Acórdão nº 894/22.9BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 2023-06-29

Data de Julgamento29 Junho 2023
Ano2023
Número Acordão894/22.9BELSB
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

Conselho Superior de Magistratura [CSM], entidade requerida nos autos de acção de intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões instaurada por P. V., inconformado, interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida em 30.6.2022, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que decidiu julgar a presente acção procedente e, em consequência, intimou o CSM a, no prazo de 10 dias, facultar ao Requerente o acesso aos documentos solicitados no requerimento de 2.12.2021, a que alude o ponto 1. da factualidade assente.

Nas respectivas alegações, o Recorrente formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem:
«1.ª) Mal andou a Sentença recorrida ao intimar o ora Recorente[sic] a facultar o acesso aos documentos solicitados pelo Requerente, através do seu requerimento de 02.12.2021, com fundamento na natureza não nominativa dos mesmos.
2.ª) Na verdade, os documentos em questão contém dados pessoais na aceção do RGPD e, nessa medida, assumem a natureza de documentos nominativos, conforme decorre da aplicação conjugada dos artigos 3.º, n.º1, alínea b) do regime do acesso à informação administrativa e ambiental e de reutilização dos documentos administrativos, aprovado pela Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, e artigo 4.º, n.º 1 do RGPD.
3.ª) Na aceção do RGPD, o conceito de dados pessoais não depende da qualidade do titular dos dados pessoais, nem se circunscreve aos dados pessoais sensíveis ou de natureza íntima, os quais se reconduzem, outrossim a uma categoria especial de dados pessoais, com um regime de proteção acrescida, nos termos previstos nos artigos 4.º, n.ºs 13, 14 e 15 e 9.º do RGPD.
4.ª) Porém, mal andou, uma vez mais, a Sentença proferida pelo Tribunal a quo, quando faz uma aplicação restritiva do objeto e do âmbito de aplicação do RGPD, considerando estarem em causa dados pessoais relativos ao exercício de funções públicas e respeitantes a documentos que não contêm dados pessoais de natureza íntima, aos quais não seriam aplicáveis os princípios e os direitos dos titulares de dados pessoais, constantes no RGPD.
5.ª) Consubstanciando, pois, uma pronúncia do Tribunal a quo ao arrepio da lei e do princípio do primado do direito da União Europeia, que impede que o intérprete ou o legislador nacional restrinjam a aplicabilidade do RGPD, diretamente aplicável no ordenamento jurídico nacional e dos demais estados-membros.
6.ª) E, a errada qualificação como documentação contendo informação nominativa, efetuada na Sentença recorrida, assume especial relevância, porquanto configura uma exceção ao livre acesso, por qualquer pessoa, a informação não procedimental, nos termos do disposto no artigo 65.º do CPA.
7.ª) Com efeito, estando em causa documentos nominativos, não só têm que ser cumpridos os princípios plasmados no RGPD, como sejam a demonstração e concretização[sic] da finalidade do acesso aos dados pessoais contidos em tais documentos, como tem que se demonstrar um interesse direto e pessoal para tal acesso.
8.ª) Por partir da errada permissa[sic] de que a documentação requerida teria natureza não nominativa, a Sentença recorrida omitiu pronúncia relativamente a aspetos de fulcral relevância como a não demonstração da finalidade do acesso pelo Requerente, não sendo suficiente a alusão à qualidade de jornalista, bem como acerca da natureza pré-disciplinar da informação requerida, à luz dos disposto no artigo 11.º do EMJ.
9.ª) Com efeito, em face da omissão de concretização da finalidade de acesso aos procedimentos de natureza pré-disciplinar em apreço, ficou por demonstrar que os incipientes fundamentos gizados pelo Recorrido constituam, com razoabilidade e à luz do princípio da proporcionalidade, o meio necessário aos fins pretendidos.
10.ª) Mal andou, pois, a Sentença recorrida, ao não efetuar um juízo de proporcionalidade suscetível de conciliar o princípio da transparência e da administração aberta, com o princípio da proteção de dados.
11.ª) Salvo melhor entendimento, a Sentença ora recorrida não efetuou o juízo de proporcionalidade que lhe era exigido fazer na situação concreta sub judice, e que determinou a prevalência, tout court, de um direito sobre o outro.».

