Acórdão nº 8813/20.0T8PRT-B.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-05-19

Ano2022
Número Acordão8813/20.0T8PRT-B.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. nº 8813/20.0T8PRT-B.P1 – 3ª Secção (apelação)
Comarca do Porto – Juízo de Família e Menores do Porto – J 3

Relator: Filipe Caroço
Adj. Desemb. Judite Pires
Adj. Desemb. Aristides Rodrigues de Almeida

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I.
Na ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge em que é Requerente AA e Requerido BB, convolado em divórcio por mútuo consentimento, as partes não acordaram relativamente à atribuição do uso da casa de morada de família, tendo o último deduzido pretensão de que lhe fosse atribuído o uso daquela residência até à partilha dos bens do casal, mediante o pagamento à Requerente de renda mensal no valor de € 287,50 (cf. ata de audiência, no processo principal, de 2.6.2021).

No essencial, justificou assim a sua pretensão:
- Não tem outra habitação para onde possa ir habitar com os seus filhos;
- Os filhos residem em regime de residência alternada semanal com os progenitores;
- Os pais do Requerido habitam em casa térrea de 60 m2, de tipologia T2, sem condições para o próprio residir também com os filhos;
- A Requerente é proprietária, desde 27.6.2000, de uma habitação T2 e respetiva garagem, sita em ..., em frente ao Hospital ...;
- Após a separação do casal, a Requerente passou a habitar um T4 com terraço e lugar de garagem, sito nas ..., adquirido pelos seus pais;
- Os Requerentes compraram o imóvel que constitui a casa de morada de família em 2009, tendo passado a habitá-lo em finais de 2011, após a realização de obras de restauro;
- O colégio frequentado pelos filhos do casal – Colégio ... – dista menos de 500 metros da casa onde habita a Requerente;
- A casa de morada de família e a casa dos avós paternos distam cerca de 100 metros, o que permite que os avós prestem apoio aos netos;
- A casa de morada da família fica próxima da zona do polo universitário, onde se situa a estação de metro utilizada pelo Requerido --- a Requerente detém a única viatura do casal --- assim como do ... (...) e do centro de catequese frequentados pelas duas crianças;
- O salário do Requerido é de cerca de € 2.700,00 mensais e não tem outros rendimentos;
- A Requerente aufere rendimentos de montante superior a € 5.000,00 mensais;
- O valor do arrendamento da casa de morada da família oscila entre os € 550,00 e os € 600,00 mensais.

