Acórdão nº 8567/20.0T8LSB.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 05-03-2024

Judgment Date05 March 2024
Year2024
Acordao Number8567/20.0T8LSB.L1-7
CourtCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)
Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa


A. Relatório
A.A. Identificação das partes e indicação do objeto do litígio
LDCGC e SSSMGC instauraram a presente ação declarativa, com processo comum, contra AF Construções, L.da, pedindo para o tribunal:
(i) condenar a ré a pagar aos autores o valor de €76.410,70, a título de multas contratuais que lhe foram aplicadas nas circunstâncias supra referidas, acrescido dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal supletiva supra indicada;
(ii) condenar a ré a reconhecer a licitude quanto à resolução do contrato de empreitada conforme declarada pelos autores, com as legais consequências;
(iii) condenar a ré a devolver a obra aos autores;
(iv) condenar a ré a pagar aos autores €2.500,00 por cada dia de atraso no cumprimento do dever de proceder à devolução da obra aos autores, desde 19.03.2020, a título de sanção pecuniária compulsória, que, atualmente, perfaz o valor líquido de €37.500,00, sem prejuízo da liquidação subsequente até ao integral cumprimento da obrigação de devolução da obra, a liquidar em eventual execução de sentença;
(v) condenar a ré a pagar aos autores €16.500,00, a título de indemnização por danos emergentes de natureza patrimonial, sofridos pelos autores com o pagamento de rendas com a habitação em substituição do imóvel objeto do contrato de empreitada em causa na presente ação, desde 16.05.2029 até hoje, sem prejuízo das rendas vincendas, à razão mensal de €1.500,00, a liquidar até à entrega do imóvel aos autores;
(vi) condenar a ré a pagar aos autores €4.171,53, a título de indemnização por danos emergentes de natureza patrimonial, sofridos pelos autores com o pagamento das prestações devidas pelo empréstimo contraído ao BM, sem a contrapartida da utilização do prédio como sua habitação própria e permanente, até hoje, sem prejuízo das prestações mensais vincendas, a liquidar até à entrega do imóvel aos autores;
(vii) condenar a ré a pagar aos autores a diferença entre o preço que se venha a apurar para a adjudicação dos trabalhos para a conclusão da empreitada e o valor dos trabalhos não executados e não pagos em razão do incumprimento da ré, que nesta data se prevê corresponder ao valor de €111.769,91, sem prejuízo de eventuais alterações supervenientes, em razão do tempo de incumprimento do dever de devolver a obra aos autores;
(viii) condenar a ré a pagar aos autores €5.000,00, a título de danos não patrimoniais;
Para tanto, alegaram que celebraram com a ré um contrato de empreitada para construção de uma moradia. Na fase de execução, os autores adjudicaram à ré a realização de “trabalhos a mais”, que a ré se comprometeu a executar sem alteração do prazo de 14 meses inicialmente acordado.
Considerando a data de início dos trabalhos, a obra deveria estar concluída em 16 de maio de 2019, sendo que a ré não deduziu qualquer pedido de prorrogação do prazo contratual. A obra foi objeto de comunicação prévia à Câmara Municipal (CM). A possibilidade de edificação assente na comunicação prévia caducou em 16 de setembro de 2019. A caducidade ocorreu por falta de apresentação junto da CM de novo pedido de prorrogação de que a ré estava incumbida.
Com a caducidade da comunicação prévia, a ré suspendeu a execução dos trabalhos de construção. Com vista a compelir a ré ao cumprimento das suas obrigações, os autores optaram por aplicar as multas contratualmente previstas, no montante global de 86.853,68 euros, que a ré não pagou. Os autores, em 16 de março de 2020, declararam a resolução do contrato de empreitada, com efeitos imediatos. Na sequência do incumprimento da ré, os autores sofreram danos patrimoniais e não patrimoniais, cujo ressarcimento pretendem.
Citada a ré, ofereceu esta a sua contestação, alegando, designadamente, que, na data da aquisição do prédio pelos autores, a anterior proprietária já dispunha de licenciamento aprovado para a construção da habitação projetada. Por este motivo, ficou contratualmente estabelecido que a ré diligenciaria por obter junto do anterior proprietário as licenças de escavação e contenções periféricas, de construção e utilização, mas devendo os autores, após a aquisição do lote de terreno, diligenciar pelo averbamento das licenças nos seus nomes e pela obtenção de eventuais prorrogações da licença (ou da comunicação prévia), caso fosse necessário.
A execução dos trabalhos de empreitada ficou marcada por diversas solicitações dos autores para alterações ao projeto inicial e execução de trabalhos a mais. Face às diversas exigências impostas pelos autores, a ré só concluiu a versão final do planeamento da obra em 15 de outubro de 2019. A caducidade da licença determinou a suspensão dos trabalhos o que foi comunicado aos autores. A ré reteve a obra para garantia dos seus créditos.
A ré deduziu pedido reconvencional para obtenção do pagamento de trabalhos referentes a faturas vencidas e não pagas, e ainda das quantias respeitantes aos custos suportados com os serviços prestados após a suspensão dos trabalhos. Pede a condenação dos autores como litigantes da má-fé.
Na sua réplica, os autores mantiveram a posição assumida na petição e pediram a condenação da ré como litigante de má-fé.
Após realização da audiência final, o tribunal a quo julgou a ação e a reconvenção parcialmente procedentes, concluindo nos seguintes termos:
Por tudo quanto exposto fica, decide-se:
a) julgar a ação parcialmente procedente, por provada e, em consequência, condenar a ré:
i) a pagar aos autores o valor de €76.410,70, a título de multas contratuais que lhe foram aplicadas nas circunstâncias supra referidas, acrescido dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal supletiva;
(ii) a reconhecer a licitude quanto à resolução do contrato de empreitada conforme declarada pelos autores, com as legais consequências;
(iii) a devolver a obra aos autores;
(iv) a pagar aos autores a quantia de 1.000,00 euros por cada dia de atraso no cumprimento do dever de proceder à devolução da obra aos autores, a contar do trânsito em julgado da decisão;
(v) a pagar aos autores €16.500,00, a título de indemnização por danos emergentes de natureza patrimonial, sofridos pelos autores com o pagamento de rendas com a habitação em substituição do imóvel objeto do contrato de empreitada em causa na presente ação, desde 16.05.2019 até hoje, e rendas vincendas, à razão mensal que se verificar em cada momento, a liquidar até à entrega do imóvel aos autores;
(vi) a pagar aos autores €4.171,53, a título de indemnização por danos emergentes de natureza patrimonial, sofridos pelos autores com o pagamento das prestações devidas pelo empréstimo contraído ao BM, sem a contrapartida da utilização do prédio como sua habitação própria e permanente, até hoje, e prestações mensais vincendas, a liquidar até à entrega do imóvel aos autores;
(vii) a pagar aos autores a diferença entre o preço que se venha a apurar para a adjudicação dos trabalhos para a conclusão da empreitada e o valor dos trabalhos não executados e não pagos em razão do incumprimento da ré, que nesta data se prevê corresponder ao valor de €106.663,09 (com IVA), sem prejuízo de eventuais alterações supervenientes, em razão do tempo de incumprimento do dever de devolver a obra aos autores, e no mais se absolvendo a ré.
b) julgar a reconvenção parcialmente procedente, por provada, e em consequência condenar os autores a pagar à ré as quantias de 6.148,50 euros e 4.076,79 euros, referentes às faturas identificadas nos autos, devidas e não pagas, acrescidas de juros de mora vencidos no montante 401,32 euros e vincendos até efetivo e integral pagamento, no mais se absolvendo os autores.

