Acórdão nº 853/20.6T8PBL-A.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 10-01-2023

Data de Julgamento10 Janeiro 2023
Ano2023
Número Acordão853/20.6T8PBL-A.C1
Órgão Tribunal da Relação de Coimbra

Apelação 853/20.6T8PBL-A.C1
Relator: Fonte Ramos
Adjuntos: Alberto Ruço
Vítor Amaral


*

Sumário do acórdão:

1. A moradia construída pelos cônjuges no terreno que é bem próprio de um deles constitui benfeitoria.

2. Havendo controvérsia sobre se o recorrente já declarou ter sido pago - ou foi efetivamente pago - do valor que lhe caberia pela mencionada benfeitoria realizada pelo ex-casal, será de conhecer da matéria da oposição ao inventário e da correspondente resposta, tendo em conta o disposto nos art.º 1105º, n.º 3 do CPC.

3. Só então será possível decidir quanto à relacionação da benfeitoria, máxime, como eventual direito de crédito do requerente/recorrente por benfeitorias úteis efetuadas em prédio que era bem próprio da recorrida, por se ter comunicado àquele (em princípio, na proporção de metade).


*

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. AA requereu inventário, para partilha dos bens subsequente a divórcio, contra BB.[1]

Na qualidade de cabeça-de-casal apresentou relação de bens comuns que integra diversos bens móveis e uma benfeitoria/“verba n.º 13”[2].

A interessada BB deduziu oposição ao inventário, ao abrigo do disposto no art.º 1104º, n.º 1, alínea a), do Código do Processo Civil (CPC)[3]; pediu que seja ordenada a extinção do processo de inventário por não existirem bens comuns a partilhar.

O requerente e cabeça-de-casal respondeu[4], concluindo pela improcedência da oposição e o prosseguimento dos autos.

Foi realizada audiência prévia nos termos do art.º 1109º do CPC, não se logrando obter qualquer consenso.

Ouviram-se novamente os interessados.[5]

Equacionada a questão[saber se devem os autos de inventário prosseguir, designadamente quanto à verba 13 da relação de bens, objeto de doação à filha do casal na constância do casamento] e descritos os factos tidos como provados, a Mm.ª Juíza do Tribunal a quo decidiu:

- “(...) não podendo o inventário prosseguir quanto à verba 13 da relação de bens, bem doado à filha de ambos, descrito no ponto 4) dos factos assentes, por se tratar de bem pertencente a terceiro, determina-se a sua exclusão dos bens comuns a partilhar”.

- “(...) no que concerne aos bens móveis relacionados, uma vez que face aos documentos juntos aos autos e à posição das partes vertida nos articulados, não resulta claro, que os mesmos tenham sido objeto de doação à filha de ambos, afigura-se necessária a produção de prova, tendo em vista apurar da possibilidade de o inventário prosseguir quantos a estes concretos bens. / Porém, tendo presente o reduzido valor económico atribuído aos referidos bens móveis na relação de bens, convida-se o cabeça-de-casal a no prazo de 10 dias vir aos autos dizer, se mantém interesse na produção de prova quanto aos mesmos ou se prescinde de os relacionar.”
Inconformado (quanto àquele primeiro segmento decisório), o requerido apelou[6] formulando as seguintes conclusões:[7]

1ª - A R intentou inventário para separação de meações e exerce as funções de cabeça-de-casal.

2ª - O R apresentou a RB e relacionou como verba13, “uma benfeitoria composta de um prédio urbano descrito na CRP ... sob o n.º ...45, e na matriz predial sob o artigo ...28º, edificado no prédio rústico, propriedade da RR

3ª - A RR reclamou/oposição à RB alegado que a casa era um bem próprio.

4ª - Que tinha, com consentimento do R doado á filha de ambos CC, reservando o usufruto

5ª - Devendo ser excluído da RB, nada havendo a partilhar.

6ª - O R havia recebido € 20 500, nada mais tendo a receber

7ª - Na resposta à oposição o R diz que a benfeitoria é comum edificada sobre um prédio rústico da RR e nunca foi partilhada

8ª - No estado de solteiros começaram a edificação com recurso a um crédito de € 49 879,79.

9ª - Os materiais utilizados na construção como betão, carpintaria, madeiras, alumínios e outros foram adquiridos por ambos tendo a mão de obra sido prestada pelo R e amigos

10ª - Esta edificação só ficou concluída no estado de casados com a conclusão de diversas obras exteriores e ajardinamento

11ª - A RR proceder à doação do imóvel que constituía uma benfeitoria de ambos, reservando o usufruto.

12ª - Os € 20 500 que o R recebeu, resulta da divisão do valor comum de € 41 000.

13ª - O R arrolou testemunhas e juntou um documento.

14ª - No despacho colocado em crise, a senhora juíza com o fundamento que o imóvel sob a verba 13 da RB, tinha sido doado à filha com o consentimento do R, determinou a sua exclusão.

15ª - Refere esta decisão que a filha CC não adquiriu apenas o solo, adquiriu também o edifício.

16ª - Mais refere que a Doação é causa da aquisição do prédio pela menor CC filha dos interessados, antes da dissolução do casamento, passando a constituir património de terceiro e como tal insuscetível de integrar o património comum a partilhar.

