. Incumbia ao julgador atender ao abuso evidente que resulta da aplicação da cláusula 45ª do CCT que conduz, indubitavelmente, ao carácter manifestamente excessivo da cláusula penal em análise.

XIV. É inegável e notório que, no caso em apreço, o montante em que a ora recorrente foi condenada se revela ostensivamente desproporcionado em face dos danos que a mesma visa acautelar, sendo, pois, evidente, a sua desproporção e excesso. Esta desproporção é de tal forma aberrante ainda mais se se tiver em consideração que nenhuma alegação e prova foi feita que pudesse conduzir à atribuição de qualquer indemnização, muito menos da do montante arbitrado.

XV. Em suma, tendo como pano de fundo o preceituado no nº 3 do artigo 9º do Código Civil – “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o...

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