Inconformada, a ré apelou desta decisão, rematando as suas extensas conclusões nos seguintes moldes:
Nestes termos, e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser atribuído efeito suspensivo ao presente recurso, nos termos e com os fundamentos constantes das alegações e conclusões supra, e, nessa sequência:
a. Deve ser declarada a nulidade da sentença nos termos e com os fundamentos constantes das alegações e conclusões supra, com as legais consequências;
b. Deve ser alterada a matéria de facto nos termos e com os fundamentos constantes das alegações e conclusões supra, com as legais consequências;
c. Deve, em qualquer caso, ser o presente recurso julgado procedente, e a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue improcedentes os pedidos dos recorridos e absolva a recorrente e julgue procedente o pedido de reconvencional.
Os apelados contra-alegaram, pugnando pela manutenção de decisão do tribunal a quo recorrida.
A.B. Questões que ao tribunal cumpre solucionar
As questões prévias a abordar reconduzem-se à nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão, falta de fundamentação, ambiguidade, condenação em quantia superior ao pedido e obscuridade.
São as seguintes as questões de facto a abordar:
a) reapreciação da decisão respeitante às alíneas N), S), T), V), UU) e VV) da fundamentação de facto:
b) reapreciação da decisão respeitante às 4.ª a 12.ª proposições do leque de factos não provados.
As questões de direito a tratar serão mais desenvolvidamente enunciadas no início do capítulo dedicado à análise dos factos e à aplicação da lei.
*
B. Fundamentação
B.A. Factos provados (conforme decisão do tribunal ‘a quo’)
A) Em 13.10.2017, os autores, como donos de obra, e a ré, como empreiteira, celebraram o contrato de empreitada para a construção de uma moradia, com piscina, destinada a habitação, sita na Unidade de gestão 4, Rua A, Parcela 405, lote 405-L3, na freguesia da (...), concelho da Localidade, junto a fls. 45 a 51 verso e cujo teor se dá por reproduzido.
B) O prédio onde a obra viria a decorrer, foi adquirido pelos autores à sociedade “TZ, S.A.”, por contrato particular celebrado no mesmo dia (13.10.2017), descrito
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