17ª - Referindo ainda que tendo sido transmitida a propriedade no seu todo, solo e edificação para terceiro, no caso a filha dos interessados, o referido bem deixou de fazer parte do acervo patrimonial dos ex-cônjuges,

18ª - Não mereceria acolhimento a tese do cabeça-de-casal, no sentido que não obstante o seu consentimento para a referida doação, não prescindiu do seu direito relativamente a este bem

19ª - Salvo o devido respeito, que a senhora juiz não andou bem no seu percurso cognoscitivo, porquanto não existindo a benfeitoria, existe sempre um inegável direito de crédito a partilhar.

20ª - A moradia, benfeitoria, verba 13 da RB, não foi edificada no terreno de um terceiro, mas sim no terreno da RR que depois a doou à filha tendo reservado o usufruto.

21ª - Não estamos perante uma acessão imobiliária do imóvel urbano que constitui uma benfeitoria

22ª - A benfeitoria edificada sobre o bem imóvel rustico rústico propriedade da interessada mulher, resulta para esta uma dívida, no valor de metade ao acervo a partilhar quanto à benfeitoria

23ª - Neste sentido, os acórdãos do STJ, in CJ-STJ, I, 1, 102 e da RC in CJ, XXIII, 5, 21 e da RP sumariado no BMJ nº 430, pág. 414[8].

(...)

30ª - Como a benfeitoria, a relacionar, foi construída no prédio da RR, esta sempre será proprietária da mesma, devendo metade do seu valor ao R.

31ª - Esta decisão enferma de nulidade, por os fundamentos estarem em oposição com a decisão e

32ª - por omissão de pronúncia sobre questões que deveria conhecer. Artigo 615º/1/c/d do CPC, existindo ainda

33ª - deficit da matéria de facto que habilite a uma decisão sem inquirição das testemunhas

34ª - Erro na interpretação do direito, omissão de pronúncia sobre factos que devia tomar conhecimento e contradição na decisão e sua fundamentação,

35ª - erro na aplicação de direito,

36ª - A senhora juiz refere no seu ponto 4 da decisão que a doação foi com reserva de usufruto e no final refere-se a uma transmissão plena,

37ª - Não conhece da diferença entre a propriedade plena e a raiz ou nua propriedade.

38ª - Por este errado silogismo este despacho terá de ser nulo por contradição nos fundamentos e decisão.

39ª - O que pretende saber é se pelo facto de ter havido uma doação com reserva de usufruto, de uma benfeitoria propriedade da mãe, ainda que na constância do casamento faz precludir o direito de crédito nessa benfeitoria do outro cônjuge.

40ª - Com todo o respeito a nós não nos parece e nem se diga que a propriedade plena foi transmitida, apenas a raiz, e o usufruto é um direito real de valor económico.

41ª - A benfeitoria seria sempre da RR, o consentimento pelo R não releva, não podendo fazer precludir o direito de crédito.

42ª - Refere o acórdão do TRL proferido nos autos 6284/2007-2

I - O artigo 2101º/2 do Código Civil impede a renúncia ao direito de partilhar...

II - …….

III - …….

IV - A Lei Fundamental e a ordinária impedem que as pessoas se vinculem, face a outrem, em geral, a não defender os seus interesses em tribunal, mas não obstam a que alguém assuma o compromisso de não introduzir em juízo ação referente a uma dada relação jurídica

43ª - Isto para dizer que o R nunca renunciou aos seus direitos de partilha da benfeitoria/crédito

44ª - Também o acórdão de 25/05/2022, desta RC 2ª secção, autos 1424/19.5T8PBL-B.C1 refere que “O acórdão do STJ de 30/04/2019 (proc.º n.º 5967/17, dgsi) é expressão da uniformidade do entendimento de que constitui benfeitoria a construção de um prédio urbano em terreno próprio de outro cônjuge.

45ª - Diz ainda este acórdão “Sendo benfeitoria, feita por ambos, o Réu não a poderia levantar sem detrimento da mesma e ela ficaria a pertencer à Autora, a quem caberia ressarcir o Réu de metade do seu valor. O Réu teria não um direito de real, mas um direito de crédito

46ª - O inventario é o processo adequado a partilhar os bens comuns pós divórcio.

47ª - Alegando a RR que a benfeitoria é própria, deveria a senhora juiz prosseguir para produção de prova tendo em vista o relacionamento ou não do direito de crédito do R.

48ª - A senhora juíza não poderia ter excluído a verba 13 com a fundamentação explanada

49ª - Que por transmissão pela mãe à filha reservando o usufruto, se extinguiu o direito de crédito do R

50ª - A folhas 8 § 4 da decisão em crise refere e senhora Juiz “Tendo a casa de morada de família do ex-casal sido construída no prédio descrito em 3 dos factos assentes, doado à interessada BB no estado de solteira, pelos pais, tudo indica que a edificação aí efetuada, constituiria uma benfeitoria construída sobre um bem próprio da interessada BB.

51ª - Transmitindo-se a benfeitoria porque seria sempre propriedade da RR resultaria sempre um direito de crédito para o R

52ª - Este inventario é o local próprio para se relacionar o direito de crédito entre os cônjuges pós divórcio, não relevando se a doação foi no estado de casado ou divorciados, porquanto a partilha dos bens comuns, só pode ocorrer pós divórcio

53ª - A senhora juíza ou deveria ter determinado que a verba 13...

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