A Requerente foi favorável à atribuição do uso da casa de morada da família ao Requerido, pretendendo que este lhe pague, como contrapartida mensal, uma renda de valor a fixar entre € 1.000,00 e € 1.200,00.
Para o efeito alegou que:
- O Requerido tem rendimentos mensais de cerca de € 5.000,00;
- A casa de morada da família é uma moradia de quatro assoalhadas, mobilada e equipada com móveis e eletrodomésticos;
- Sobre aquele prédio não incide qualquer ónus ou encargo, designadamente financeiro;
- O valor do arrendamento da casa de morada de família é de cerca de € 2.275,00.
As partes não arrolaram testemunhas.
O tribunal solicitou informações escritas ao Instituto da Segurança Social e à Autoridade Tributária, após o que proferiu decisão com o seguinte segmento decisório, ipsis verbis:
«Face ao exposto, decido atribuir ao requerente o uso da casa de morada de família até à venda ou partilha, mediante o pagamento da renda mensal de € 700,00.
*
Custas por requerente e requerido, em partes iguais (artigo 527º do CPC).»
*
Após o indeferimento de um pedido de retificação da sentença e inconformada com esta, a Requerente CC apresentou recurso com as seguintes CONCLUSÕES:
«1. Ao abrigo do art.º 644.º, n.º 1, al. a) do CPC, vem o presente recurso interposto da douta sentença de 08/02/2022, que fixou em €700,00 a renda mensal a pagar pelo Recorrida à Recorrente, sem estipulação da data de início de tal obrigação.
2. Antes da consumação do divórcio, na pendência do respectivo processo, o Juiz, por iniciativa própria ou a requerimento de qualquer dos cônjuges, pode decretar uma medida provisória de atribuição da casa de morada de família, que pode ou não comportar, em função da valoração judicial concreta das circunstâncias dos cônjuges e atentas as exigências de equidade, a fixação de uma compensação pecuniária ao cônjuge privado do uso daquele bem comum do extinto casal, por aplicação analógica do regime que está previsto para a atribuição definitiva da casa de morada de família (art.º 931º, n.º 7, do CPC).
3. Após o trânsito em julgado da sentença de divórcio, os ex-cônjuges só podem aspirar à atribuição definitiva do direito de utilização da casa de morada de família, segundo as regras do arrendamento, a título oneroso, ou seja, através da fixação de uma compensação pecuniária ao cônjuge privado do uso daquele bem comum do extinto casal (art.ºs 990.º do CPC e 1793.º do CC).
4. Não estando o divórcio decretado e tendo-se decidido atribuir a casa de morada de família ao Recorrido, mediante compensação de €700,00/mês à Recorrente, temos que a data de início desta compensação, atento o princípio de que o cônjuge privado da casa, que além do mais é um bem comum, deve ser compensado pela privação do seu uso e fruição, tem de se reportar à data da propositura da acção (01/06/2020), isto é, à data dos efeitos patrimoniais do divórcio (momento que igualmente dá lugar às compensações entre cônjuges);
5. Ou quando assim não se entenda, a partir do momento em que foi suscitado o incidente, no caso, 04/06/2021.
6. Passando tal compensação, a partir da prolação da sentença que decrete o divórcio, a seguir as regras do arrendamento oneroso.
7. A douta sentença recorrida viola os art.ºs 1688.º e 1789.º, n.º 1 do Código Civil e o art.º 931º, n.º 7, do CPC.).» (sic)
Defendeu assim a revogação da sentença, com fixação do valor da renda mensal em € 700,00, com início em 1.6.2020 ou, quando assim não se entenda, em 04.06.2021, com as legais consequências.
*
O Requerido BB ofereceu contra-alegações e apresentou recurso subordinado, SINTETIZANDO assim as suas posições:
1. Relativamente às contra-alegações:
«1) As alegações ora apresentadas são extemporâneas, pois o prazo para recorrer de decisão que recaia sobre incidente são 15 dias e não 30 dias, prazo que terminou em 26 de fevereiro de 2022 e não a 18 de março de 2022 (cf. Arº 644º, nº 1, al. a) in fine por remissão do artº 638º, nº 1 do ambos CPC);
Contudo, e caso este não seja o v. douto entendimento, deverá ser sempre atendida a resposta ora apresentada, porquanto,
2) Na douta sentença recorrida não ocorre qualquer dos vícios que a apelante invoca ao longo das suas alegações;
3) A A./apelante, distintamente do que alega, insistiu em que lhe fosse atribuída ab initio o uso da casa morada de família (vide a nºs 29 a 32 da pi de divórcio, com a refª 25895550 dos autos de acção principal de divórcio), e ainda cf. nº 9 a 15 do requerimento de 19/01/2021, com a refª 27905103, dos autos de acção principal de divórcio), justificando então a aqui apelante que não tinha alternativa habitacional no porto. E somente face à demonstração pelo r/recorrido de que tudo quanto a A. alegava era desprovido de sentido e fundamento e sem aderência à realidade, porque esta dispunha e dispõe de dois imóveis na área do Porto (... e .../Matosinhos) acabou por ser proferida decisão judicial provisória com a refª 424004506 de 28.04.2021, da qual a A./apelante não recorreu.
4) A sentença ora recorrida atendeu (ainda que não totalmente) aos critérios que devem nortear uma decisão como aquela ora em apreço, designadamente ao facto de os filhos menores e comuns (do casal ainda não divorciado), terem passado de um regime de residência alternada para um regime em que os mesmos habitam permanentemente com o pai, na sequência de um processo de promoção e protecção (procº 6818/20.0T8PRT-B no J4 do juízo de família e menores do porto), em resultado de maus tratos e violência doméstica perpetrada pela ora apelante contra os seus filhos, nomeadamente contra o filho mais velho, DD – com decisão datada de 11.11.2021 (certidão junta em 10.01.2022 aos presentes autos). Tudo sem que a recorrente comparticipe nas despesas dos menores, porquanto não foi ali determinado qualquer pensão de alimentos.
Mas a aplicação de tais critérios subjectivos na sentença sub judice e in casu teria que ser sempre atender às circunstâncias presentes à data da decisão judicial. E esta apenas poderá proferir efeitos futuros. Ao invés da pretendida retroactividade invocada pela apelante – com o que jamais se concorda porque não se concebe e/ou concede – o que é pacificamente aceite pela nossa doutrina e jurisprudência como supra alegado e mencionado:
• cf. Ac. do STJ de 17.12.2019, proc.º 4630/17.3T8FNC-A.L1.S1 in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/3 62333f989df0bd3802584d3005b8621?opendocument);
• vide o Ac. da RC de 21-01-2020 (procº 1558/19.6T8CBR.C1 in http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/ a22dde0f39253faa80258512005044ac?opendocument):
5) Deve assim ser mantida a mui douta sentença exarada a fls. …, nos termos objecto de recurso por parte da apelante, confirmando-se, consequentemente, os respectivos efeitos por se verificarem in casu todos os fundamentos de facto e de direito que aquela douta decisão, a propósito, tão bem escalpeliza.» (sic)

2. Quanto ao recurso subordinado:
«I) Sendo admitido o recurso de apelação apresentada por aquela apelante – por não ser considerada a sua extemporaneidade – vem o R./recorrido requerer a v. Exa. a admissão do presente recurso subordinado que tem por objecto a parte decisória que lhe é desfavorável e que se refere:
• Aos seus rendimentos e daquela apelante, ora recorrida (os quais são superiores) face à informação prestada pela AT – Autoridade Tributária que considera os rendimentos prediais auferidos pela progenitora e que foram olvidados na sentença em apreço (informação prestada pela AT em 05.11.2022, refª 30417772);
• A sentença em apreço desatende ao facto de a progenitora
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