O Recorrido contra-alegou, concluindo que:
«A- P. V., está, neste momento, em posição de total desvantagem a todos os restantes intervenientes, processuais, designadamente, o Conselho Superior de Magistratura e o Meritíssimo Juiz a quo.
B- O requerente P. V., não conhece o conteúdo dos documentos que requereu e que lhe foram negados
C- Quando em sede de alegações o CSM vem invocar um alegado “Erro de julgamento quanto à natureza não nominativa da informação”, obviamente que só o CSM e o Juiz a quo podem saber se a informação contida nos documentos pode (ou não) integrar-se no conceito de documento nominativo, seja através do conceito plasmado na LADA, seja através do conceito de documento nominativo constante do regulamento geral da protecção de dados (RGPD).
D- A visão de documentos nominativo plasmada no recurso é errada
E- A passar esta visão obscurantista, a grande maioria dos documentos administrativos não poderá ser acedida, já que, uma grande maioria deles conterá nomes, números de variada ordem que poderão conduzir, directa ou indirectamente à identificação da pessoa singular, cargos, etc…etc…
F- O acesso a documentos produzidos pelo Conselho Superior de Magistratura ficará completamente obstaculizado
G- Aquilo que o CSM vê como uma violação de dados pessoais, se forem divulgados, já acontece, online, sem que ninguém tenha de requerer o que quer que seja.
Eis alguns exemplos da conclusão anterior:
H- uma pesquisa ao sitio da internet deste Tribunal de recurso mostra-nos:
Aqui (https://tca-sul.tribunais.org.pt/tribunal/quadros-do-tribunal/juizes/) o nome de todos os juízes que prestam serviço nesse tribunal, incluindo, os que têm mais antiguidade e os que são mais novos no cargo;
Aqui (https://tca-sul.tribunais.org.pt/tribunal/quadros-do-tribunal/magistrados-do-ministerio-publico/#lat) o nome de todos os magistrados do Ministério Público que prestam serviço nesse tribunal, e mais uma vez a ordem de antiguidade
E aqui (https://tca-sul.tribunais.org.pt/tribunal/quadros-do-tribunal/funcionarios/#1639395433728-16779f85-d45a ) até ficamos com acesso a todos os nomes de todos os funcionários que prestam serviço nesse Tribunal.
I- Parece-nos obvio que o Tribunal Central Administrativo do Sul não está a infringir a lei d[sic] protecção de dados. Está sim a praticar transparência.
J- O próprio recorrente, Conselho Superior de Magistratura, não escapa a esta transparência.
K- Aqui (https://www.csm.org.pt/conselho-plenario/) ficamos a conhecer todos os nomes de todos os membros do plenário do Conselho Superior da Magistratura, com direito, inclusivamente, a fotografia.
L- Estará o Conselho Superior da Magistratura a violar a lei? É claro que não.
M- Deixando de lado, caras e nomes, com o sistema Citius e Sitaf, podemos saber as listas de distribuição de vários tribunias[sic], incluindo deste Tribunal Central Administrativo do Sul. Eis aqui um exemplo da distribuição entre o dia 10 de Julho até hoje, dia 09 de Agosto de 2022. E nesta lista estão contidos números de processo, nomes de indivíduos, valores de processos, ou seja, uma panóplia de informação que, quando ligada a outra, conduziria, invariavelmente que, a todo o momento estivesse a acontecer uma violação do regulamento geral de protecção de dados.
[imagens no original]
N- Por isso, muito bem andou o tribunal recorrido quando, em sede de sentença, refere o seguinte:
[imagem no original]
O- No regulamento geral de protecção de dados não se percebe qualquer choque entre acesso a documentos administrativos e protecção de dados pessoais.
P- Isso mesmo pode perceber-se da leitura do considerando 154 do Regulamento 13 (EU) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho de 27 de Abril de 2016:
[imagem no original]
Q- Desconhecendo o conteúdo dos documentos, ao que podemos recorrer é à confiança no juízo de valor feito pelo Meritíssimo Juiz a quo, designadamente quando invoca aquilo que tem sido a jurisprudência dos tribunais superiores.
[imagem no original]
R- Por outro lado não nos podemos esquecer que a própria LADA comporta mecanismos de protecção de dados pessoais, nomeadamente, o expurgo dos dados nominativos.
S- O processo trata de documentos relacionados com um processo de distribuição processual, cujos protagonistas actuam dentro dos seus deveres funcionais de funcionários públicos, dentro das atribuições que lhe estão cometidas, sendo que, daquilo que foi possível apurar, o Juiz a quo, não viu neles qualquer revelação relacionada com a vida privada dos protagonistas.
T- E nem o conceito de dados pessoais plasmado no regulamento geral de protecção de dados não é incompatível com esta visão.
Quanto à questão da omissão de pronuncia….
U- De que cor era o cavalo branco de Napoleão?
V- Porquê que um jornalista pede acesso a documentos relacionados com um processo de distribuição num tribunal português com a importância do, entretanto extinto, ticão?
W- Porquê que um jornalista pede acesso a essa informação quando está em causa o processo de um ex primeiro-ministro da República Portuguesa?
X- Porquê que um jornalista pede acesso a informação de um procedimento de distribuição de um processo judicial que tem como arguido um ex primeiro ministro da República Portuguesa e como juiz do processo, o Dr. Carlos Alexandre?
Y- Não haverá conteúdo jornalístico que mereça a notícia? Não haverá interesse publico em saber, como naquele caso concreto ocorreu um procedimento com a importância da distribuição?
Z- O requerente julga que a resposta a essas duas questões é um rotundo sim.
AA- E o Tribunal a...

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