Acórdão nº 877/21.6T8VCD.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 25-01-2024

Data de Julgamento25 Janeiro 2024
Ano2024
Número Acordão877/21.6T8VCD.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo n.º 877/21.6T8VCD.P1.

João Venade.
Isabel Rebelo Ferreira.
Maria Manuela Machado.

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1). Relatório.

AA, residente na Rua ..., ..., Vila do Conde
BB, residente na Rua ..., ..., Vila do Conde
CC, maior acompanhado, representado pela acompanhante AA,
propuseram contra
DD e marido EE, residentes na Rua ..., ..., Vila do Conde
Ação declarativa sob a forma de processo comum, pedindo que:
a) se decrete a resolução da doação referida em 1, 2 e 3, e constante da escritura de 12/02/1998, exarada desde fls. 53 a 57, do livro ...4 de escrituras diversas do extinto 1.º Cartório da Secretaria Notarial de Póvoa de Varzim.
b) se decretado o cancelamento de todos os registos e inscrições efetuados a partir da escritura de doação de 12/02/1998 e relativos prédios, identificados em 1 e 2 da p.i..
c) se ordene a restituição, livre de ónus e encargos de todos os prédios às heranças abertas por óbito dos doadores FF e de GG, de todos os prédios identificados em 1 e 2 da p.i..
O sustento de tais pedidos consiste em a Ré não ter cumprido a condição imposta em tal doação de ficar obrigada a tratar dos doadores, tanto no estado de saúde como quando se encontrarem doentes, com os cuidados próprios do seu estado e condição, prestando-lhes todos os serviços pessoais e domésticos de que eles careçam, provendo à sua alimentação, vestuário, assistência clínica e medicamentosa, intervenções cirúrgicas, e internamento hospitalar de que possa eventualmente carecer, ficando ainda obrigada a ajudar os doadores na assistência aos dois irmãos deficientes da donatária.
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Citados os Réus, os mesmos deduziram contestação alegando em síntese que:
- o litígio já foi definitivamente solucionado por transação judicial, homologada e transitada em julgado;
- o Autor CC é incapaz;
- os Autores são partes ilegítimas;
- impugna o alegado pelos Autores.
Formula pedido reconvencional para o caso de ser decretada a resolução da doação, nos seguintes termos (relativo a benfeitorias por si realizadas e pagamentos de serviços pessoas e domésticos):
- condenados os Autores a verem reconhecidas as benfeitorias realizadas pelos Réus e a proceder ao pagamento das mesmas (aos Réus):
a) da quantia de 443.725,28 EUR a título de indemnização pelas obras/ benfeitorias e despesas relativamente aos bens imóveis cuja entrega é pedida pelos Autores, acrescido de juros até efetivo e integral pagamento;
b) do montante de 1.33.650 EUR relativamente ao valor mensal referente aos serviços pessoais e domésticos e cuidados próprios feitos pelos mesmos Réus a favor dos doadores e ainda dos irmãos/cunhados HH e CC, com a devida atualização legal, acrescido de juros até efetivo e integral pagamento.
c) do valor de 47.300 EUR relativamente ao período de maio de 2013 até à data do óbito do pai/sogro e doador, no montante mensal de 550 EUR conforme a referida transação ocorrida no dito Processo nº 814/10.3TBVCD com a devida atualização legal, acrescido de juros até efetivo e integral pagamento.
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Os Autores apresentaram réplica, negando a procedência da reconvenção.
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Foi proferido despacho a fixar o valor da ação em 799.094,62 EUR, remetendo-se os autos para a instância central cível.
Após diversas situações que não assumem relevo para o presente recurso, em 11/09/2023, o tribunal profere o seguinte despacho:
«De acordo com a petição inicial, inicialmente a ré não cumpriu os encargos impostos na doação. Os doadores intentaram então uma acção para resolução da doação que terminou com uma transacção. Nesta a ré ficou obrigada a pagar o ordenado de uma empregada doméstica. O que fez até ao falecimento dos doadores. Afigura-se que se pode conhecer já do mérito da acção. Prescindindo-se do conhecimento da excepção da preterição do litisconsórcio necessário activo, ao abrigo do disposto no art. 278º, 3, 2ª parte CPC. Assim, para realização de uma audiência prévia com a finalidade prevista no art. 591º, 1, b), designa-se o dia 3/10/2023, às 14h30m.».
No referido dia 03/10/2023, em sede de audiência prévia, com ata elaborada como «ata de audiência prévia», consta na mesma ata o seguinte:
Aberta a diligência, pelas 14h e 40m, com a observância do formalismo legal aplicável, pelo ilustre mandatário dos autores foi dito, em súmula, que os autores entendem que do alegado na petição inicial decorre que a ré incumpriu as suas obrigações decorrentes do contrato, designadamente de cuidar dos pais, dos irmãos deficientes, bem como da obrigação de continuar a pagar a quantia de 550.00€ (quinhentos e cinquenta euros), conforme resulta da transação, após o falecimento dos pais, pelo que existe fundamento para a procedência da acção.
Pela ilustre mandatária da ré foi dito, em súmula, que discorda, porque entende que a transação foi cumprida.
Após, pelos ilustres mandatários foi dito que, caso o processo prossiga, que prescindem da realização da audiência prévia. Assim, o Mm.º Juiz determinou a conclusão dos autos.».
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Em 09/10/2023 é proferido saneador-sentença onde se decide:
- indeferir a ilegitimidade ativa;
- prescindir do conhecimento da exceção de ilegitimidade ativa por preterição de litisconsórcio necessário ao abrigo do disposto no artigo 278.º, n.º 3, 2.ª parte, do C. P. C.;
- julgando-se o tribunal habilitado a conhecer do mérito da ação, julga totalmente improcedente a mesma.
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Inconformados, recorrem os Autores, formulando as seguintes conclusões:
(…)
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Os recorridos contra-alegaram, pugnando pela manutenção do decidido.
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As questões a decidir são:
. nulidade de saneador-sentença por ter sido proferido sem observância das regras de realização de audiência prévia e falta de elenco e motivação de factos não provados.
. abrangência de caso julgado.
. suficiência de factos para decidir de mérito;
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2). Fundamentação.

