Acórdão nº 8812/20.2T8PRT-A.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-05-19

Ano2022
Número Acordão8812/20.2T8PRT-A.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. nº 8812/20.2T8PRT-A.P1 (apelação)
Comarca do Porto – Juízo Central Cível do Porto – J 3


Relator Filipe Caroço
Adj. Desemb. Judite Pires
Adj. Desemb. Aristides Rodrigues de Almeida



Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I.
M..., S.A., NIPC ..., com sede na Rua ..., ... Porto, instaurou ação declarativa comum contra T..., S.A., NIPC ..., com o NIF ... e com sede na ..., Município de ... e ..., em Angola, alegando, essencialmente que, na sequência e em cumprimento de um contrato-promessa celebrado ente ambas, no dia 30 de abril de 2018 as mesmas contraíram o contrato definitivo de compra e venda pelo qual a R. vendeu à A. e esta lhe comprou a totalidade das ações representativas do capital da C.../C... pelo preço global de 30.000.000 USD, dos quais a A. pagou 29.000.000 USD, ficando por pagar 1.000.000 USD, por dever ser liquidado apenas quando estivesse alcançada a obtenção do licenciamento de três empresas, entre outras condições que especificou.
Por razões que aduziu, a A. ainda não pagou esta última prestação.
A A. formulou o seguinte pedido:
«(…) deve a presente ação ser julgada procedente e, em consequência:
- declarar-se anulado por erro e dolo o contrato de compra e venda de ações celebrado entre a Autora a Ré;
- ordenar-se a restituição pela Autora à Ré das ações que desta recebeu ao abrigo do contrato anulado;
- condenar-se a Ré a restituir à Autora a parte do preço que esta lhe pagou, no montante de 29.000.000 USD (VINTE E NOVE MILHÕES DE DÓLARES AMERICANOS);
- condenar-se a Ré a pagar a Autora juros de mora à taxa legal aplicável aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, contados desde a data da receção do preço, dos quais estão vencidos 5.570.409 USD (CINCO MILHÕES QUINHENTOS E SETENTA MIL QUATROCENTOS E NOVE DÓLARES AMERICANOS) e os vincendos devem calculados a final».
Citada, a R. ofereceu contestação, onde, entre outras exceções, invocou a caducidade do direito da A. à anulação do contrato. Defendeu-se ainda por impugnação e deduziu reconvenção, invocando o incumprimento contratual da A. e os danos que os falsos fundamentos da ação estão a provocar e continuarão a provocar na R.
A demandada fez culminar assim o seu articulado:
«Termos em que, e nos mais que V.ª Ex.ª se dignar suprir, se deve:
a) Declarar a incompetência deste Tribunal para a presente ação, absolvendo-se a R. da instância;
b) Na hipótese, sem conceder, de o Tribunal se considerar competente, se declare, sem mais, a ação improcedente, por falta de qualquer pressuposto jurídico que a fundamente, conhecendo-se, desde já, do mérito da causa;
c) No caso de, sem conceder, não se conhecer já do mérito da causa, se considere que o direito da A. a pedir a anulação do contato já caducou e/ou seria sempre um abuso de direito;
d) E, sem conceder, ainda que assim não se decida, declarar a ação não provada e totalmente improcedente;
e) Considerar o pedido reconvencional provado e procedente, condenando-se a A. a efetuar o pagamento à R. da quantia de 887.147,00 € (oitocentos e oitenta e sete mil, cento e quarenta e sete euros) acrescida dos juros legais a contar da notificação desta reconvenção à A., e ainda na quantia que se vier a apurar em fase de execução de sentença, acrescida dos respetivos juros até integral pagamento;
f) Condenar a A. como litigante de má fé, em multa e indemnização à R. não inferior a 1.500.000,00€ (um milhão e quinhentos mil euros), acrescida dos respetivos juros até integral pagamento;
g) Condenar a A. nas custas e demais encargos e despesas processuais.»
A A. apresentou réplica, onde, além do mais, pugnou pela improcedência da exceção da caducidade e impugnou a matéria da reconvenção, defendendo também a sua improcedência.
Foi proferido despacho saneador, no qual foram julgadas improcedentes as exceções da incompetência internacional dos tribunais portugueses e da caducidade invocadas pela R. e se julgou inadmissível e, por isso, foi rejeitado o pedido reconvencional, fazendo-se prosseguir os autos para audiência final, com identificação do objeto do litígio e especificação de temas de prova.

