Acórdão nº 85/22.9T8MDL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-10-12

Ano2023
Número Acordão85/22.9T8MDL.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte:

I- RELATÓRIO

AA e mulher, BB, residentes na Rua ..., ..., ..., instauraram a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra Herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de CC, representada por DD, EE e FF, residentes na Rua ..., ..., ..., pedindo a condenação desta a:

a- realizar as obras necessárias à impermeabilização do logradouro da sua fração (e a suportar os custos com as mesmas), de forma a impedir que a água que aí caia (sejam das chuvas ou outras) se infiltre na fração dos Autores;
b- indemnizar os Autores da quantia de 5.002,56 euros, concernente aos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em virtude da atuação da Ré, acrescida de juros de mora, desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Para tanto alegaram, em síntese, serem proprietários da fração designada pela letra ..., correspondente a cave, bem como da fração designada pela letra ..., correspondente ao ... andar destinado a habitação, ambas sitas no prédio constituído em regime de propriedade horizontal localizado no Bairro ..., ..., Rua ..., ..., freguesia e concelho ..., onde a herança indivisa Ré tem uma fração designada pela letra ..., correspondente ao rés-do-chão amplo, com uma loja ampla destinada a comércio e logradouro em frente.
Apesar de se encontrar constituído em propriedade horizontal o edifício não tem condomínio constituído.
O logradouro da fração ... é protegido por um muro e o chão deste é constituído em parte por cimento e a restante parte por pastilha (pequenos mosaicos).
O chão do logradouro apresenta diversas fissuras, buracos e deficiências.
O estado intensamente degradado do terraço impede o correto escoamento de águas do mesmo, o que resulta numa acumulação de água, que acaba por se infiltrar na fração ..., que se situa imediatamente por baixo desse terraço.
As rachadelas, fissuras e deficiências na vedação da saída da água do terraço, com a consequente perda de impermeabilização, contribui para fazer vazar a água para a fração ....
Desde há algum tempo, os Autores detetaram infiltrações de água no teto da fração ..., o que se agravou no decurso do ano de 2021, e determina que, quando chove, a água entra pelas paredes da fração, gerando verdadeiras poças de água no chão desta, o que já provocou a queda, em diversos locais, de tinta e reboco das paredes da fração; noutro locais, a tinta encontra-se empolada e levantada e as paredes e tetos da fração apresentam-se amarelados, cheios de humidade e com diversas fissuras.
A quantidade de água que se infiltra na fração é tal que está a desgastar e a corroer o próprio piso da fração, que é em cimento, e impede os Autores nada possam ter nesta e, bem assim, de a utilizar para, como habitualmente faziam, realizarem convívios com família e amigos, causando-lhe danos não patrimoniais.
Esse terraço/logradouro faz parte da cobertura do edifício.
Os Autores falaram com o falecido CC, marido e pai dos Réus, para resolver o problema, o que ele recusou, afirmando que a resolução do mesmo competia a todos os proprietários das frações do edifício.
As infiltrações de água pelo terraço é devido à não realização de obras por parte do falecido CC e pelos agora Réus que impedissem o normal desgaste provocado pelo uso do terraço enquanto tal.
Foi a atuação negligente e descuidada dos Réus, que nada fizerem para assegurar a manutenção do seu terraço, mormente arranjando e substituindo os mosaicos partidos, bem como tapando as fissuras que foram surgindo, que contribuiu para o estado completamente degrado do logradouro/terraço e, consequentemente, das infiltrações.
A Ré contestou defendendo-se por exceção e por impugnação.
Suscitou a exceção perentória da prescrição dos direitos indemnizatórios e reparatórios que os Autores vêm exercer nos autos, alegando que os mesmos já têm conhecimento da situação que descrevem na petição inicial desde o ano de 2016, no decurso do qual falaram com o falecido CC da existência de infiltrações de água na sua fração e da existência dos danos que agora alegam, exigindo dele a reparação do logradouro da fração ... e a eliminação de tais danos provocados alegadamente por essas infiltrações, o que não foi então aceite pelo entretanto falecido CC.
Suscitou a exceção dilatória de ilegitimidade passiva sustentando que o logradouro a que se reportam os Autores serve de acesso ao interior da fração ... e, como alegam, também serve de cobertura parcial da fração ... e assenta nas paredes mestras dessa fração. As infiltrações de água que provocam os alegados danos na fração dos Autores também provêm do espaço situado a poente do referido logradouro, o qual serve de corredor de acesso exclusivo às frações ... e ..., propriedade dos Autores e de GG, respetivamente. Essa entrada, com dois vãos de escadas a partir da rua pública, assenta exclusivamente nas paredes mestras da fração ..., pelo que a Ré não tem interesse em contradizer, dado que esse interesse pertence ao condomínio.