2.1). De facto.
Foram julgados assentes os seguintes factos:
Factos provados:
«1 - Por escritura de doação outorgada no dia 12 de Fevereiro de 1998, exarada desde fls. 53 a 54, do livro ...4 de escrituras diversas do extinto 1.º Cartório da Secretaria Notarial de Póvoa de Varzim FF e GG, declararam doar à Ré, sua filha, a totalidade dos seguintes prédios:
a) Prédio urbano, composto por casa destinada a habitação, com a superfície coberta de cento e cinquenta e nove metros quadrados, dependência com cento e vinte metros quadrados, coberto para arrumo com duzentos e oito metros quadrados, e uma garagem com trinta e dois metros quadrados, sito no Lugar ..., freguesia ..., concelho de Vila do Conde, a confrontar do norte com II, do sul com prédio dos doadores, do nascente com caminho público e do poente com outro prédio dos doadores, e inscrito na matriz sob o artigo ...28, , descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o n.º ...65, do livro ...3, com o valor patrimonial de 169.032$00 e o atribuído de duzentos mil escudos.
b) Campo do Poço, de cultivo e ramada, sito no Lugar ..., freguesia ..., concelho de Vila do Conde, com a área de quatro mil e oitocentos metros quadrados, a confrontar do norte com rego, do sul com JJ, do nascente com estrada e do poente com ribeiro, e inscrito na matriz sob o artigo ...99, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o n.º ...65, do livro ...3,com o valor patrimonial de 17.867$00 e o atribuído de cinquenta mil escudos.
c) Campo ..., de cultura e ramada, sito no Lugar ..., freguesia ..., concelho de Vila do Conde, com a área de nove mil metros quadrados, a confrontar do norte e do sul com rego, do nascente com estrada e do poente com ribeiro, inscrito na matriz sob o artigo ...00, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o n.º...65, do livro ...3, com o valor patrimonial de 32.037$00 e o atribuído de sessenta mil escudos.
e) Campo do …, de cultura e ramada, sito no Lugar ..., freguesia ..., concelho de Vila do Conde, com a área de nove mil metros quadrados, a confrontar do norte com KK, do sul com rego, do nascente com estrada e do poente com ribeiro, inscrito na matriz sob o artigo ...01, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o n.º ...65, do livro ...3, com o valor patrimonial de 32.037$00 e o atribuído de sessenta mil escudos.
f) Campo ... ou Campo ..., de cultura, sito no Lugar ..., freguesia ..., concelho de Vila do Conde, inscrito na matriz sob o artigo ...61 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o n.º ...09, do livro ...5, com o valor patrimonial de 23.421$00 e o atribuído de cinquenta mil escudos.
g) Bouça Grande ..., de lavradio, também denominada de Campo ..., Campo do Poço, Campo ... e Campo ..., sita no Lugar ..., freguesia ..., concelho de Vila do Conde, inscrito na matriz sob os artigos ...76, ...77, ...78 e ...79, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o n.º ...26, do livro ...9, com o valor patrimonial de 118.919$00 e o atribuído de duzentos mil escudos.
2 - Na mesma escritura pública, FF e GG, também declararam doar à Ré, sua filha, uma terça parte indivisa, dos seguintes prédios:
a) Bouça ... ou da Serra, ou Bouça da Casa ... e
...

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