Da decisão que julgou improcedente a exceção a caducidade e da decisão que não admitiu a reconvenção, recorreu a R. reconvinte de apelação que foi admitida com subida imediata, tendo apresentado alegações com as seguintes CONCLUSÕES:
«1- Para a conclusão e cumprimento do negócio em causa (contrato de compra e venda de ações) o que era necessário era que as ações fossem entregues, e foram-no, assim como fossem pagos 20.000.000,00 USD (vinte mil dólares americanos) com o contrato promessa e, posteriormente, em 11/05/2018, 9.000.000,00 USD (nove mil dólares americanos) com o contrato definitivo, o que também ocorreu;
2 - A previsão de pagamento de mais 1.000.000,00 USD nenhuma implicação tinha no cumprimento, conclusão ou validade do negócio de compra e venda de ações;
3 - Esta quantia era um mais, um “plus” que a A. pagaria à R., caso se verificassem determinadas condições previstas na alínea C., 2., da Cláusula Primeira do Contrato de Compra e Venda de Ações, que diz o seguinte:
“Os restantes USD 1.000,000 quando estiver alcançada a obtenção do licenciamento da atividade das empresas (X ..., K ... e R...) no âmbito da ZEE Luanda ...., a atribuição do direito de superfície ou equivalente sobre o terreno onde se localizam as instalações da empresa e, bem assim, a conclusão do processo de autorização de investimento estrangeiro associado à aquisição da X ... pela C....”;
4 -Estas condições não eram nenhuma cláusula resolutiva ou suspensiva do negócio, pois caso ocorressem ou não ocorressem o negócio era sempre válido.
5 - O que foi, isso sim, estipulado, era que se verificassem a R. ainda teria direito a um “prémio” de mais 1.000.000,00 USD.
6 - Note-se que a verificação destas condições nada tinha a ver já com qualquer atuação da R., nem estavam na sua disponibilidade.
7 - Note-se ainda que estes acontecimentos até se poderiam nunca verificar, pelo que se se entendesse que o negócio ainda não estava cumprido, a anulabilidade poderia ser invocada “ad aeternum” …
8 – Acresce que a transmissão da propriedade - que a A. pretende ver anulada – se consumou com a entrega das ações pois, nos termos dos arts. 879º, alínea
a) e 886º do CC, a transmissão da coisa ou da titularidade do direito é um dos efeitos essenciais da compra e venda e opera automaticamente por mero efeito do contato – art. 408, nº 1, do CC;
9 - O que leva a que a falta de pagamento do preço, embora efeito essencial do contrato de compra e venda, nestes casos, não possa ser causa de resolução do contrato – arts. 886º e 879º, al. c), do CC;
10 – Pois o pagamento previsto de mais 1.000.000,00 USD era meramente acessório, poderia ocorrer ou não, e em nada interferiria na transmissão de ações operada;
11 - Há, assim, na situação em apreço, que respeitar a ratio da norma que impõe o prazo de um ano, pois existem expetativas legítimas da vendedora, aqui R., relativas ao destino do contrato, a proteger pelo decurso do tempo, que poderiam não existir, caso estivéssemos verdadeiramente perante um contrato ainda não cumprido, em que essas expetativas poderiam, eventualmente, como se referiu, não existir;
12 – Sendo este o verdadeiro alcance da ressalva do n.º 2, do art. 287º, n.º 2, do CC;
13 - A não ser assim, estava aberta a porta a fraude de uma das partes, que para manter a “porta aberta” à invocação da anulabilidade deixava por pagar uma parte ínfima do preço (imaginemos 1 euro) ou não entregava uma parte da coisa sem qualquer interesse
...

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