Impugnou parte da facticidade alegada pelos Autores.
Concluiu pedindo que, por via da procedência das invocadas exceções de prescrição e ilegitimidade, fosse absolvida do pedido e da instância, respetivamente, e que, em todo o caso, se julgasse a ação improcedente por não provada e se absolvesse a mesma do pedido.
Ordenou-se a notificação dos Autores para se defenderem, querendo, no prazo de dez dias, quanto à matéria de exceção suscitada pela Ré na contestação.
Os Autores responderam, impugnando parte da facticidade alegada pela Ré para suportar a exceção de prescrição que invocaram e alegando que tanto as infiltrações como os danos por si narrados no articulado inicial são factos continuados, que se mantêm até ao presente, concluindo pela improcedência dessa exceção perentória.
Quanto a exceção dilatória de ilegitimidade passiva, reafirmaram que o terraço onde as infiltrações existem pertence à Ré, sendo parte integrante da fração desta (fração ...) e que o facto desse terraço se encontrar assente sobre a cobertura do edifício em nada retira àquele espaço a qualidade de parte integrante da fração da Ré, pelo que é sobre esta que recai a obrigação de executar obras destinadas à sua reparação e impermeabilização.
Acresce que, caso se considerasse que não é dissociável a dupla função do logradouro, como terraço e como logradouro, ainda assim a responsabilidade pelas obras recai sobre a Ré, nos termos do n.º 3, do art. 1424º do CC, impondo-se, por isso, que seja julgada improcedente a invocada exceção.
Independentemente disso, caso se julgue que a Ré é parte ilegítima face à não presença dos restantes condóminos do prédio constituído em propriedade horizontal, que não tem condomínio constituído, não se impunha julgar procedente a exceção dilatória de ilegitimidade passiva, mas sim convidar os Autores para procederem ao chamamento dos restantes condóminos do edifício não demandados.
Por despacho proferido em 12/02/2023, ordenou-se a notificação das partes para, em observância do contraditório, se pronunciarem, querendo, face ao entendimento sufragado pelo tribunal a quo em função do qual, devendo o pressuposto processual de legitimidade das partes aferir-se pela relação jurídica material controvertida delineada pelos Autores na petição inicial, tomando em consideração a jurisprudência fixada no acórdão do STJ., de 02/06/2021, Proc. 2208/18.2T8PRT, nos termos da qual, “invocando a demandante infiltrações decorrentes das partes comuns do edifício constituído em regime de propriedade horizontal que integra a sua fração, as quais lhe determinam danos, pedindo não só a condenação na realização das obras de restauro e impermeabilização das partes comuns do edifício, mas também a condenação pelos prejuízos sofridos na fração de que é proprietário, distinguimos estar em causa a responsabilidade legal do Condomínio decorrente do regime da propriedade horizontal a par da responsabilidade extracontratual do Condomínio, nos termos dos arts. 1305º, 483º, 562º e 566º do Código Civil, donde, será o Condomínio, enquanto figura orgânica que representa o conjunto de condóminos, que tem interesse em contradizer, manifestado pelo prejuízo que da procedência da ação lhe pode advir, assumindo a legitimidade passiva, e não os condóminos, considerados autonomamente” e, bem assim, ponderando na circunstância dos Autores alegarem que parte do logradouro em causa nos autos será cobertura da fração da Ré herança indivisa, entender que a legitimidade passiva para a presente ação cabe ao condomínio, ocorrendo, em consequência, a exceção dilatória de ilegitimidade passiva, que é insuprível.
Na sequência da notificação do despacho acabado de referir, nenhuma das partes se pronunciou.
Em 17/03/2023, dispensou-se a realização de audiência prévia, fixou-se o valor da ação em 5.002,56 euros e proferiu-se despacho saneador em que se conheceu da exceção dilatória de ilegitimidade passiva, que se julgou procedente e, em consequência, absolveu-se a Ré herança ilíquida e indivisa da instância, constando essa decisão da seguinte parte dispositiva:
“Nestes termos e pelos fundamentos expostos, decide-se julgar a verificada a ilegitimidade passiva da RÉ HERANÇA ILÍQUIDA E INDIVISA POR ÓBITO DE CC, ora representada pelos seus herdeiros DD, EE e FF e, em consequência, absolvo a mesma da instância.
Custas a cargo dos Autores”.

Irresignados com o decidido, os Autores interpuseram o presente recurso, no qual formulam as seguintes conclusões:
1. O recurso agora intentado resulta da não concordância, por parte dos Autores/Recorrentes, com a sentença proferida, em sede de despacho saneador, que julgou verificada a ilegitimidade passiva da Ré, Herança Ilíquida e Indivisa por óbito de CC e, em consequência decidiu absolver aquela da instância, desacordo que deriva da...

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