Acórdão nº 866/22.3T8SXL.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-06-21

Data de Julgamento21 Junho 2022
Ano2022
Número Acordão866/22.3T8SXL.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


I–Relatório:


O Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, I.P. (IHRU, I.P.) veio propor, em 21.3.2022, contra B e C, procedimento cautelar de restituição provisória de posse, pedindo, no essencial e além do mais,
que:
-seja declarado o requerente como proprietário e legítimo possuidor do prédio urbano, em regime de propriedade total, sito na Travessa P..... C....., nº .., A....., Q____ C____, S_____, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo nº 5..., da União das freguesias do S_____, A_____ e A_____ P____ P____ e descrita na Conservatória do Registo Predial do S_____ sob o nº 2..., freguesia da A______;
-seja reconhecida a privação do requerente da posse do imóvel, por meio de esbulho, praticado com violência pelos requeridos;
- seja ordenada a restituição, por estes, da posse do imóvel ao requerente, livre e devoluta de pessoas e bens; e
- seja decretada a inversão do contencioso e, assim, dispensado o requerente do ónus de propositura da ação principal.
Invoca, para tanto e em breve síntese, que encontrando-se o referido prédio, propriedade do requerente, devoluto, devidamente fechado e emparedado desde 2014, em Janeiro de 2021 os requeridos procederam ao respetivo arrobamento e passaram a ocupar o referido imóvel e no mesmo a residir, sem qualquer título que legitime essa ocupação e sem o consentimento do requerente, impedindo o mesmo de proceder às obras necessárias e indispensáveis ao seu uso e à respetiva atribuição a candidatos com carência económica em regime de arrendamento apoiado, no âmbito das atribuições que lhe competem. Mais alega que teve conhecimento da identificação dos requeridos por meio de ação administrativa instaurada pelo requerido contra o requerente onde solicita o “reconhecimento de situações jurídicas subjetivas”.

A convite do Tribunal, veio o requerente esclarecer, em 8.4.2022, que o “Requerido, intentou contra o IHRU, uma ação administrativa de reconhecimento de situações jurídicas (art. 37.º, n.° 1, j) do CPTA), solicitando, em suma, "que seja declarada a existência do direito do A. a celebrar um contrato de arrendamento de habitação social com a Ré (IHRU), com recurso aos valores da renda que resultam da Lei, condenando-se consequentemente as Ré a abster de por qualquer forma perturbar o gozo do locado até que tenha lugar a efetiva celebração do contrato de arrendamento.” Mais refere que “a referida ação já foi contestada pelo IHRU e encontra-se a aguardar despacho do MM. Juiz” e que “as ação, administrativa e a providência cautelar de restituição provisória da posse, relacionam-se com o mesmo imóvel, o qual foi ocupado abusiva e ilicitamente, pelos Requeridos.” Junta certidão respeitante ao Proc. nº 92/22.1BEALM do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada.

Por despacho de 21.4.2022, foi determinada a notificação do requerente para se pronunciar sobre a possível incompetência material do tribunal para conhecer da providência instaurada em virtude de se encontrar intentada ação administrativa no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada.

Pronunciou-se o requerente no sentido da inexistência de qualquer relação de prejudicialidade e/ou de litispendência entre as duas ações, dado que o objeto do litígio não é o mesmo, pois “na ação administrativa é peticionado que seja declarada a existência do direito do A. (aqui requerido) a celebrar um contrato de arrendamento com o IHRU, e na providência cautelar, peticiona-se a restituição provisória da posse de um imóvel que foi ocupado abusiva e ilicitamente, pelos Requeridos”, sendo competentes para conhecer a presente providência os tribunais comuns, e não os administrativos. Conclui, pedindo que, caso assim se não entenda, seja ordenada a remessa do processo para ser apensado à ação que corre termos sob o Proc. nº 92/22.1BEALM, Unidade Orgânica 1, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada.

Em 3.5.2022, veio a ser proferido despacho que, considerando estar pendente causa principal no Tribunal Administrativo de Almada entre as mesmas partes e tendo por base o mesmo objeto (na parte em que se refere à entrega do locado), e dever a presente providência cautelar correr por apenso àqueles autos, concluiu: “(…) julga-se verificada a exceção dilatória de incompetência absoluta deste Tribunal para julgar a presente previdência cautelar de restituição provisória da posse e, em consequência, é a mesma liminarmente indeferida.
Considerando que se trata de uma providência cautelar especificada, decretada, nos termos do art° 378.° do CPC, sem audição do requerido, destarte estarmos em sede de despacho liminar não se vê óbice a que se aplique o art.° 99°, n.° 2 do CPC, remetendo-se os autos ao Tribunal competente.
Assim, atendendo à posição dos Requerentes, e nos termos do disposto no art.° 99°. 2 do CPC, determina-se, após trânsito, a remessa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, Unidade Orgânica 1 (proc. nº 92/22.1BEALM).
Custas a cargo da Requerente, pelo mínimo legal (cf. art° 527.° e 539º, 1.ª parte, ambos do CPC).
(…).”
Inconformado, interpôs recurso o requerente, IHRU, I.P., apresentando as respetivas alegações que culmina com as seguintes conclusões que se transcrevem:

