Acórdão nº 851/23.8T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-09-28

Data de Julgamento28 Setembro 2023
Ano2023
Número Acordão851/23.8T8VNF.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

RELATÓRIO

AA veio requerer a declaração de insolvência de I..., S.A.
Invocou ser titular de um crédito sobre a requerida no montante global de € 1 000 000 (€ 200 000 + € 300 000 - correspondentes estes últimos a 25% do valor da futura venda da nova capacidade construtiva de um terreno - x 2) porquanto o requerente e BB venderam à requerida um projeto de negócio, nos termos que se encontram descritos e pormenorizados no requerimento inicial, tendo posteriormente BB cedido onerosamente o seu crédito ao requerente.
A requerida não procedeu ao pagamento do crédito do requerente nos termos e prazos acordados.
A requerida tem dívidas de vária natureza e não possui meios financeiros para as solver, possuindo um único bem imóvel não onerado, mas sem valor económico e financeiro.
Contra si correm diversos processos judiciais em que é pedido o pagamento da quantia global de € 565 000,00.
A requerida tem dívidas à autoridade tributária.
Pelo menos desde 2020, a requerida não consegue liquidar de forma sistemática e generalizada as suas obrigações vencidas ou as que se vierem a vencer estando, tecnicamente em situação de insolvência, tendo um passivo manifestamente superior ao ativo.
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Regularmente citada, a requerida deduziu oposição na qual:

a) invocou a existência de erro na forma de processo;
b) invocou a preterição de litisconsórcio necessário e deduziu incidente de intervenção principal provocada de BB;
c) negou a existência do crédito do requerente e alegou que está solvente;
d) pediu a condenação do requerente nos termos do art. 22º do CIRE.
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Depois de exercido o contraditório quanto às exceções invocadas, foi proferida a decisão de 26.4.2023 (ref. Citius ...93), a qual se dá aqui por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, e que contém o seguinte dispositivo:

Face ao exposto, decidido julgar:
a) inverificada a nulidade decorrente do putativo erro na forma de processo;
b) inverificada a exceção da preterição do litisconsórcio necessário activo e, consequentemente não admitir o pedido de intervenção principal provocada;
c) improcedente o pedido deduzido pelo requerente contra I..., S.A.
d) improcedente o pedido de condenação do Requerido na quantia nunca inferior a €100 000,00, por dedução de pedido infundado.
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Foi fixado à causa o valor equivalente ao da alçada da Relação.
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O requerente não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

“A- O Recorrente intentou a presente acção tendo em vista, primacialmente, a declaração, a final, de insolvência da requerente.
B - Justificou a sua legitimidade processual invocando a sua qualidade de credor e a impossibilidade de cumprimento, por banda da Requerida, dos seus compromissos económico-financeiros, entre os quais o crédito invocado.
C - Findos os articulados, sem que o Tribunal “a quo” tenha tomado posição expressa sobre os documentos juntos em sede de articulado de resposta às excepções aduzidas em contestação, foi, sem realização de audiência de julgamento, proferida sentença a, na parte que interessa, julgar improcedente o pedido deduzido pelo ora Recorrente.
D - A sentença é, na verdade, ininteligível, na medida em que fica sem se compreender se existe, ou não erro na forma do processo, mas, ainda, quais os verdadeiros fundamentos substantivos para um conhecimento de mérito em que, putativamente, a sentença assenta.
E - Além do mais, na sentença posta em crise desconsiderou-se que a lei não exige que o requerente produza prova da qualidade que alega, mas, tão só, que proceda à justificação do crédito, através da menção de origem, da natureza e do montante do crédito – o que foi feito.
F - O poder de requerer a declaração de insolvência é igualmente atribuído a sujeitos não titulares de direitos de crédito; por maioria de razão, um qualquer credor tem legitimidade para requerer a insolvência ainda que não disponha de titulo executivo e ainda que o seu crédito não se encontre vencido.
G - O único pressuposto da declaração de insolvência (requisito necessário e suficiente) é a situação de insolvência, enquanto estado patrimonial do devedor, definida por lei como a “impossibilidade do devedor cumprir as suas obrigações vencidas”.
H - A verdadeira apreciação do crédito invocado e das excepções contra ele invocadas serão questões a apreciar em sede de reclamação, verificação e graduação de créditos.
I – Os factos elencados no artº. 20º ,nº.1, do CIRE constituem factos índices ou presuntivos da insolvência, cuja verificação é necessária e, ressalvada a hipótese da mesma vir a ser ilidida, suficiente para a declaração do devedor.
J - Resultando da dimensão e antiguidade dos créditos a impossibilidade do devedor satisfazer pontualmente as suas obrigações vencidas, preenchendo o facto índice previsto na al .b), do nº.1, do artº. 20º, a declaração de insolvência não se encontra dependente da demonstração da superioridade do passivo sobre o activo.
K - A partir do momento em que foi apresentada oposição, não fica ao livre arbítrio do Tribunal realizar ou não julgamento, mormente quando a própria Requerida indica a existência de, pelo menos, mais cinco credores, para alem do Recorrente.
L - Posto isto, mas sem o perder de vista, temos por certo que tendo havido oposição da Requerida teria “logo” de ser marcada audiência de discussão e julgamento para um dos cinco dias subsequentes”, em cumprimento do disposto no nº 1 do citado artigo 35º do CIRE.
M - Ao proceder como procedeu o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 35º do CIRE e 96º, nº.1, do CPC.
N - Estamos assim, perante uma irregularidade com incontestável influência na decisão da causa e, por isso, geradora de nulidade (artigo 195º do CPC), tendo o Recorrente legitimidade para a invocar (artº 197º) e estando em tempo (artigo 199º) – o que deve ser declarado.
O - Se assim não se entender, isto é, caso se entenda que a sentença efectivamente entrou no conhecimento de mérito, então há que concluir que se mostram violados os artºs. 3º, 10º, 19º, 20º, 25º, 128.º nº 1, 131.º, 134.º, 135.º, 136.º, 139.º e 140.º nºs 1 e 2, todos do CIRE.
P - Deve, pois, ser revogada a sentença recorrida e determinado o prosseguimento dos autos com as todas legais consequências.”

Termina pedindo que a sentença recorrida seja revogada e que se ordene o prosseguimento dos autos.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido na 1ª instância como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito devolutivo, não tendo sido objeto de alteração neste Tribunal da Relação.
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Foi determinada a baixa dos autos ao tribunal a quo para se pronunciar sobre a nulidade invocada na sequência do que foi proferido o despacho de 17.8.2023 (ref. Citius ...26) que considerou que a mesma não se verifica.
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Foram colhidos os vistos legais.

OBJETO DO RECURSO

Nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC, o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações do recorrente, estando vedado ao Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, sendo que o Tribunal apenas está adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para o conhecimento do objeto do recurso.
Nessa apreciação o Tribunal de recurso não tem que responder ou rebater todos os argumentos invocados, tendo apenas de analisar as “questões” suscitadas que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Por outro lado, o Tribunal não pode conhecer de questões novas, uma vez que os recursos visam reapreciar decisões...

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