Acórdão nº 8607/21.6T8VNG.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 08-02-2024
Data de Julgamento | 08 Fevereiro 2024 |
Número Acordão | 8607/21.6T8VNG.P1 |
Ano | 2024 |
Órgão | Tribunal da Relação do Porto |
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Local Cível de Gaia – J4
Relatora: Isabel Peixoto Pereira
1º Adjunto: Aristides Rodrigues de Almeida
2º Adjunto: João Maria Espinho Venade
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Acordam os juízes da 3.ª secção do Tribunal da Relação do Porto:
I.
AA e mulher BB propuseram acção declarativa contra CC, peticionando: a) Seja declarada a resolução do contrato de arrendamento urbano celebrado entre Autores e Ré, b) Seja a Ré condenada a proceder à desocupação do imóvel locado, devendo o mesmo ser entregue aos Autores livre de pessoas e bens, bem como repor a situação dos anexos e pátio anteriores à sua ocupação abusiva; c) Seja a Ré condenada ao pagamento das rendas vencidas e vincendas até à efectiva desocupação do locado, acrescidas de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano até ao efectivo e integral pagamento.
A Ré contestou, dando nota de que é bem distinto o valor da renda, por via da ineficácia, mediante oposição por si, à comunicação de aumento do valor da renda a que apelam os AA, sendo que que vem depositando na sua totalidade o valor da renda em vigor, todos os meses. Mais invoca que as divisões e logradouro por si ocupados sempre fizeram parte do objecto do contrato de arrendamento, razão pela qual não está obrigada a restituí-los.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença, que julgou improcedente na sua totalidade a acção.
É desta decisão que vem interposto recurso, formulando os recorrentes as seguintes conclusões:
1. Os Recorrentes não concordam com a decisão proferida, tanto por razões de ordem formal, como por razões de ordem material.
2. No que respeita à questão da resolução por falta de pagamento da renda, relativamente à fundamentação jurídica, a sentença conclui que foi celebrado um contrato de arrendamento entre as partes, seguindo-se um sobrevoo pelo regime da locação e concluindo que o fundamento legal da pretensão dos Recorrentes é a resolução por falta de pagamento de rendas.
3. Quanto à subsunção das normas jurídicas ao caso sub judice, a sentença em crise resume-se ao seguinte:
4. Cumpre, antes de mais, esclarecer que os Recorrentes nunca negaram que a Recorrida tenha pago mensalmente a quantia de 41,34 €. Aliás, para além das declarações de parte do Recorrente, AA, mencionadas na sentença quanto a esta matéria, foram os próprios Recorrentes que, ao abrigo do princípio da cooperação, vieram aos autos juntar o comprovativo do depósito da quantia de 41,34 €, no mês de Maio de 2021, na conta dos Recorrentes, que esta alegava na sua contestação que se tratava da renda relativa ao mês de Junho de 2021 e cujo comprovativo se havia extraviado.
5. O que é entendimento dos Recorrentes é que, por força do procedimento por si iniciado com o envio da missiva remetida à Recorrida (junta aos autos com a contestação, sob documento n.º 7) a comunicar a sua intenção de transitar o contrato de arrendamento para o NRAU e de actualizar a renda, o valor de renda a pagar pela Recorrida era de 70,00 € mensais e que esses – não subsistem dúvidas – não eram pagos pela Recorrida.
6. Dos autos constam as missivas trocadas entre os Recorrentes e a Recorrida quanto ao procedimento necessário à transição do contrato de arrendamento para o NRAU e à actualização da renda.
7. Da sentença recorrida resulta que:
8. O que não resulta da fundamentação jurídica da sentença é o que representa juridicamente a “carta dos autores datada de 08/01/2019”; se, nos termos da legislação aplicável ao caso, existe a obrigatoriedade de que a “carta” “fosse acompanhada da caderneta predial” e qual a norma e o diploma que o determina.
9. Da sentença recorrida resulta, ainda, que:
10. O que não resulta da fundamentação jurídica da sentença é se existe um critério legal para alcançar o referido valor, a identificação desse critério, qual a legislação que o prevê e o motivo pelo qual o Tribunal entende que os Recorrentes não o respeitaram.
11. Da sentença recorrida resulta, por último, quanto a esta matéria:
12. Salvo melhor entendimento, afigura-se aos Recorrentes que não era tema de prova, em singelo, “que a renda se cifrasse em 70,00 €”. mas antes, como resulta do despacho saneador, era tema de prova saber se “Mercê das sucessivas renovações, a actualizações a renda atual cifra-se em €70 mensais.”
13. Ou seja, havia que fazer uma análise jurídica às sucessivas renovações e actualizações que permitisse concluir se a renda se cifrava em 70,00 € mensais.