A)–O Tribunal "a quo" declarou-se incompetente em razão da matéria para conhecer da providência cautelar de restituição provisória da posse instaurada pelo Recorrente, contra os Requeridos, BP..... e VF....., entendendo ser competente o tribunal administrativo e Fiscal de Almada, onde corre a ação administrativa de reconhecimento de situações jurídicas, previamente instaurada por BP..... contra o IHRU,
B)–alegando em suma, que se encontra verificada a exceção dilatória de incompetência absoluta do tribunal para julgar a presente providência cautelar em virtude da existência de uma ação administrativa.
C)–Entende, porém, o ora Recorrente, que não esta a ser feita a pertinente interpretação da lei.
D)–O Requerente/Recorrente, instaurou no tribunal judicial uma providência cautelar de restituição provisória da posse contra os Requeridos peticionando a restituição provisória da posse de um imóvel, sua propriedade e do qual detinha a posse, que foi ocupado abusiva e ilicitamente, por aqueles.
E)–No tribunal administrativo encontra-se a decorrer uma ação de reconhecimento de situações jurídicas (art. 37 n.° 1, al f), do CPTA) contra o Recorrente onde o Requerido peticiona que seja declarada a existência do direito a celebrar um contrato de arrendamento de habitação social com o IHRU, com recurso aos valores da renda que resultam da lei, condenando-se consequentemente, a IHRU a abster de por qualquer forma perturbar o gozo do locado até que tenha lugar a efetiva celebração do contrato de arrendamento.
F)–À semelhança do entendimento do tribunal, entende também o Recorrente que as providências cautelares, ainda que uma das partes seja entidade de direito público, caem na alçada dos tribunais comuns.
G)–Não concorda o Recorrente com o entendimento do tribunal "a quo" quando este refere "que o prosseguimento das duas ações em separado possa gerar decisões diferentes no que se refere à entrega do locado: ou a prolação de decisões contraditórias entre si ou verificação de uma situação de inutilidade superveniente do conhecimento de um dos pedidos".
H)–O Recorrente entende que não existe qualquer relação de prejudicialidade e/ou de litispendência entre as duas ações "uma vez que nem o pedido nem a causa de pedir é a mesma.
I)–Assim como, também, o objeto do litígio não é o mesmo, porquanto, na ação administrativa é peticionado que seja declarada a existência do direito do Autor a celebrar um contrato de arrendamento com o IHRU e na providência cautelar peticiona-se a restituição provisória da posse de um imóvel que foi abusiva e ilicitamente.
J)–O Requerido sem autorização e à revelia do Requerente, ocupou ilicitamente o imóvel, propriedade do Instituto e que se encontrava na sua posse, arrombando a porta e introduzindo-se no seu interior.
K)–O Requerido privou o Requerente da posse do seu imóvel, não possuindo qualquer título válido (contrato de arrendamento, documento de atribuição, etc,) que o legitime a sua permanecer no imóvel.
L)–A ocupação ilícita, pelo Requerido, viola o direito de propriedade e de posse do Requerente sobre o imóvel que de forma violenta viu esbulhado, e
M)–a ocupação também não permite que se crie qualquer expetativa legítima por parte do Requerido.
N)–Na ação administrativa o Requerido peticiona que seja declarada a existência do direito a celebrar um contrato de arrendamento de habitação social com o IHRU.
O)–Resulta da lei, e é do conhecimento geral, que a celebração de um contrato de arrendamento de habitações sociais propriedade do Recorrente e, consequentemente, a atribuição de fogos habitacionais é feita nos termos da Lei e do Regulamento.
P)–Nos termos do regulamento n.° 84/2018, de 2 de fevereiro, a atribuição de habitação social é necessariamente procedida de procedimento de concurso por inscrição, em que são apreciadas e classificadas as candidaturas em conformidade com as normas regulamentares aplicáveis.
Q)–O direito à habitação, consagrado no artigo 65.° da CRP, não é um direito absoluto, nem confere aos cidadãos um direito imediato e direto a uma habitação.
R)–O Autor não pode assentar o seu
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