14. Para tanto, era imperativo que essa análise jurídica passasse por avaliar a eficácia do procedimento iniciado pelos Recorrentes com o envio da missiva remetida à Recorrida (junta aos autos com a contestação, sob documento n.º 7) a comunicar a sua intenção de transitar o contrato de arrendamento para o NRAU e de actualizar a renda e que decidisse sobre dois pontos. Em primeiro lugar, se operou validamente a transição do contrato para o NRAU e, em segundo lugar, se ocorreu validamente a actualização da renda.
15. Isto para concluir que, a partir do momento em que a Recorrida suscita a questão da transição do contrato de arrendamento para o NRAU e a actualização da renda, incontornável se tornou apreciar a sua eficácia e consequências, à luz da legislação aplicável,
16. E, no caso de concluir pela sua ineficácia, indicar qual teria sido o caminho correcto a percorrer.
17. Para além disso, resulta alegado pela Recorrida que o anterior senhorio já havia feito a actualização da renda ao abrigo do NRAU. Novamente, não é feito na sentença recorrida nenhum enquadramento jurídico quanto a essa matéria, nem apreciada a sua relevância jurídica para o caso dos autos.
18. Do exposto, resulta que não foi indicado um único fundamento jurídico que sustente a sentença recorrida, que é absolutamente omissa nessa parte, o que, naturalmente, impede os Recorrentes de sindicar a bondade da mesma.
19. É, portanto, manifesta e óbvia a ausência total de fundamentação quanto a este respeito.
20. O Tribunal a quo, com o devido respeito, veio dizer que a comunicação enviada pelos Recorrentes à Recorrida é ineficaz, “because i said so”, furtando-se a indicar um único normativo legal que o sustentasse.
21. Tudo isto dificulta, ou mesmo impossibilita, de foram irremediável e absolutamente notória, a tarefa dos Recorrentes em apresentar uma defesa estruturada, não sabendo (nem tendo como saber!) em concreto os fundamentos que suportam a decisão, para que a possam contradizer.
22. Destarte, pelos motivos expostos, a fundamentação da sentença sob censura se revela gravemente insuficiente, em termos tais que não permitam ao respetivo destinatário a perceção das razões de facto e de direito, encontra-se a mesma ferida de nulidade, nos termos previstos no artigo 615.º, n.º 1, b) do Código do Processo Civil, que aqui expressamente se argui.
Acresce que
23. Na petição inicial, os Recorrentes alegam, entre o mais, a seguinte causa de pedir: 12.º Acresce que, com a Pandemia a Ré foi invadindo sem qualquer autorização ou permissão do senhorio o pátio, com vasos de plantas, invadiu os anexos do prédio para os quais não tem qualquer autorização do Senhorio ou lhe foi dado de arrendamento no contrato, colocou uns cadeados nas portas e basicamente fez uma muralha de plantas, colocou umas chapas e uma janela para que o Senhorio não tivesse acesso aos mesmos. // 13.º Apesar de várias vezes avisada pelos autores para remover as plantas e abrir as portas dos anexos a mesma não o faz. // 15.º Portanto a Ré ocupa sem qualquer autorização, ou titulo que legitime aqueles anexos e da ocupação do pátio de acesso comum à casa que habita e à casa onde habitam os Senhorios, vide fotos juntas aos autos.
24. Concluem a acção, peticionando que fosse a Recorrida condenada a repor a situação dos anexos e pátio anteriores à sua ocupação abusiva.
25. Sucede que a sentença é absolutamente omissa quanto à situação do pátio, não lhe dispensando uma mísera linha.
26. A omissão de pronúncia é um vício que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre essas questões com relevância para a decisão de mérito e não quanto a todo e qualquer argumento aduzido, reportando-se apenas às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, às concretas controvérsias centrais a dirimir.
27. Como se expos, não se trata in casu da falta de apreciação crítica de um argumento invocado pelos Recorrentes mas de o Juiz não ter resolvido esta questão, que os Recorrentes submeteram à sua apreciação.
28. É, pois, tendo em consideração a violação do disposto no artigo 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, que a sentença recorrida está ferida de nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, que aqui expressamente se argui.
Sem prescindir,
29. Cremos que a douta sentença recorrida advoga soluções, quanto à matéria de facto, sobre as questões que foram submetidas a julgamento absolutamente inaceitáveis, pelo que importa corrigi-las.
30. É nosso entendimento que o Tribunal a quo não efectuou uma criteriosa e cuidada apreciação da prova validamente junta aos autos e produzida em julgamento.
31. No nosso caso, verifica-se claramente a existência de erro de apreciação relativamente ao ponto 12) da matéria de facto não provada, atenta a prova produzida.
32. Bem como, pior ainda, a absolvição num sentido, com base num facto dados como não provado, e cuja consideração deveria ter conduzido a decisão oposta,
33. Ora, a convicção do julgador, só, não basta, nem poderia bastar. Exige-se que tenha suporte na lógica, nos factos, nos elementos de prova. O que, claramente, não se verificou nos presentes autos.
34. Nesse sentido, em prol da verdade e da justiça, impõe-se a reapreciação da prova produzida, designadamente, da prova testemunhal gravada.
35. Destarte, entende a recorrente que a matéria de facto...
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